Carl Palmer’s ELP Legacy

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Vinte e quatro de março de 1993. O Canecão estava tomado por fãs de rock progressivo que esperavam pela primeira apresentação do Emerson, Lake & Palmer no Brasil. Marcado para começar às 21h30, o show já sofria um atraso considerável quando alguém, poucos metros atrás de mim, começou a vociferar para todos ouvirem que era “absurda a falta de respeito desses gringos!” e mais algumas frases de efeito contra Keith Emerson, Greg Lake e Carl Palmer. No entanto, bastaram poucos minutos de Tarkus para a mesma pessoa pedir licença a quem estava à frente porque queria ficar mais próximo do palco. “Isso é muito lindo! Que música maravilhosa! Que banda maravilhosa!”, ele passou falando alto para quem quisesse ouvir. Esse alguém era Renato Russo.

Vinte e cinco de maio de 2018. Não havia nenhum Renato Russo na plateia do Vivo Rio, e no palco estava apenas Palmer para comemorar o legado da obra feita por ele ao lado de Emerson e Lake (ambos falecidos em 2016). Houve atraso para o início da noite com o Carl Palmer’s ELP Legacy, mas de apenas 15 minutos, e num primeiro momento o clima na pista nem de longe lembrava aquele de 25 anos atrás. Com a configuração de mesas e cadeiras e o vai e vem de garçons – com um menu que ia de cerveja mais artesanal do que popular a garrafas de vinho; de batata frita a porções de salgadinhos e mini-hambúrgueres gourmet –, mas parecia que o público estava num restaurante sem se preocupar com quem receberia o couvert artístico.

Felizmente, as diferenças foram apenas essas, porque o show foi lindo, com músicas maravilhosas apresentadas por uma banda maravilhosa. E Palmer acertou em cheio ao optar por não ter um tecladista. Os jovens Paul Bielatowicz (guitarra) e Simon Fitzpatrick (baixo e chapman stick) se dividiram na missão de emular em seus instrumentos o trabalho de Emerson, com eventual e rara ajuda de samples, e foram muito além: conseguiram brilhar em pé de igualdade com o veterano batera. A tônica ficou clara nas duas primeiras canções da noite. Abaddon’s Bolero trouxe Fitzpatrick preenchendo bem os espaços, e Karn Evil 9: 1st Impression, Part 2 flertou com o heavy metal graças ao riff de Bielatowicz.

“Welcome back, my friends, to the show that never ends”, brincou Palmer ao se dirigir à plateia pela primeira vez. Mas não foi apenas uma referência ao clássico segundo álbum ao vivo do ELP. O show tem que continuar, e o batera realmente encontrou a fórmula ideal para manter viva a música do trio sem soar oportunista. O cartão de visitas já havia sido entregue, mas uma versão absurda de Tank enterrou qualquer dúvida que ainda pudesse existir: enquanto Bielatowicz (como toca esse garoto!) e Fitzpatrick simplesmente debulharam, Palmer mostrou com suas viradas à la Buddy Rich que, aos 68 anos, ainda toca como se estivesse brincando.

Baterista e mestre de cerimônias. Para falar com o público, Palmer ia à frente do palco e contava histórias. Lembrou-se de quando ele e os dois antigos companheiros receberam a visita de um sujeito de paletó, terno e gravata – “pensei que fosse alguém cobrando impostos”, disse, arrancando alguns dos vários risos da noite – e ficou sabendo que alguém estava acusando o trio de plágio, por isso teria de compensar financeiramente o autor da reclamação. “Olhei para trás e vi que o Keith havia se mandado. Pensei: ‘OK, ele sabe de alguma coisa’.” Era a vez de Knife-Edge, clássico do álbum de estreia baseado em peças do tcheco Leoš Janáček (1854 – 1928) e do alemão Johann Sebastian Bach (1685 – 1750), que não estavam por trás na notificação extrajudicial, obviamente.

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Quer mais clássico? “Esta é daquela disco que tem a cara dos três, e eu sou o mais bonito, à esquerda.” Modéstia de Palmer à parte, ele se referiu a Trilogy, faixa-título do terceiro, álbum lançado em 1971, e o show foi todo de Bielatowicz. Eu já disse que o garoto toca demais? Acredite, o que você está imaginando é pouco, porque o que ele fez aqui foi de cair o queixo. E valeu até a brincadeira tocando, digamos, ‘air keyboard’ para fazer uma referência ao que estava fazendo: levando os geniais teclados de Emerson com maestria para a guitarra. “Shit Happens”, disse Palmer, mostrando a haste quebrada de um dos pedais de bumbo. “É a quinta vez que isso acontece em toda a minha carreira, mas é pouco se levar em consideração que já são 55 anos.” Pediu cinco minutos para consertar. Levou menos tempo até a surpresa do repertório.

“Antes de a banda acabar pela primeira vez, fizemos um disco em 1978 que…” Palmer nem precisou completar, porque ele mesmo fez uma cara de mea-culpa. “Como pode uma banda de rock progressivo lançar um álbum chamado Love Beach? Parecíamos o Bee Gees na capa, mas estávamos bonitões.” Sim, Love Beach é controverso, mas Canario soou agradável ao vivo e no formato power trio tradicional, ou seja, com guitarra, baixo e bateria. Melhor, porém, foi 21st Century Schizoid Man. Muito bem recebida, a canção do King Crimson, grupo que Greg Lake integrou em seus primeiros anos, de 1968 a 1970, foi precedida pela história de como o saudoso baixista a sugeriu a Palmer e Emerson depois que o ELP se reuniu no início dos anos 90.

Em um show de progressivo a autoindulgência é convidada de honra, então os solos individuais se fizeram presentes. Bielatowicz desfilou técnica de ‘tapping’ e ‘two hands’, e ninguém segurou o riso – nem mesmo o músico – quando um gaiato aproveitou um momento de silêncio para gritar “Foda!” com vontade. A imagem do disco solo do guitarrista, Preludes & Etudes (2014), deu lugar nos telões laterais para imagens de antigos filmes de faroeste durante Hoedown, que soou muito bem no novo-velho formato escolhido por Palmer. Depois, o óbvio virou surpresa. “Esta música, escrita por Greg, é muito especial para mim. É nosso grande hit nos Estados Unidos, e acredito que tenha tocado nas rádios daqui, também.” Sim, Lucky Man, mas com Ritchie nos vocais. Sim, o Ritchie de Menina Veneno, mas também o Ritchie do Vímana, banda brasileira de rock progressivo que, em sua curta trajetória na década de 70, contou com nomes como Lulu Santos, Lobão e o ex-Yes Patrick Moraz.

Depois do solo de Fitzpatrick, mais surpresas. From the Beginning contou com a voz de Sérgio Vid (Vid & Sangue Azul), e C’est la vie, com a de Toni Platão (ex- Hojerizah), coerente ao poupar a música de seus habituais exageros ao cantar. Surpresas improvisadas, diga-se. Cada uma contou com um convidado no violão que sequer foi anunciado – se ajudar, o primeiro parecia o Almir Sater, e o segundo, o Rob Caggiano (Volbeat, ex-Anthrax). Só na aparência, claro. E de longe. Bom, de volta à programação normal: “Sei que essa música teve muita importância para bandas de rock progressivo à época, e felizmente eu estava na que a criou.” Amigo, Tarkus foi um desbunde, com várias passagens instrumentais de tirar o fôlego, coisa para renovar a esperança na boa música (dois garotos tocando com um veterano, lembra?) Não à toa foi, pela primeira vez na noite, aplaudida de pé por todos.

Uma versão matadora de Carmina Burana, de Carl Off, lembrou a todos quem era o astro principal da noite, porque Palmer fez o possível parecer impossível na bateria. “É um privilégio estar de volta ao Rio de Janeiro”, disse ele, 25 anos depois. “A próxima canção é a instrumental número 1 do ELP no Reino Unido, e se vocês aplaudirem bastante depois, talvez nós toquemos mais uma.” Pediu e foi atendido. Fanfare for the Common Man ganhou um bem-vindo peso extra e trouxe a reboque o aguardado solo de bateria. Veja bem: Carl Palmer é um dos cinco bateristas em atividade que têm habeas corpus para fazer solo de bateria. E foi justamente aplaudido de pé por ser criativo e mais musical (e malabarista, claro) do que um simples espancador de peles e pratos.

O bis? O trio nem precisou sair do palco – na verdade, as definições de TOC foram atualizadas com sucesso: o bateria havia avisado que os shows no Brasl durariam uma hora e 55 minutos, e foi exatamente o que aconteceu. Nem um minuto a menos, nem um minutos a mais. E teve pedal quebrado, participações especiais… Enfim, Nutrocker, que virou um rock’n’roll de primeira acompanhado no telão por imagens de Palmer, do ELP e de manchetes de jornais e revistas, encerrou um espetáculo rico em bom gosto e execução musicais. De dar orgulho a quem gosta e se preocupa com isso. Claro, tem quem ironize, mas não se preocupe. Quem faz isso provavelmente está procurando um amor que ouça Los Hermanos, A Banda Mais Bonita da Cidade, O Teatro Mágico, Clarice Falcão, Mallu Magalhães e outras cruzes muito pesadas para carregar.

Set list
1. Abaddon’s Bolero (de Trilogy, 1971)
2. Karn Evil 9: 1st Impression, Part 2 (de Brain Salad Surgery, 1973)
3. Tank (de Emerson, Lake & Palmer, 1970)
4. Knife-Edge (de Emerson, Lake & Palmer, 1970)
5. Trilogy (de Trilogy, 1971)
6. Canario (de Love Beach, 1978)
7. 21st Century Schizoid Man
8. Guitar Solo
9. Hoedown (de Trilogy, 1971)
10. Lucky Man (de Emerson, Lake & Palmer, 1970)
11. Bass Solo
12. From the Beginning (de Trilogy, 1971)
13. C’est la vie (de Works Volume 1, 1977)
14. Tarkus (de Tarkus, 1971)
15. Carmina Burana
16. Fanfare for the Common Man/Drum Solo (de Works Volume 1, 1977)
17. Nutrocker (de Pictures at an Exhibition, 1971)

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Ozzy Osbourne

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Razão e coração. Impossível o segundo não falar mais alto que o primeiro ao analisar a despedida carioca de Ozzy Osbourne numa Jeunesse Arena tomada por dez mil pessoas, afinal, é mais uma ficha que cai. O Madman, que completa 70 anos em dezembro, vai apenas parar com as longas turnês, então não podemos esperar uma Retirement Sucks 2 depois desta No More Tours 2 – o primeiro adeus, em 1992, basicamente foi motivado pela esclerose múltipla. Um diagnóstico errado, porque o vocalista tem Síndrome de Parkin, raro problema genético cujos sintomas são parecidos com os da Doença de Parkinson, porém mais leves.

O problema agora é o mesmo que outros artistas enfrentam: o tempo. Perdemos Ronnie James Dio, perdemos Lemmy Kilmister. O Black Sabbath já fez o seu canto dos cisnes, o Slayer entrou em modo ‘game over’, o KISS, queiram ou não, está mesmo à beira do fim da estrada… Ah, sim: Judas Priest e Scorpions ficaram apenas na ameaça, mas quantos anos mais para cada um deles? Há um sem-número de artistas nos acréscimos do segundo tempo ou já disputando a prorrogação, e os próximos cinco a dez anos serão marcados pelas despedidas dos grandes responsáveis por toda uma formação musical. A melhor das graduações, diga-se.

Entendeu por que é impossível ser 100% racional? Ozzy deve fazer um show aqui e outro ali ao término de uma turnê programada até o fim de 2019, mas é melhor nos acostumarmos definitivamente a matar a saudade com CDs e, principalmente, DVDs. Isso porque já estamos todos acostumados com o set list que o Madman apresenta, e nem é preciso dar aquela pesquisada na internet antes do show. Depois de um vídeo bacana com imagens da carreira do Madman, sabíamos que Carmina Burana, de Carl Off, abriria os serviços. E daí? Não importa quantas vezes você tenha presenciado isso ao vivo, porque a ovação a Ozzy, assim que ele coloca o pé no palco, é de reverência. Foi sempre assim, mas agora com um tom de emoção como nunca antes.

“Let the madness begin!” Foi novamente assim que Ozzy anunciou Bark at the Moon, a primeira do repertório, e quando ele pediu “everybody howl!”, todo mundo virou lobisomem e uivou para acompanhar o ídolo. O set list é o de sempre, né? Meu amigo, o cara pode abrir um show com Bark at the Moon e mandar Mr. Crowley em seguida. É muita pressão. E são dois clássicos com quatro dos solos de guitarra – dois em cada música – mais espetaculares da história do heavy metal. Obrigado, Randy Rhoads. Obrigado, Jake E. Lee. Para completar o pódio, I Don’t Know obviamente ganhou o coro do público em seu refrão simples e absurdamente funcional.

Passados os primeiros minutos de êxtase, Fairies Wear Boots, a primeira do Black Sabbath na noite, serviu para observações – curiosamente, a ex-banda de Ozzy só foi lembrada com canções de Paranoid (1970). Palco caprichado, com um telão que ocupava todo o fundo e uma enorme cruz que não era meramente decorativa. Fazia parte, digamos assim, da iluminação do espetáculo. E que iluminação! Principalmente no jogo de lasers verde e vermelho que causava um belíssimo efeito quando usado. E tinha Ozzy em melhor forma do que quando esteve aqui em 2016, na derradeira turnê do Sabbath. Claro, há muito ele não dá aqueles saltos, e mesmo o balde d’água só se fez presente uma vez. O teleprompter é usado com mais frequência do que antes, e as escorregadas vocais (e nas letras, vez ou outra) continuam lá. Virou charme, mas a alegria “let’s go fucking crazy” não se perde. É a mesma alegria quase infantil que o Príncipe das Trevas demonstra ao ouvir os fãs cantarem “Olê! Olê! Olê! Ozzy! Ozzy”. Momentos para colocar um sorriso no rosto de qualquer um.

Ozzy OsbourneZakk WyldeOzzy OsbourneBlaskoOzzy OsbourneTommy ClufetosOzzy OsbourneAdam WakemanOzzy OsbourneZakk WyldeOzzy OsbourneBlaskoOzzy OsbourneTommy ClufetosOzzy OsbourneAdam WakemanOzzy OsbourneZakk WyldeBlaskoZakk WyldeAdam WakemanZakk WyldeTommy ClufetosZakk WyldeBlasko e Tommy ClufetosZakk WyldeOzzy OsbourneZakk Wylde

Mais do que isso, é contagiante, mesmo que em alguns momentos do show ele tenha feito um esforço extra diante da apatia de parte do público. Como na hora de apresentar a banda, cuja estrela é Zakk Wylde. O guitarrista não precisou de muito para ser aplaudido efusivamente, mas os companheiros – Blasko (baixo), Tommy Clufetos (bateria) e Adam Wakeman (teclados e guitarra base) necessitaram de um empurrãozinho. “Esse cara é um Wakeman, porra!”, disse Ozzy, em tom de repreensão, ao pedir mais aplausos para o músico. Havia uma parcela do público que não tinha ideia de quem é o pai do rapaz, muito menos da ligação do sobrenome com a história do Sabbath, afinal, sempre vai ter quem ouça War Pigs e diga que é um cover do Faith No More. De qualquer maneira, apesar dos momentos “I can’t fucking hear you”, o Madman nunca deixou de “I love you all”.

Antes de War Pigs, no entanto, as estruturas foram balançadas com Suicide Solution e No More Tears, duas joias que, a rigor, foram um show à parte de Wylde – também teve a baladinha Road to Nowhere para dar uma acalmada nos ânimos. Foi o barulho que precedeu o esporro, porque o clássico do Sabbath foi não apenas um momento de catarse. Foi a extensão dos solos massacrantes do guitarrista, que – assim como fez com o Zakk Sabbath, em novembro do ano passado – desceu para o pit (onde deveriam ter ficado os fotógrafos, vetados pela produção da banda) e largou os dedos sem dó nem piedade. Largou os dedos e também os dentes, tocou com a guitarra nas costas e apresentou um medley matador com trechos de Miracle Man, Crazy Babies, Desire e Perry Mason, canções que bem poderiam estar inteiras no repertório – ao menos a primeira e a última, que estão entre as melhores da carreira solo de Ozzy, e para as quais Wylde escreveu solos antológicos.

Depois de Clufetos espancar a bateria com os holofotes voltados somente para ele, Ozzy retornou ao palco para Shot in the Dark, que voltou ao set na turnê de Scream (2010), ainda com Gus G., e felizmente não saiu mais. Mas o lado hard rock do Madman – do injustiçado The Ultimate Sin (1986), mais precisamente – parece ter ficado apagado em algum canto da memória do público. Uma pena, porque a música é tão alto nível quando o disco. Mas para o fã que estava próximo de mim e gritou “Jake E. Lee!” ao ouvir as primeiras notas, meus parabéns. Parabéns também a todos que cantaram I Don’t Want to Change the World, incluindo o “Uh!” logo depois do riff no início, porque se esgoelar em Crazy Train é fácil.

OK, é complicado competir com os clássicos, mas Mama, I’m Coming Home fez melhor antes de Paranoid, que encerrou a noite como (quase) todos esperavam. Houve quem achasse que não era o fim da festa, mas foi o desfecho de 90 minutos de emoção, para o coração calar a razão e achar legal até a rodinha Nutella aberta na pista. Pouco importa se as músicas do Black Sabbath poderiam ter dado lugar a material próprio. Ou que o set list tenha sido o mesmo das duas últimas turnês no Brasil (em 2011 e 2015), praticamente à exceção de canções pós-1991, ano de No More Tears. No centro do palco, no comando de tudo, estava John Michael “Ozzy” Osbourne, um dos quatro rapazes que há 50 anos deram os primeiros passos para criar o estilo que despertou nossa paixão pela música. Ozzy foi um dos arquitetos do caminho que me levou a escrever estas linhas. Ozzy foi um dos responsáveis por despertar em você o interesse em lê-las. E isso não tem preço.

Observação: assim como na turnê do Black Sabbath em 2016, a produção do Ozzy Osbourne vetou credenciamento a todos os fotógrafos – veja bem: não foi a produtora que trouxe Ozzy ao Brasil, e muito menos é o vocalista quem decide isso. Foram liberadas quatro fotos para a imprensa depois do show de São Paulo, o que não aconteceu ao fim das apresentações em Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Na verdade, as imagens disponibilizadas são de um show no Markham Park, em Sunrise, Flórida (EUA), no dia 29 de abril. Em respeito ao leitor, as fotos que ilustram esta resenha são, de fato, da apresentação no Rio de Janeiro. Feitas na raça, no meio do público, e parte do arquivo pessoal do autor das imagens.

Set list
1. Bark at the Moon
2. Mr. Crowley
3. I Don’t Know
4. Fairies Wear Boots
5. Suicide Solution
6. No More Tears
7. Road to Nowhere
8. War Pigs
9. Medley instrumental: Miracle Man/Crazy Babies/Desire/Perry Mason
10. Tommy Clufetos Drum Solo
11. Shot in the Dark
12. I Don’t Want to Change the World
13. Crazy Train
Bis
14. Mama, I’m Coming Home
15. Paranoid

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Glenn Hughes

Por Daniel Dutra | Fotos: Luciana Pires

Glenn Hughes resolveu cair na estrada para contar a sua história no Deep Purple. Para isso, buscou recriar da melhor maneira possível toda aquela atmosfera dos anos 70. Ele voltou a colocar um tecladista no palco, o dinamarquês Jay Boe, e no aparato do cara é obrigatório ter o Hammond que Jon Lord tocava como ninguém. Também buscou um batera que tivesse a pegada ideal, e o chileno Fer Escobedo, de 25 anos, não apenas tomou o lugar de Pontus Engborg na banda. O garoto usa uma bateria vintage para replicar o som de Ian Paice. Para completar, o sueco Søren Andersen, cuja parceria de dez anos com Hughes sofreu uma única pausa em 2015, quando Doug Aldrich assumiu as seis cordas, se veste como Ritchie Blackmore e tem como companheira quase inseparável uma Fender Stratocaster preta e branca.

No repertório, um mergulho nos álbuns Burn (1974), Stormbringer (1974) e Come Taste the Band (1975). O que poderia dar errado? Bom, o problema é a expectativa causada por tudo isso, e a noite de domingo com o baixista e vocalista no Circo Voador provou como a música pode ser bipolar. Sim, o show foi magistral. Sim, o show foi cansativo. Foram 11 músicas executadas em uma hora e 40 minutos de uma apresentação que teve momentos de euforia e depressão convivendo lado a lado. No início, êxtase. Stormbringer começou incendiando a lona famosa, e Might Just Take Your Life foi de arrancar lágrimas. Como se fosse um sonho realizado ouvir aquela introdução de Hammond e uma banda tinindo para dar apoio a Hughes.

“Vocês estão na minha alma e no meu coração, e não foram vocês que vieram ver o Glenn Hughes. Foi o Glenn Hughes quem veio ver vocês”, disse o baixista e vocalista, emocionado e falando na terceira pessoa depois da primeira ovação da noite. Sail Away e seu groove irresistível vieram na sequência, mas não foi nenhuma surpresa para quem pode ver a dobradinha Hughes & Aldrich em 2015. Ainda assim, tão bem-vinda que um Circo Voador bem cheio não se furtou a gritar o nome do anfitrião. “Eu amo vocês, mas o correto é Rio! Rio! Rio!, porque o Rio de Janeiro é uma das maiores ‘rock cities’ do mundo, senão a maior ‘rock city’ do mundo”, respondeu ele, exagerando na rasgação de seda e recebendo mais aplausos. “Estou aqui para cantar para cada um de vocês, irmãos e irmãs, e o amor é a resposta.”

Sim, Hughes estava lá para cantar, e Mistreated foi uma daquelas amostras de cair o queixo. Aos 65 anos, é inacreditável o que esse cara canta. Coisa do outro mundo, inclusive quando sai da sua zona de conforto para emular David Coverdale, dando uma aula no fim da canção ao interpretá-la com tons mais graves e rasgados. Simplesmente impressionante. Até aí era a só alegria, porém… “Vamos voltar ao California Jam”, anunciou ele, referindo-se ao antológico show da MK III do Deep Purple no festival, em 1974. E You Fool No One infelizmente acabou se perdendo numa versão tão exagerada que deixa a de Made in Europe (1976) parecendo edição para as rádios.

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Teve solo de teclado no início. Teve solo de guitarra, com Andersen mandando até trecho daquele blues de Blackmore cuja derradeira versão está em On Stage, do Rainbow, mais precisamente no medley Man on the Silver Mountain/Blues/Starstruck. E teve solo de bateria. Um solo de bateria tão longo que, por mais que Escobedo seja muito bom, foi um balde de água fria. Aliás, dava para beber uns três baldes d’água, urinar todos eles no banheiro da casa e voltar a tempo de pegar o início de This Time Around, que recolocou as coisas em seu devido lugar e foi um dos momentos mais emocionantes da noite. “Eu tinha 23 anos quando compus essa música”, lembrou Hughes antes, porque ao fim não conseguiu esconder as lágrimas.

De fato, foi tão mágico que é necessário lamentar que Owed to ‘G não tenha sido planejada para ser tocada na sequência, como em Come Taste the Band. Aí você lembra da perda de tempo que foi You Fool No One e fica ainda mais decepcionado com a enrolação instrumental em Gettin’ Tighter, apresentada em seguida. “Compus essa música com meu irmão Tommy Bolin. Ele não está fisicamente aqui, mas vive em mim”, disse Hughes. Baita canção, de fato, mas o excesso instrumental poderia ter dado espaço a Lady Double Dealer ou Lady Luck, por exemplo. Inclusive, Smoke on the Water, cujo histórico riff foi alvo de uma, digamos, brincadeira de Andersen no início, poderia ter dado lugar a uma delas. Fica a dica.

Teoricamente, lá estávamos para ouvir clássicos das MK III e IV. No entanto, não dá para brigar com os fatos. Smoke on the Water terminou com um sonoro “Olê! Olê! Olê! Glenn Hughes! Glenn Hughes!”, que emocionou o baixista e vocalista. “Vocês são lindos demais!”, bradou, recebendo de um fã um cartaz com os dizeres ‘You are the holy man’ – anote-se: Holy Man foi limada do set list. Depois de um breve papo sobre espiritualidade e felicidade, veio a “canção que compus com David Coverdale”, e os fãs foram brindados por uma versão arrasadora de You Keep on Moving.

OK, eu já havia visto o set list, então sabia que Highway Star abriria o bis. Independentemente de ser mais uma desnecessária apelação – é um clássico da MK II, com Ian Gillan, catzo! –, causou a esperada histeria. E vá lá que foi interessante ver Hughes atuando como frontman, já que Jimmy, seu roadie, assumiu o baixo durante toda a música, ficando timidamente entre o teclado e a bateria. Interessante, mas ainda assim desnecessário. Sabe por quê? Burn é a resposta. Empunhando um Rickenbacker, Hughes abalou as estruturas do Circo Voador com a sua Highway Star. Ou a sua Smoke on the Water, tanto faz. E um show que começou a toda terminou a toda, com o clímax na imagem do abraço coletivo – sim, de toda a banda – em Hughes. “Olê! Olê! Olê! Glenn Hughes! Glenn Hughes!”, entoavam os fãs. No fim das contas, extasiados.

Set list
1. Stormbringer
2. Might Just Take Your Life
3. Sail Away
4. Mistreated
5. You Fool No One
6. This Time Around
7. Gettin’ Tighter
8. Smoke on the Water / Georgia on My Mind
9. You Keep on Moving
Bis
10. Highway Star
11. Burn

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Pain of Salvation

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

A gripe que derrubou Daniel Gildenlöw, no fim de janeiro, apenas adiou o inevitável. A quinta passagem do Pain of Salvation deveria ter rolado no início de fevereiro, mas esperar quase três meses não foi problema, afinal, o quinteto sueco não decepciona nunca. Mas antes de a atração principal subir no palco para mostrar os porquês, coube ao Reckoning Hour aquecer quem já estava no Teatro Rival e quem chegava a casa de shows, e aí residiu o único problema da noite: a banda carioca apresentou seu set para pouca gente, e o público total foi decepcionante. Principalmente levando-se em consideração que o Pain of Salvation encheu o mesmo local nas duas visitas anteriores, em 2012 e 2015.

É possível apontar uma série de fatores, da crise econômica à devolução de ingressos em virtude da remarcação da apresentação, mas a verdade é que o público carioca vem minguando em quantidade nos últimos dois ou três anos, e várias produtoras já não colocam a cidade como rota obrigatória. “Como assim o Sons of Apollo não vai tocar no Rio de Janeiro?”, você deve ter escutado ou lido em algum lugar antes de o supergrupo montado por Mike Portnoy aportar no país para três shows (em Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte). Não chega a ser o caso do Living Colour, que só vai tocar na capital paulista porque, basicamente, o produtor argentino que o trouxe para a América do Sul cresce o olho na hora de repassar datas. De qualquer maneira, o panorama precisa melhorar antes que heavy metal ao vivo no Rio vire sinônimo de assistir a show em DVD.

No palco, JP (vocal), Philip Leander e Lucas Brum (guitarras), Cavi Montenegro (baixo) e Johnny Kings (bateria) fizeram bem o dever de casa. O death metal melódico – e moderno – do grupo não traz nada de novo, e você pode até dizer que é genérico, mas não pode negar que é bem feito. Até porque o Reckoning Hour tem em JP um trunfo: o cara é três em um, porque adiciona vocais gritados na mistura de partes limpas e guturais (nas quais se sai muito melhor, diga-se). Para quem gosta, um prato cheio. Para quem não gosta, respeito. Exatamente o que aconteceu, porque o estilo é completamente diferente do praticado pelo Pain of Salvation, e não machuca dizer que as pessoas foram para ver a turma liderada por Gildenlöw – Johan Hallgren (guitarra), Gustaf Hielm (baixo), Daniel Karlsson (teclados) e Léo Margarit (bateria) acompanham o vocalista e guitarrista.

Os cinco entraram no palco mandando logo uma trinca do disco mais recente, a obra-prima In the Passing Light of Day (2017), e a receita de peso (bota mais peso ao vivo, aliás), melodias impecáveis e complexidade instrumental foi um soco na boca do estômago. Full Throttle Tribe só não levou os fãs à lona porque estes se dividiam em cantar e ficar com um semblante de “como é que esses caras conseguem fazer isso ao vivo?”. A magistral Reasons, então, é um caso a ser estudado. Seu impacto ao vivo foi inacreditável, coisa de deixar qualquer um atônito, e talvez seja por isso que a belíssima Meaningless (cara, que refrão lindo de doer!) tenha sido colocada na sequência. Emocionante, apesar de ter sido o único momento em que os vocais de Ragnar Zolberg fizeram muita falta – de qualquer maneira, Hallgren, de volta ao posto depois de seis anos, segurou a onda muito bem.

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Contando com a interação da plateia no riff – a pedido de Gildenlöw, mas nem precisaria –, Linoleum comprovou o status de clássico recente do Pain of Salvation. Canção de altíssimo nível, mas esperada, então foi a partir daí que a banda resolveu apelar. “Vocês costumam pesquisar os set lists no Google, né? Bem, todas essas ferramentas de pesquisa estão erradas. Nossas letras também estão erradas nelas, mas essa é outra história”, brincou o líder antes dos primeiros acordes de Rope Ends, de Remedy Lane (2002). De arrepiar e, graças a passagens instrumentais de rara inspiração, de cair o queixo, mas também o ponto de partida para mostrar que o repertório seria único mesmo para quem havia assistido aos quatro shows anteriores do Pain of Salvation no Rio.

Sem a guitarra a tiracolo, Gildenlöw assumiu o papel de frontman na intimista e emocional Kingdom of Loss, de Scarsick (2007), e a casa voltou a pegar fogo com o riff e as notas de piano que introduziram Inside Out, de One Hour By the Concrete Lake (1998). Coisa de maltratar os pulmões na hora de cantar o refrão, de machucar o pescoço nas partes mais rápidas e de admiração nos momentos mais calmos – e como foi legal ver a interação de Gildenlöw e Hallgren, que foi ovacionado no momento de apresentação dos integrantes. Um sincero “seja bem-vindo de volta”.

Àquela altura, o fã já poderia se perguntar o que ainda estaria por vir, mas duvido que tenha sido exatamente isso que passou pela cabeça: “Creio que é a primeira vez que vamos tocar essa música com esta formação. Voltemos ao primeiro álbum…. das Spice Girls”, disse Gildenlöw, e mal deu tempo de rir com a piada. “O nome dela é Revival.” A reação de incredulidade foi acompanhada por um palavrão em êxtase. O Pain of Salvation estava pinçando uma canção de cada álbum, e a pérola de Entropia (1997) foi uma surpresa muito agradável. Poderia ter continuado assim, uma vez que Road Salt One (2010) e Road Salt Two (2011) foram preteridos – e Road Salt e Softly She Cries seriam outras lindezas no repertório –, mas não vamos reclamar de barriga cheia.

Obrigatória, Ashes cumpriu seu papel: devotos, os fãs cantaram como se a faixa de The Perfect Element, Part I (2000) fosse o grande hino do Pain of Salvation. E talvez seja, honestamente, porque é uma daquelas canções criadas a partir de alguma inspiração divina. Depois de revisitar o próprio catálogo, a banda voltou a In the Passing Light of Day para terminar a noite como começou. Bonita demais, Silent God funcionou como o silêncio que precede o esporro, já que On a Tuesday encerrou o set regular da mesma maneira que abre o novo CD.

Foi uma porrada depois amenizada por aquelas passagens mais calmas e progressivas com a assinatura típica do grupo. E com direito a um bônus: Margarit assumiu os vocais na ponte – ‘I lost the will, I lost the way, I haven’t lost the faith, It’s just lost in me’ – e surpreendeu com um falsete que arrancou aplausos do público e mais um dos vários sorrisos de Gildenlöw – que, não bastasse cantar uma barbaridade, é bem escorado pelos vocais (de apoio ou não) de toda a banda. Na volta para o bis, uma única música, mas uma de 15 minutos. Imagine se o Pain of Salvation resolvesse fazer a trilha sonora de Twin Peaks e o resultado ficasse à altura dos melhores momentos da série – e lembre-se que os melhores momentos da obra de David Lynch são momentos de pura genialidade. Pronto, você tem a pérola The Passing Light Day, e foi com ela que terminou mais uma noite com um dos melhores nomes do prog metal. Não somente. Com um dos grupos mais criativos surgidos no heavy metal desde os anos 90.

Set list
1. Full Throttle Tribe
2. Reasons
3. Meaningless
4. Linoleum
5. Rope Ends
6. Kingdom of Loss
7. Inside Out
8. Revival
9. Ashes
10. Silent Gold
11. On a Tuesday
Bis
12. The Passing Light of Day

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Moonspell

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce e Gustavo Maiato

Pode a expectativa por um show ser maior por causa do novo disco do que necessariamente pela própria banda? Diga-se de passagem, não é uma banda qualquer, e seria o primeiro show completo dela no Rio de Janeiro. Sim, pode. O Moonspell havia causado boa impressão no Palco Sunset do Rock in Rio em 2015, mas o festival não é um evento carioca, então a noite no Teatro Odisseia ganhou ares especiais por causa do mais recente disco do grupo português, o excelente 1755, que conta a história do terremoto que fez enorme estrago em Lisboa, principalmente, tirando a vida de milhares de pessoas no dia 1º de novembro do ano que dá nome ao álbum.

E o Moonspell não decepcionou. Ao apresentar oito das dez músicas do trabalho conceitual – considerando a nova leitura de Em Nome do Medo, originalmente gravada em Alpha Noir (2012), e Lanterna dos Afogados, cover dos Paralamas do Sucesso –, Fernando Ribeiro (vocal), Ricardo Amorim (guitarra), Aires Pereira (baixo), Pedro Paixão (teclados) e Miguel Gaspar (bateria) fizeram um daqueles shows para ficar guardado na memória. E nem é preciso ficar imaginando como poderia ter sido melhor caso o cenário de palco pudesse ser comportado num palco maior do que o do acanhado espaço na casa de shows localizada na Lapa.

Não mesmo, porque não se deve levar em consideração o pano de fundo, os apetrechos que enfeitam o posto de Paixão ou uma iluminação de primeira e jamais vista no Teatro Odisseia, acostumado a oferecer apenas um monocromático jogo de luzes vermelhas. O novo show do Moonspell vai muito além disso, afinal, Ribeiro o transforma num belo espetáculo teatral, e o início, com quatro canções de 1755, é simplesmente matador. Com uma lamparina na mão, o vocalista chamou para si todas as atenções na abertura com Em Nome do Medo, que contou com a participação ativa do público cantado cada palavra da letra. Emocionante.

A ótima faixa-título trouxe Ribeiro paramentado de médico, mas nada de sobretudo branco. A roupa escura tinha uma máscara que se destacava do chapéu e da capa, e era a máscara com bico que os profissionais da área da saúde usavam para se proteger no caso de o paciente ter alguma doença infecto-contagiosa. De fato, um trabalho do nível de 1755 merecia um tratamento visual à altura, e os fãs não ficaram atrás: deu gosto ver a plateia cantando In Tremor Dei (que música!) e Desastre. As letras em português são um facilitador, sem dúvida, mas o conteúdo, musical inclusive, tem que ser de qualidade.

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Night Eternal, do álbum de mesmo nome, lançado dez anos atrás, contou com aquela iluminação especial mencionada parágrafos acima, e Opium continuou a viagem pelo material mais antigo. “Vamos fazer uma passagem de pouco mais de 200 anos no tempo”, disse Ribeiro antes de anunciar esta e Awake!, músicas tiradas de Irreligious (1996), reforçando que aquela noite de quarta-feira era destinada a uma aula de História. Se havia alguma dúvida, Ruínas causou novo frisson na pista, e o vocalista não se conteve: “Obrigado pela gentileza! Fantástico!” Realmente, porque a recepção ao novo material foi uma agradável surpresa numa época em que um sem-número de grupos lança discos apenas para ter uma razão para sair em turnê, na qual o passado é o principal alvo.

No caso do Moonspell, mesmo a dobradinha Breathe (Until We Are No More) e Extinct, de Extinct (2015), fez bonito – a canção que dá nome ao disco teve seu refrão recebido de braços abertos e sorriso no rosto pelos fãs. Olhando para frente, o quinteto português atacou com a sensacional Evento e em seguida conseguiu fazer ainda melhor, porque Todos os Santos foi o grande momento do show – o nome faz referência à data do desastre, o feriado Dia de Todos os Santos. Não bastasse ser uma das melhores músicas de 1755, senão a melhor, contou com outra performance teatral de Ribeiro – que empunhava uma cruz com dois feixes de luz vermelha – e um lindo coro dos fãs no refrão. Foi de arrepiar.

Poderia ter acabado aí que já teria valido o ingresso, mas imagine você o que foram Vampiria e Alma Mater… Antes do primeiro clássico, Ribeiro convocou a “galera” – “Como se diz aqui no Rio de Janeiro”, lembrou – a gritar bem alto. Foi atendido. Antes do segundo clássico, ele, que já havia declarado ser o Rio “a cidade mais bonita e portuguesa do Brasil”, mostrou estar ciente dos problemas que os cariocas vêm enfrentando numa cidade que vem namorando a falência – econômica, política, social, ética e moral – e está à mercê da violência: “Diante de tudo que vocês estão enfrentando, agradeço por terem vindo nos ver.” E arrisco dizer, sem medo, que foi em respeito e gratidão a esses fãs que Ribeiro desceu ao pit e cantou Alma Mater com eles e para eles.

A bela versão de Lanterna dos Afagados, enriquecida pelo teatro de Ribeiro no palco, antecedeu o bis que começou com Everything Invaded e cresceu rumo a um encerramento apoteótico. “Com esse sinal nas mãos, ajudem o Moonspell a conclamar o nome de Mefisto”, pediu o frontman, referindo-se ao chifrinho – aquele imortalizado por Ronnie James Dio – e anunciando Mephisto. Ao fim do clássico, as palmas e os gritos vindos da plateia. “Fantástico!”, bradou o vocalista, que voltou seus elogios à “galera do Rio”: “Vocês vão no nosso coração, como um povo irmão.” E a aguardada Full Moon Madness encerrou um show que é forte candidato a um dos melhores do ano no Brasil.

Set list
1. Em Nome do Medo
2. 1755
3. In Tremor Dei
4. Desastre
5. Night Eternal
6. Opium
7. Awake!
8. Ruínas
9. Breathe (Until We Are No More)
10. Extinct
11. Evento
12. Todos os Santos
13. Vampiria
14. Alma Mater
15. Lanterna dos Afogados
Bis
16. Everything Invaded
17. Mephisto
18. Full Moon Madness

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Pestilence

Por Daniel Dutra | Fotos: Gustavo Maiato

Uma semana depois de o La Esquina ser tomado por rock’n’roll e psicodelia, o domingo na intimista casa de shows foi de metal extremo, com a primeira passagem do Pestilence por nossas bandas – nada menos que 11 shows em território brasileiro, entre 5 e 22 de abril, como parte da turnê Consuming Latin America, que também abrangeu México, Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Honduras, Colômbia, Peru, Chile e Argentina. Muito trabalho depois de o quarteto holandês ter voltado à ativa em 2016, dando fim ao segundo hiato numa carreira iniciada em 1986.

Por motivos de força maior – a velha freguesia confirmada numa decisão por pênaltis depois de um gol aos 49 minutos do segundo tempo –, perdi o set dos cariocas do Dark Tower e cheguei a tempo de ouvir apenas os acordes finais de Fathomless Dephts, última música tocada pelo Carnation, da Bélgica. Mas a verdade é uma só: quem se dirigiu à Lapa naquele fim de tarde/início de noite tinha como objetivo assistir a Patrick Mameli (guitarra e vocal) e companhia – a nova formação é completada por Calin Paraschiv (guitarra), Tilen Hudrap (baixo) e Septimiu Hărşan (bateria).

E quem compareceu não se decepcionou, uma vez que a banda entregou exatamente aquilo que dela se esperava. Na verdade, não foi apenas o death metal técnico e muito bem executado, porque rolou um show de simpatia de Mameli, único integrante da formação original – nem mesmo a postura estou-torcendo-para-que-isso-acabe-logo de Hudrap estragou. O petardo Non Physical Existent abriu os serviços como a única amostra do novo álbum, Hadeon (2018), uma vez que o grupo optou por privilegiar material dos três primeiros discos, principalmente de Testimony of the Ancients (1991), que cedeu cinco músicas – Malleus Maleficarum (1988) e Consuming Impulse (1989) compareceram com três canções cada.

“Este é um dos menores palcos que já tocamos, mas o clima aqui é muito bom. Estou adorando”, disse o guitarrista e vocalista antes de o Pestilence emendar a ótima Malleus Maleficarum/Antropomorphia, primeira faixa do primeiro trabalho, lançado 30 anos atrás. E a mistura de thrash e death com trechos mais cadenciados mexeu com a cabeça dos fãs. Literalmente. “Cuidado com o microfone, pois ele está batendo nos meus dentes enquanto canto”, pediu Mameli, educadamente. Explica-se: o palco da casa é baixo, mas baixo mesmo, e obviamente não havia grade, então o bater de cabeça de quem estava no gargarejo poderia resultar numa consulta ao dentista.

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Commandments veio a seguir e, apesar de ser um convite ao mosh pit, já contou com um ‘headbanging’ mais comportado daqueles que estavam na primeira fila. Para a alegria ainda maior de Mameli, que aproveitou para brincar: “Este é o meu look death metal especial, e não é visual para criança. É coisa de gente grande”, disse ele, arrancando gargalhadas dos presentes. E não bastasse ter um corte de cabelo peculiar, o líder do Pestilence passou todo o show bebendo Leite Ninho e tocando uma Steinberger. Só faltou usar uma camisa do Paul Stanley fase meados dos anos 80.

E se você acha que isso é uma crítica negativa, então deveria estar lá para machucar o pescoço na trinca Subordinate to the Domination (impressiona como Hărşan toca sem fazer o menor esforço), Dehydrated e Chronic Infection, esta com solos matadores tanto de Mameli quanto de Paraschiv. “Vocês são foda, mesmo”, elogiou o mestre de cerimônias, mas sem perder a piada. “Mas aqui não dá para fazer stage diving.”

The Secrecies of Horror e Twisted Truth mantiveram o bom nível da apresentação, mas foi em Land of Tears que os fãs resolveram soltar de vez a voz… Para cantar o riff de guitarra no meio da canção, que tem uma parte melódica e técnica, incluindo um belíssimo solo de Mameli, de cair o queixo. Depois da ótima Prophetic Revelations – difícil deixar de imaginar que o Pantera, naquele comecinho da década de 90, não tenha mexido com a cabeça do mentor do Pestilence –, mais um afago.

“Muito obrigado por terem vindo nos ver esta noite”, e a resposta veio com o nome da banda sendo gritado em coro, o que fez Mameli abrir um enorme sorriso. “Eu nunca havia escutado o nome desse jeito”, disse ele, mostrando ao público como estava acostumado ao cantar “Pes-ti-len-ce” de maneira mais cadenciada. Sério, o cara era uma simpatia só… Com os integrantes protocolarmente apresentados, Presence of the Dead e a sensacional Mind Reflections prepararam a casa para o desfecho que todos esperavam. “Eu sei que vocês conhecem essa”, avisou Mameli, antes de soltar um “eu também te amo, cara” para um fã que berrou a admiração por ele.

Out of the Body completou a alegria de quem esperou 32 anos para assistir ao Pestilence ao vivo. E pouco importou se foi numa casa pequena e modesta, porque público e banda não estavam nem aí. Ainda bem, porque só assim para, ao fim do show, os músicos deixarem o palco passando pelo meio do público, cumprimentando basicamente um a um dos que estendiam a mão. Para este que vos escreve, uma maneira mais do que interessante de comemorar aquele título que ninguém acreditava – e meu sincero agradecimento ao Metal Na Lata pela ajuda com as fotos que ilustram esta resenha.

Set list
1. Non Physical Existent
2. Malleus Maleficarum/Antropomorphia
3. Commandments
4. Subordinate to the Domination
5. Dehydrated
6. Chronic Infection
7. The Secrecies of Horror
8. Twisted Truth
9. Land of Tears
10. Prophetic Revelations
11. Presence of the Dead
12. Mind Reflections
13. Out of the Body

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Radio Moscow

Por Daniel Dutra | Fotos: Bruna Mastrogiovanni e Daniel Croce

A quarta turnê no Brasil e o sexto show no Rio de Janeiro, sendo o quarto na capital. Este é o currículo carioca do Radio Moscow depois de sua recente passagem, então era de se esperar que o La Esquina tivesse casa cheia naquele 1º de abril. A verdade, no entanto, é que o feriado que culminou com o Domingo de Páscoa não ajudou, e a presença do público não foi das melhores. Azar de quem não foi prestigiar o trio americano e de quebra assistir a dois novos nomes do cenário brasileiro.

E sorte deste que vos escreve o evento ter atrasado pouco mais de uma hora para começar. Por motivos de irritação futebolística aos 47 minutos do segundo tempo, cheguei à Lapa depois das 18h15, quando o Auramental deveria ter subido ao palco. Resumindo, teria perdido o baita show do quarteto carioca formado por Bauer França (baixo), Paulo Emmery e Enzo Mastrangelo (guitarras) e Vicente Barroso (bateria).

AuramentalAuramentalAuramental

“Nós somos o Auramental, e é isso aí. Vamos viajar”, anunciou Emmery antes de a banda – que até dias antes se chamava apenas Aura – começar um set arrebatador. Sem disco lançado, a única música com nome foi a que encerrou a apresentação, Aura, o single recém-laçado e que já está nas plataformas de streaming. Uma viagem, realmente, com um encerramento à la Black Sabbath vitaminado por algum alucinógeno. Mas o rock progressivo do grupo vai muito além disso, pois adiciona quando necessários groove, rock’n’roll e até mesmo fusion na linha do Dixie Dregs.

Difícil fazer uma separação, afinal, além de músicas ainda sem título, o Auramental aproveitou a noite para fazer jams que vá saber o que vão virar. Mas o resultado é coisa de gente grande. E enquanto Emmery e Mastrangelo vão além de riffs ocasionais, com um trabalho de guitarra que une camadas e texturas diferentes tocadas por cada um, França puxa o som com linhas sensacionais de baixo. É para ficar de olho e aguardar com expectativa lá em cima o primeiro disco da banda.

Com o álbum de estreia, Paisagens e Delírios, nas mãos, o Quarto Ácido teve a difícil missão de tocar logo depois de quem impressionou. E se o trio gaúcho – Pedro Paulo Rodrigues (guitarra), Vinícius Brum (baixo) e Alex Przyczynski (bateria) – acabou mesmo não conseguindo acompanhar seu antecessor no La Esquina, por outro lado cumpriu a missão de mostrar seu trabalho instrumental sem dispersar a atenção dos interessados em conhecê-lo.

Quarto ÁcidoQuarto ÁcidoQuarto Ácido

Oriundo da nova sofra brasileira de stoner, o Quarto Ácido nem mesmo soa como a maioria dos grupos do estilo. E apesar de o seu som não apresentar grandes novidades, e talvez um vocalista evitasse o sentimento de déjà vu próprio em alguns momentos, é bem-vinda a fusão com elementos mais alternativos, heavy rock e certa pegada de Rush bem dos primórdios – aquele ainda com John Rutsey, ou seja, sem o lado mais virtuoso. Direto e objetivo, o trio mostrou qualidades em 33, que abriu o show, Delírio e, com destaque para Rodrigues, Pinot Noir e Marcha das Raposas.

Hora da atração principal, e Parker Griggs (guitarra e vocal), Anthony Meier (baixo) e Paul Marrone (bateria) deram ponto final ao feriado com um show relativamente curto, porém matador. A pegada do Radio Moscow ao vivo é simplesmente absurda, e o rolo compressor começou a passar logo de cara com New Beginning, a (quase) faixa-título do novo álbum – curiosamente, o set acabou privilegiando três dos cinco discos do trio: além do mais recente, lançado em 2017, Brain Cycles (2009) e Magical Dirt (2014) foram os contemplados.

Radio MoscowRadio MoscowRadio MoscowRadio MoscowRadio MoscowRadio MoscowRadio MoscowRadio MoscowRadio MoscowRadio Moscow

Death of a Queen veio a seguir para mostrar o que acontece quando baixa o santo de Jimi Hendrix em Griggs, que fez justiça ao maior de todos os guitarristas no riff e em solos cheios de feeling. Aliás, foi isso mesmo que o líder do Radio Moscow continuou fazendo em These Days e Broke Down, tocadas na sequência, em performances de tirar o fôlego. O mesmo vale para a insana parte instrumental com solos cheios de pressão no meio de Rancho Tehama Airport, que realmente remete a Chinatown, do Thin Lizzy. E isso é positivo, convenhamos.

Mas não era apenas Griggs que roubava a cena, e talvez seja por isso que Meier se concentre em segurar a onda com seu Rickenbacker, porque Marrone toca como se estivesse possuído. Na dobradinha 250 Miles e Brain Cycles, que viraram uma só peça, o batera mereceu todos os holofotes. E ao lado de Griggs, comandou a levada das excelentes Deceiver e Before it Burns, cujo bônus são os riffs carregados de wah-wah. E foi com slide em mãos que o guitarrista mandou o hard blues City Lights, aperitivo para a cacetada Pacing.

E a coisa quase degringolou depois disso. O amplificador de baixo deu pau duas vezes, interrompendo a execução de The Escape, o que fez o trio decidir pular No Time – curiosamente, a única canção do set oriunda de The Great Escape of Leslie Magnafuzz (2011) – e ir direto para a última da noite, a espetacular Dreams, na qual Griggs teve motivo para extravasar em mais uma dose de solos arrepiantes, escorado por uma cozinha irrequieta. A despeito dos problemas técnicos no fim – porque o som no modestíssimo La Esquina estava bom, diga-se –, o Radio Moscow deu uma bela aula de rock’n’roll com as melhores referências dos anos 60 e 70.

Set list Radio Moscow
1. New Beginning
2. Death of a Queen
3. These Days
4. Broke Down
5. Rancho Tehama Airport
6. 250 Miles / Brain Cycles
7. Deceiver
8. Before it Burns
9. City Lights
10. Pacing
11. The Escape
12. No Time (não tocaram)
13. Dreams

Set list Quarto Ácido
1. 33
2. Manhã Sépia
3. Delírio
4. Serena Inquietude
5. Pinot Noir
6. Euphrates
7. Psychodelic Pilger
8. Marcha das Raposas
9. Feeling Dead

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Radio Moscow

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

A quarta passagem do Radio Moscow pelo Brasil é um convite a todos que curtem o bom e velho rock’n’roll. Serão cinco shows – dias 27 (Palmas), 28 (Florianópolis), 29 (São Paulo) e 31 de março (Aldeia Velha) e dia 1º de abril (Rio de Janeiro) – para Parker Griggs (guitarra e vocal), Anthony Meier (baixo) e Paul Marrone (bateria) mostrarem a força do quinto disco, o ótimo New Beginnings (2017), e confirmar que a bandeira do estilo está mesmo em boas mãos. Formado em 2003, o power trio americano é um dos principais representantes de uma geração que nada contra a maré ao abraçar as raízes fincadas nos anos 60 e 70, mas sem soar datada. O grupo traz para os dias de hoje um passado revigorado, e não faltam improvisos, longos solos de guitarra, feeling e talento em cima do palco. Prepare-se para alta doses ao vivo de música boa e visceral, e aumente o volume – porque vale a pena conferir também Radio Moscow (2007), Brain Cycles (2009), The Great Escape of Leslie Magnafuzz (2011) e Magical Dirt (2014) – enquanto devora as palavras do líder Griggs, que respondeu já em solo brasileiro às perguntas que enviamos para ele.

Creio que vocês já estejam bem familiarizados com o público do Brasil, então talvez não haja mais aquele sentimento de novidade. Mas há algo especial nesta nova turnê pelo país?
É sempre uma nova experiência para nós, porque é mais uma oportunidade de conhecer pessoas novas e interessantes, fazer novos amigos e ouvir novas e incríveis bandas brasileiras. Estamos muito empolgados com o festival na floresta que muitos de nossos amigos brasileiros têm falando tanto (N.R.: o Aldeia Rock Festival, em Aldeia Velha, no estado do Rio de Janeiro). Aliás, é uma felicidade saber que alguns dos grupos com os quais dividimos o palco em turnês passadas também estarão no festival, como Quarto Astral e The Mountain Session, por exemplo.

Perguntei porque a novidade está na apresentação em Palmas, no Tocantins. Não é um lugar muito comum para shows de rock, diga-se. Você está ciente disso?
Ouvi dizer que faremos o primeiro show internacional de rock na cidade de Palmas, e isso é absolutamente incrível! Falaram para mim que os promotores locais realmente se esforçaram para que isso acontecesse, então espero que mais bandas comecem a tocar por lá depois de nós. É sempre bom saber que há uma nova cena em ascensão e que, a despeito das dificuldades, um público mais jovem está se conectado à música que fazemos e ao rock’n’roll em geral.

Dito isso, quais são suas lembranças das experiências anteriores (N.R.: o Radio Moscow fez turnês no Brasil em 2014, duas vezes, e 2016).
As lembranças são sempre as mais doces, porque aqui as pessoas são muito amáveis e nos tratam bem demais. É difícil expressar todos os sentimentos em poucas palavras, mas eu diria que estamos sinceramente agradecidos por todo o amor e energia positiva que recebemos daqueles que encontramos nos shows, incluindo as bandas com as quais tocamos e fazemos jams.


New Beginnings é o primeiro disco do Radio Moscow pela Century Media, então o que mais mudou para a banda desde que assinou com o selo?
Nós já excursionamos na América do Norte e na Europa para promover o novo álbum, mas depois desta viagem pela América do Sul (N.R.: o trio passa também por Argentina, Uruguai e Chile) voltaremos à Europa para mais festivais e outros shows como atração principal, então ainda estamos tentando entender essa mudança como um todo. No entanto, o simples fato de termos assinado com uma gravadora maior tem sido encarado por muitos como uma mudança no jogo, e isso tem mesmo ajudado na divulgação da banda e do New Beginnings. E também foi bom porque a Abraxas, nosso agente aqui, funciona como gravadora e pôde fazer um acordo de licenciamento com a Century Media para lançar e distribuir nossos discos na América do Sul. Curiosamente, no passado isso não era possível por causa da política de nossa antiga gravadora (N.R.: Alive Records). De fato, acreditamos que as coisas estão mudando para melhor.

Imagino que o nome do novo álbum está relacionado a essa nova fase…
Sim, definitivamente! É o segundo trabalho com a atual formação, e Paul, Anthony e eu sentimos que estamos crescendo e ficando cada vez mais conectados musicalmente à medida que o tempo vai passando (N.R.: Marrone, que havia passado pela banda em 2010, entrou definitivamente em 2012, e Meier, em 2013). Eles estão contribuindo mais no processo de composição, e o fato de escutarmos os mesmos discos em nossas casas torna mais fácil para todos nós fazer jams, criar, gravar e tocar.

É natural que as pessoas relacionem o Radio Moscow a você, mas devo dizer que as baquetas finalmente encontrarem seu dono em Paul Marrone. A química está mesmo muito boa atualmente, não?
E está ficando melhor a cada dia! Paul é um amigo de longa data, e sou fã dele como músico. Ele toca baixo no Alpine Fuzz Society, banda que tenho com Mario Rubalcaba, baterista do Off! e do Earthless, então estamos constantemente fazendo jams e conversando sobre música. Quando vi pela primeira vez o Anthony tocando, tive certeza de que se encaixaria perfeitamente no Radio Moscow. E ele mostrou ser muito profissional logo nas primeiras jams e nos primeiros shows, mostrou estar interessado em tocar quantas músicas do Radio Moscow fossem possíveis ao mesmo tempo em que adicionou um toque pessoal nas linhas de baixo e nos riffs. Paul e Anthony já fizeram parte ou ainda tocam em alguns grupos de progressivo psicodélico na região de San Diego, como Astra, Sacri Monti e Birth, então eles são definitivamente pessoas com as quais você deve formar uma banda. Sou um felizardo por ter essas caras ao meu lado nos últimos cinco anos ou mais.

Minha primeira impressão ao ouvir New Beginnings foi que você optou por uma abordagem mais forte nos vocais, que estão mais rasgados, como se você tivesse tomado uma garrafa de uísque antes das gravações. Foi intencional?
(rindo) Talvez, porque você pode incluir muitos cigarros aí (risos). Mas estou tentando largar gradualmente os dois (risos). Nós também tentamos criar uma atmosfera mais sombria e obscura no novo álbum, certamente uma abordagem mais pesada em nossa música, e provavelmente isso é um reflexo desses tempos sombrios que estamos vivendo.

As guitarras são outro ponto alto do disco, com vários riffs e solos lancinantes e cheios de feeling. O trabalho ficou ainda melhor que o de Magical Dirt, e canções como Driftin’ e Last to Know são grandes exemplos disso.
Muito obrigado, cara! Bem, eu não sei como chego a isso, porque não realmente não faço mais nada o dia inteiro a não ser tocar guitarra, então encaro o que você falou como um elogio, mesmo. Sim, com certeza essas músicas são algumas das que têm um trabalho de guitarra muito mais intenso. E acredito que nosso talento para compor também melhorou bastante.


E creio que a principal inspiração para No One Knows Where They’ve Been foi Jimi Hendrix, não?
Sim, porque Hendrix é sempre uma influência. Neste caso, a música foi originalmente composta por Paul e gravada pelo Cosmic Wheels, sua outra banda. Decidimos fazer uma versão dela para New Beginnings, e pelo visto posso dizer que funcionou muito bem.

Ainda sobre o novo álbum, preciso citar as minhas duas favoritas. Pick Up the Pieces soa como se tivesse sido composta ao vivo e com a banda em cima do palco, enquanto Dreams deve ficar ainda melhor nos shows, com aqueles solos ganhando continuação numa jam.
Nós adoramos fazem jams. O fato de não haver regras a serem seguidas durante um improviso nos leva a diferentes direções dentro de um mesmo tema musical, assim exploramos nossos limites criativos e algumas vezes até mesmo os ultrapassamos. Ao adicionar uma jam a uma música construída de maneira regular, você enriquece essa música. Gostamos de riffs fortes e pesados, de versos e refrãos pegajosos, mas também gostamos de criar esses interlúdios com jams nas quais o ouvinte ficará imerso nas texturas musicais mágicas que tentamos elaborar. Quanto mais rápido o ouvinte mergulhar nessa jam que é uma viagem psicodélica, mais rápido ele volta à realidade com um soco dado por nossos pesados riffs e pelo andamento da canção, que segue em frente!

Esta é uma pergunta que tenho feito a alguns músicos: os últimos anos têm apresentado um sem-número de bandas inspiradas naquelas que começaram tudo. Algumas são mais bluesy, e outras, mais pesadas, mas o foco é o rock’n’roll clássico. Radio Moscow, Kadavar, Vintage Trouble, The Vintage Caravan, Blues Pills, Rival Sons, Inglorious e por aí vai… Como você explicaria esse, digamos, movimento?
Acredito que as pessoas cansaram daquele som superproduzido dos anos 80 e de parte dos anos 90, então elas começaram a criar e a tocar música mais orgânica, analógica mesmo, inspirada em seus ídolos das décadas de 60 e 70. E foi graças à internet que, de repente, vários grupos underground oriundos dessa época de ouro do rock’n’roll começaram a ganhar visibilidade, assim nós fomos cavar mais e mais fundo para descobrir muitas joias que estavam enterradas. E as compartilhamos com os amigos. Assim surgiu essa nova geração, da qual nós e todas essas bandas que você mencionou fazemos parte. Isso aconteceu em vários países, incluindo o Brasil, porque vocês possuem uma cena de rock retrô muito rica. A luz acendeu sob nossas cabeças, então pensamos: ‘Podemos fazer parte da história do rock’n’roll, podemos continuar trilhando aquele caminho que foi esquecido no fim da década de 70.’ O que quero dizer é que continuamos escrevendo a história, porque não é apenas venerar o que foi feito nos anos 60 e 70. Temos nossas influências e referências, mas estamos sempre olhando para o futuro.

E a natureza está seguindo o seu curso de diversas maneiras. Motörhead, Black Sabbath e Rush se foram, o Slayer está se despedindo… Em mais cinco ou dez anos, as bandas que crescemos ouvindo não estarão mais na ativa. Que tipo de futuro você espera para a sua geração? É uma transição normal ou uma enorme responsabilidade?
Se é isso que precisa acontecer, então vamos deixar acontecer. Houve a época da música clássica, com Mozart, Bach e por aí vai, mas então as aulas de violino e piano foram deixadas para trás porque os garotos começaram a pedir um violão de Natal a seus pais. Aí veio a guitarra, e o rock’n’roll estabeleceu padrões completamente novos na produção e no consumo de música. Isso durou várias décadas, mas hoje um garoto com um laptop pode ser tornar a próxima estrela da música. Isso deveria fazer sentido? (risos)

“Modas vêm e vão, mas a ideia de um grupo de garotos se juntando numa garagem para tocar o tipo de música que faz os vizinhos chamar a polícia… Isso é para sempre.” A frase está no Facebook do Radio Moscow, então, por mais que a música esteja seguindo um caminho estranho, há esperança enquanto os mais jovens ainda estão descobrindo Jimi Hendrix e The Allman Brothers Band, por exemplo.
E acredito que o rock’n’roll é mesmo sobre isso, cara! É autoexpressão através da música, exatamente como fizeram Jimi Hendrix e Allman Brothers, que você mencionou. O desejo de realizar mudanças positivas é o que dá forma ao rock’n’roll, é o que deixa a sua chama viva e acesa!


Bom, eu tenho de trazer esse assunto à tona, mas fique à vontade para não responder. Nem todos sabem que dois dos integrantes originais do Blues Pills fizeram parte do Radio Moscow. Você gostaria de dar a sua versão para o que levou Zach Anderson e Cory Berry (N.R.: baixista e baterista, respectivamente) a abandonarem a banda durante um show?
Se você não se importar, eu prefiro realmente não falar sobre isso (N.R.: em 2011, Griggs e Berry foram às vias de fato durante uma apresentação, e o líder do Radio Moscow foi atingido na cabeça por uma guitarra atirada contra ele).

Para terminar, quais são seus cinco discos favoritos?
É difícil listar e até mesmo lembrar todos, mas citaria Blues from Laurel Canyon (1968), de John Mayall, e todos os álbuns do Fleetwood Mac enquanto Peter Green ainda estava na banda. Há bons discos de algumas bandas underground dos anos 60 e 70, como H.P. Lovecraft, T2, Master’s Apprentice, Jerusalem e Bull Angus, e também sou grande fã de Pappo’s Blues, da Argentina, e de Lanny Gordin, guitarrista brasileiro.

É isso, Parker, e obrigado pela entrevista.
Muito obrigado a você, cara! Espero vê-lo e também todos os fãs nos shows! Adoramos o Brasil! Cuidem-se!

Red Fang

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Stoner rock ou rock progressivo? Uma cacetada atrás da outra ou longas viagens instrumentais? Canções que preterem solos de guitarra ou o talento de um dos grandes nomes do instrumento? Foi mais ou menos isso que passou pela cabeça quando foram anunciados para o mesmo dia os shows do Red Fang e de Steve Hackett no Rio de Janeiro. Como a vida é feita de escolhas, a opção foi pela estreia do quarteto americano em solo carioca, uma vez que o músico inglês tem batido ponto com frequência na cidade.

Mas a verdade é que o Red Fang poderia ter sido um belo aperitivo para o espetáculo do ex-guitarrista do Genesis. A programação de matinê que culminou com a perda do show do Dandara, que abriu os serviços no Teatro Odisseia, faria com que fosse possível rumar ao Vivo Rio, a poucos quilômetros de distância da Lapa, para assistir a Hackett e sua banda. Quem manda não fazer as contas?

Penitência registrada, o fato é que Bryan Giles (guitarra e vocal), Aaron Beam (baixo e vocal), David Sullivan (guitarra) e John Sherman (bateria) serviram um ótimo prato principal naquela noite de sexta-feira. É só lembrar de Blood Like Cream, que abriu o show, para ficar tudo bem, porque foi o início de sinfonia de cabeças e pés batendo ao ritmo de uma música cujo refrão é absolutamente irresistível. E que ficou melhor ainda ao vivo, com a participação do público que compareceu em bom número à acanhada e tradicional casa.

O peso de Malverde deu sequência a uma pressão que logo mostrou qual é o seu alicerce: riffs de guitarra. Crows in Swine e No Air foram a união do melhor desses dois mundos – peso e riffs, incluindo o de baixo da segunda –, e no meio delas ainda teve o acento mais pop de Not for You, comprovando o acerto na divisão dos vocais de Beam, mais limpo e palatável, e Giles, mais agressivo e heavy metal. E o resultado da união das duas vozes pode ser sentido em canções como Into the Eye, que veio a seguir com seu refrão hipnótico.

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E tome porrada! E uma bem dada com a dobradinha Antidote, pesada como deve ser um filho do Black Sabbath, e Wires, que transformou o Odisseia num pula-pula – principalmente a parte da frente da pista, onde se concentraram aqueles que eram realmente fãs de carteirinha do Red Fang. “Vamos tocar a próxima especialmente para vocês. Não sei se querem ouvi-la, mas acredito que sim. Mas preciso beber um gole de cerveja antes”, disse Beam, confirmando a predileção do grupo por suco de cevada. Bom, era a vez de Sharks, e quem não queria mais rock’n’roll? Sim, todos queriam.

A levada contagiante de Cut it Short, que provocou novos momentos de êxtase na turma do gargarejo, abriu espaço para a arrastada e pesada The Smell of the Sound, que colocou o trem de volta aos trilhos ao acelerar no fim. E veio a trinca que encerrou o set regular… Alguém anotou a placa? Dirt Wizard preparou o terreno com um riff espetacular, a rápida Flies mereceu a roda aberta pelo público, e Prehistoric Dog simplesmente deixou os fãs ensandecidos.

Teve mais roda, teve mais pula-pula, e poderia ter acabado aí que todos voltariam felizes da vida para casa. Mas o quarteto retornou ao palco para um bis que, apesar de não estar no set list, vem se mostrando protocolar na atual a turnê – o Red Fang ainda promove seu quarto álbum, Only Ghosts, lançado em 2016. Bom, protocolar porque todo mundo já esperava a festa continuar, e os últimos momentos de uma hora e 15 minutos de celebração rock’n’roll foram com Hank is Dead, animada, e Throw Up, arrastada e pesada. Animação e peso, exatamente os elementos que marcaram a bela estreia do quarteto de Oregon no Rio de Janeiro.

Set list
1. Blood Like Cream
2. Malverde
3. Crows in Swine
4. Not for You
5. No Air
6. Into the Eye
7. Antidote
8. Wires
9. Sharks
10. Cut it Short
11. The Smell of the Sound
12. Dirt Wizard
13. Flies
14. Prehistoric Dog
Bis
15. Hank is Dead
16. Throw Up

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.