Gary Moore está de volta!

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Sabe aquele disco que não traz nada de novo e mesmo assim nos deixa absolutamente satisfeitos logo ao fim da primeira audição? É justamente o que acontece com Scars, nova obra de Gary Moore. Como o tempo voa, só agora percebemos que o guitarrista levou 13 anos para voltar ao bom e velho rock’n’roll. No início da década, Moore se rendeu ao blues e, apesar da crítica dos mais puristas, esteve longe de fazer feio. Independentemente da acusação de comercializar o som – ora bolas, vejam só! –, ele lançou ótimos trabalhos, como Still Got the Blues (1990) e o ao vivo Blues Alive (1993), este com as participações de Albert King, B.B. King e Albert Collins.

A coisa começou a ficar ruim com Dark Days in Paradise, de 1997, trabalho repleto de um pop rock insosso. O tiro saiu pela culatra dois anos depois, com o horroroso e autoexplicativo A Different Beat. Moore acabou se rendendo ao som eletrônico, seguindo uma tendência iniciada por Jeff Beck no mesmo ano, com o álbum Who Else!, e que atingiu Joe Satriani e Steve Vai, estes com melhores resultados. O lançamento de Back to the Blues em 2001 era um indício de que as coisas entrariam nos eixos.

Sem apelar para mais uma coletânea – foram três de 1994 para cá –, Moore se juntou ao baixista Cass Lewis (ex-Skunk Anansie) e ao baterista Darrin Mooney (Primal Scream). Atendendo pelo nome de Scars, o power trio lança seu primeiro disco, homônimo, e traz o guitarrista com um som mais pesado do que nunca. Se o álbum não é nenhuma novidade – e onde está a novidade no rock? –, por outro lado não esconde duas grandes influências: Jimi Hendrix e Stevie Ray Vaughan.

As referências são tantas que é impossível não imaginar que o disco é, no fundo, uma homenagem. Da sonoridade da guitarra aos riffs e solos, passando pelas melodias, quase todo o trabalho aponta para Hendrix, o maior guitarrista da história da música, e Vaughan, o melhor, perdoem-me os xiitas, de todos os que já comandaram as seis cordas no blues. Abrindo o álbum, When the Sun Goes Down mostra que Moore aprendeu direitinho as lições de wah-wah e aponta o que vem pela frente.


Stand Up traz um riff da escola hendrixiana, enquanto World of Confusion é, guardadas as devidas proporções, a Manic Depression de Moore. Em Ball and Chain, um blues no tradicional compasso 4/4, as melodias vocais são feitas em cima das frases de guitarra, recurso bastante usado por Hendrix. A veia blues volta a dar as caras em Just Can’t Let You Go, linda balada com um trabalho impecável de Moore em momento de muita inspiração e feeling. World Keep Turnin’ Round lembra Crosstown Traffic no andamento e tem SRV saindo pelos amplificadores.

Fechando as homenagens, My Baby (She’s So Good to Me) traz à memória dois grandes clássicos de Vaughan: Cold Shot e Pride and Joy. Depois de se espelhar em duas das maiores influências do instrumento – algo digno de aplausos, levando em consideração que Moore já é um cinquentão –, sobra espaço para canções mais pessoais. É o que se houve com o groove de Wasn’t Born in Chicago, em Rectify e na excelente Who Knows (What Tomorrow May Bring)?.

Vigésimo primeiro trabalho capitaneado por Moore – incluindo G-Force, The Gary Moore Band e coletâneas –, Scars é um oásis para quem espera por um bom disco de rock e está cansado das novas sensações do estilo. Na verdade, deveria servir de referência para aqueles que pregam o fim do virtuosismo e acham que The Strokes é a salvação. Ou então que criem a próxima novidade.

Um irlandês talentoso e versátil

Nascido em Belfast, na Irlanda do Norte, no dia 4 de abril de 1952, Gary Moore se interessou pelo rock da mesma maneira que muitos de sua geração: ouvindo Elvis Presley e Beatles. O interesse pela guitarra surgiu ao mesmo tempo em que se apaixonou pelo blues, admirando Jimi Hendrix e o John Mayall’s Bluesbreakers nos anos 60, mas foi seu mentor que deu o primeiro impulso na carreira.

Apontado como menino-prodígio, despertou a atenção de Peter Green, guitarrista que tocou com John Mayall e Fleetwood Mac. Apesar de apenas cinco anos mais novo, Moore homenageou seu ídolo décadas mais tarde, em 1995, quando lançou o álbum Blues for Greeny. Dado o empurrão, em 1971 tinha seu trabalho registrado pela primeira vez, no disco de estréia do Skid Row (não, não é a ex-banda de Sebastian Bach). Durou muito pouco.

Em 1973, formou a Gary Moore Band e lançou Grinding Stone. Ao mesmo tempo em que dava os primeiros passos em sua carreira solo, gravou três discos com o excelente Colosseum II – Strange New Flash (1976), Electric Savage (1977) e Wardance (1978) – e emprestou seu talento ao Thin Lizzy, banda liderada pelo saudoso Phil Lynott e um dos melhores nomes do hard rock. Em duas breves passagens, substituindo primeiramente Eric Bell e depois Brian Robertson, marcou presença no ótimo Black Rose (1979).


Ainda em 1979, conheceu um pouco do sucesso comercial com o hit Parisienne Walkways, ajudando a impulsionar as vendas de Back on the Streets, lançado no ano anterior. O início dos anos 90 reservou o blues para o guitarrista. Além de seu trabalho próprio, participou em 1993 do projeto Muddy Waters Blues: A Tribute, encabeçado por Paul Rodgers, vocalista do Bad Company. No ano seguinte, juntou-se a Ginger Baker e Jack Bruce no BBM. A versão moderna do Cream parou no trabalho de estréia, Around the Next Dream.

Em 2001, antes do lançamento de Scars, Moore carregou as baterias não apenas lançando Back to the Blues, mas colocando sua guitarra em discos de amigos: Living on the Outside, de Jim Capaldi; Shadows in the Air, de Jack Bruce; e Along for the Ride, de John Mayall. Enfim, Gary Moore está de volta!

Resenha publicada na edição 88 do International Magazine, de outubro de 2002. Como não há vídeos oficiais de Scars, a nova versão da matéria traz clipes de Foxey Lady, cover de Jimi Hendrix, e de Parasienne Walkways, porque são canções relacionadas ao texto.

O KISS e a indústria que esqueceu a música

Por Daniel Dutra | Ilustração: Mario Alberto | Foto: Divulgação

O passado recente do KISS, uma das melhores e mais importantes bandas da história do rock, tem estado preso a boatos, baixaria e pouca música. Não é de assustar que Gene Simmons, em seu site oficial, tenha sido nada diplomático ao responder a um fã que apenas queria saber qual é a real situação da banda. “Eu direi o que eu quiser e quando eu quiser. Ficamos combinados assim”, disse o baixista e vocalista, que atualmente parece estar muito mais interessado em divulgar a sua revista, Gene Simmons’ Tongue, na linha entretenimento e mulheres, muitas mulheres (semi)nuas.

Não é a primeira vez que o KISS é colocado de lado por Simmons. Nos anos 80, o músico foi seduzido por Hollywood e entrou como pôde na indústria cinematográfica, atuando em cinco filmes – com maior repercussão para “Runaway – Fora de Controle”, com Tom “Magnum” Selleck, e “O Exterminador Implacável”, com Rutger Hauer. Mas até aí a banda ainda funcionava, tendo à frente Paul Stanley, responsável pelos outros 50% do KISS. Enfim, o grupo lançava discos com material inédito e não dispensava turnês.


Hoje a história é bem diferente. O lançamento de mais uma coletânea, oficialmente a sexta na carreira do grupo, é o indício de que os fãs devem sentar, porque ficar em pé irá cansar bastante. Nas lojas desde o fim de agosto, The Very Best of KISS traz 21 músicas, incluindo os hits e clássicos de sempre: Deuce, Rock and Roll All Nite, Detroit Rock City, Beth, I Was Made for Lovin’ You, I Love it Loud e Forever, entre outros. Claro, nenhuma música composta e gravada especialmente para o disco, como em Smashes, Thrashes & Hits (1988) ou Killers (1982), este à época não lançado apenas nos EUA, onde o grupo havia terminado de se afundar com o fracasso comercial do excelente (Music From) The Elder.

A partir de 1996, quando foi anunciado o retorno da formação original, a banda viveu um óbvio período de fertilidade, e os fãs viram um antigo sonho ser realizado. Ace Frehley (guitarra) e Peter Criss (bateria) estavam de volta para o que deveria ter sido apenas a Reunion Tour. O primeiro show – no dia 28 de junho, no Tiger Stadium, em Detroit – foi um sucesso retumbante, com os 45 mil ingressos sendo vendidos em apenas 15 minutos. Não à toa, depois de 17 anos sem tocarem juntos, Ace, Gene, Paul e Peter foram responsáveis pela turnê mundial mais bem-sucedida no período 96/97.

Inocência pensar que a banda não aproveitaria o momento para retomar a KISSmania, febre que nos anos 70 culminou com uma quantidade assustadora de badulaques à venda. Apesar disso, da volta dos bonecos – desenhados desta vez por Todd McFarlane, criador de Spawn e que fez nome com o Homem-Aranha – às lancheiras, passando por camisinhas e kits de maquiagem, nada pior que a profusão de coletâneas caça-níqueis. A primeira foi You Wanted the Best, You Got the Best!!, um resumo dos dois primeiros discos ao vivo da banda mais as até então inéditas Room Service, Two Timer, Let Me Know e Take Me, que mais parecem as versões de estúdio com o som do público ao fundo.

Com Greatest KISS a ambição foi em dobro. Duas versões do mesmo CD com pequenas diferenças na escolha das músicas: uma visando ao mercado americano, e a outra, à Europa. Os europeus, aliás, ganharam uma coletânea exclusiva, Greatest Hits, que contém músicas não apenas da formação original. Se o mundo já estava tomado, o que fazer depois? Claro, os quatro voltaram ao estúdio para gravar o primeiro disco desde 1980, quando foi lançado Unmasked – este, para quem ainda não sabe, só tem Peter Criss na capa e nos créditos. Suas partes foram feitas por Anton Fig, amigo de Frehley e hoje na banda do talk show de David Letterman, e não há uma música sequer composta ou cantada pelo baterista.

O erro foi perpetuado em Psycho Circus, bom disco lançado em 1998 e rodeado de mistérios. Todas as vozes estão lá, só que uma vez mais os boatos que chegaram à imprensa em todo mundo davam conta que os quatro pouco tocaram no disco. Frehley teria gravado apenas os solos de guitarra, com as outras partes ficando por conta de Bruce Kulick, que ocupou o posto de 1984 a 1996 e teria também assumido o baixo nas gravações. Nas seis e quatro cordas a dúvida poderá nunca ser esclarecida, mas em relação à bateria…

Kevin Valentine, músico de estúdio que teve uma breve passagem pelo Cinderella no início dos anos 90, teria comandado as baquetas em 90% de Psycho Circus. Independentemente de ter sido ele ou não, ouvidos mais atentos podem atestar que Into the Void é mesmo a única música com Criss, conhecido por ser um baterista pouco privilegiado criativa e tecnicamente. Assim, o que se ouve nas outras nove faixas do disco, sejamos sinceros, não pode mesmo ter sido tocado por ele. Ah, sim, para completar, Within’ seria sobra de estúdio do ótimo Carnival of Souls, último trabalho com Kulick e o exímio batera Eric Singer. O álbum, que seria engavetado por causa da “nova” fase do KISS, foi lançado às pressas para combater os milhares de piratas cada vez mais fáceis de achar.


Tanta especulação seria suficiente para que tudo desse errado, mas não com o KISS. Psycho Circus atingiu rapidamente a marca de 500 mil cópias vendidas, e o grupo partiu para uma nova turnê, que passou pelo Brasil em abril de 1999. No Autódromo de Interlagos, em São Paulo, mais de 60 mil pessoas assistiram a um show único, assim como os fãs em Porto Alegre. Até mesmo o fato de Frehley ter subido bêbado ao palco não importou muito, mas tudo poderia ter sido bem melhor. Já era o início do fim. Do segundo fim, claro, pois tudo pode acontecer quando falamos de algo que tenha $immons envolvido.

Não demorou para a banda anunciar a Farewell Tour, que começou mas não terminou. Por divergências financeiras, Criss saiu da banda. Singer retornou pintando o cabelo de preto e assumindo trajes e maquiagem de gato. Se por um lado o KISS ganhava em qualidade, os problemas estavam longe de acabar. Novamente consumido pelo álcool, responsável por muitos de seus problemas passados, inclusive o acidente de carro que o fez ser submetido a algumas cirurgias plásticas no rosto, Ace foi demitido. A saída do guitarrista deixou o futuro do KISS ainda mais nublado, com as baixarias sendo o que de mais concreto o grupo tem oferecido.

Em 27 de abril deste ano, dia de seu aniversário, Frehley chegou bêbado a um evento onde distribuiria autógrafos e daria uma coletiva. Não bastasse isso, exigiu mais dinheiro para continuar e foi responsável por uma situação constrangedora. Depois de descrever Simmons como um “mercenário arrogante que só pensa em dinheiro”, o guitarrista recebeu um bolo das mãos do próprio. Acompanhado por Singer, o baixista não disse uma única palavra e se retirou do local ainda a tempo de ouvir o guitarrista indagar “não é maravilhoso o que as pessoas fazem por dinheiro?”.

Apesar da atitude nada elogiável, Frehley não está longe de ter razão. O maior exemplo é o KISS Kasket, caixão personalizado que custa nada menos que US$ 4,700 e pode ser usado como geladeira antes de servir ao verdadeiro propósito. Tem gosto para tudo, tanto que logo depois, no fim de 2001, o grupo lançou também um box com cinco CDs simplesmente intitulado KISS. Em versões simples e de luxo, esta no formato de case de guitarra, a caixa é espetacular, porém sintomática. O livro de 120 páginas é rico em informações e belas fotos, e algumas raridades são bastante interessantes, como gravações do Wicked Lester, o grupo pré-KISS. No entanto, é mais uma prova de que a banda está vivendo do passado. De contrato rescindido com a Mercury Records, um dos braços da Universal Music, mesmo o aguardado e certamente vendável Alive IV, gravado e anunciado há quase dois anos, está na geladeira por tempo indeterminado.

Melhor político que sua cara-metade no KISS, Paul Stanley ainda dá algum sopro de esperança. Muito se fala num novo disco, que estaria sendo gravado com Eric Singer e o guitarrista Tommy Thayer, do finado Black n’ Blue (banda da safra hard rock do heavy metal americano da década de 80) e que atualmente trabalha nos bastidores do próprio KISS, como um de seus muitos produtores executivos. Stanley não desmente nem confirma, mas diz que uma nova turnê para o próximo ano é possível, mas que gostaria que fosse com a última formação, ou seja, com Singer e Frehley. Seja lá quem estiver ao lado de Simmons e Stanley no palco, uma coisa é certa: em 2003 o KISS completa 30 anos, portanto, prepare o bolso. Ou a indignação.

Matéria publicada na edição 87 do International Magazine, em setembro de 2002.

Mr. Big – In Japan / Farewell Live in Japan

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Depois de 14 anos de bons serviços prestados à música e 15 discos lançados – três deles exclusivamente no Japão –, o Mr. Big acabou. Ao lado do Badlands de Jake E. Lee (ex- Ozzy Osbourne) e do Blue Murder de John Sykes (ex-Whitesnake), a banda formada por Billy Sheehan (baixo), Paul Gilbert (guitarra), Pat Torpey (bateria) e Eric Martin (vocal) surgiu no fim dos anos 80 com merecido status de supergrupo. E foi mais longe do que os outros dois, que não duraram mais que três álbuns (no caso do Badlands, uma pena).

Ironicamente, ao mesmo tempo em que conhecia o sucesso comercial, o Mr. Big acabou subestimado por suas baladas, principalmente depois do estrondoso sucesso mundial de To Be With You (1991). Uma coisa levou à outra, e muita gente não fez questão de conhecer o lado hard rock do grupo. Mas se isso não aconteceu antes, provavelmente não será agora. Depois de um período de três anos de férias, iniciadas em 1996, a banda retornou com Richie Kotzen no lugar de Gilbert, lançou dois trabalhos de estúdio – incluindo um dos melhores de toda a carreira, Get Over it – e sucumbiu por causa dos problemas internos.

Depois do excelente Actual Size, de 2001, o relacionamento entre Martin e Sheehan chegou ao limite. O baixista foi despedido depois de criticar publicamente o direcionamento mais pop do trabalho, e o Mr. Big perdeu o rumo dos negócios. As turnês japonesa e asiática foram canceladas pelos promotores, que exigiam a presença de Sheehan, não à toa um dos melhores – senão o melhor – baixista de rock das últimas duas décadas. Para honrar os compromissos, o acordo foi simples: os quatro voltariam aos palcos, mas pela última vez – uma imposição de Sheehan, diga-se de passagem.


Dito e feito. Como resultado, o lançamento do CD In Japan e do DVD Farewell Live in Japan, capturando o derradeiro show do Mr. Big, no dia 5 de fevereiro de 2002, no Tokyo International Forum. O resultado, como todo registro ao vivo do grupo, tem produção cristalina e performance impecável. O DVD, claro, tem seus extras: solos de Sheehan e Kotzen, entrevistas individuais com cada integrante e três músicas a mais que o disquinho de áudio – Where Are They Now?, Take a Walk e Mr. Big (canção do Free que deu nome à banda). Pena que seis músicas do set list não estejam presentes em nenhum formato. São elas Wild World (Cat Stevens), 30 Days in the Hole (Humble Pie), Green-Tinted Sixties Mind, My New Religion, Colorado Bulldog e Take Cover (as duas últimas certamente entre as melhores do grupo).

Mesmo assim, há um bom apanhado da carreira da banda, obviamente incluindo To Be With You. Representando a primeira fase, músicas arrasa-quarteirão como Addicted to That Rush e Daddy,Brother, Lover, Little Boy se juntam às empolgantes Alive and Kickin’, Blame it on My Youth e Price You Gotta Pay. A segunda era tem sua indefectível balada, Superfantastic, mas Lost in America, Dancin’ With My Devils, Electrified e Suffocation mostram todo o poder de fogo do Mr. Big.

E Suffocation, aliás, é a prova de que Sheehan, Torpey e Kotzen poderiam formar um power trio espetacular. Os dois primeiros são uma cozinha perfeita, com o batera dando aula num kit básico, assim como Ian Paice (Deep Purple) fazia nos anos 70. Já Kotzen prova mais uma vez ser um dos melhores guitarristas da atualidade. Além de extraordinário em seu instrumento – passeando pelo rock, funk, soul e jazz com extrema facilidade –, é um ótimo vocalista, obscurecendo Eric Martin na própria Suffocation e nas excelentes Static e Shine. Nada que faça Martin deixar de ser um dos melhores do estilo, de timbre único e agradável. Se o CD e o DVD são mais dois motivos para lamentar o fim do Mr. Big, serve de consolo que a banda tenha se despedido em grande estilo.

Resenha publicada na edição 87 do International Magazine, em setembro de 2002.

Nightwish

Por Daniel Dutra | Fotos: Mario Alberto

Noite de domingo, fim de mês e o ATL Hall abria suas portas para o Nightwish, banda finlandesa da nova geração do heavy metal. Ingredientes mais do que suficientes para um fracasso de público. Ledo engano. Sem querer descobrir de onde os pais tiraram dinheiro para bancar os ingressos da grande quantidade de adolescentes, 4.500 pessoas compareceram à principal casa de espetáculos do Rio de Janeiro, que, diga-se de passagem, reduziu sua capacidade para sete mil.

Como explicar? Simples. Uma semana antes, 2.500 fãs pagaram para assistir ao show do Angra no “longínquo” Campo Grande, bairro da Zona Oeste da cidade. Um mês depois, um Canecão lotado para o Blind Guardian, banda alemã que já fizera uma turnê bem-sucedida no Brasil anos atrás. Há gosto para tudo, e a história se repete no restante do país.

Antes de o Nightwish subir ao palco, o público teve a oportunidade de conhecer mais um representante do metal nacional, o Glory Opera, oriundo de Manaus. Músicos competentes e música sem inspiração e identidade própria. Não bastasse o vocalista Humberto Sobrinho dar as boas-vindas e se despedir com um daqueles agudinhos em busca do nota mais alta possível, o grupo ainda tem muito o que amadurecer, deixando de soar como um pastiche das bandas do metal melódico contemporâneo. Méritos apenas por fugir do lugar-comum dos covers, escolhendo um do Angra e outro do Symphony X, enquanto todos esperavam Helloween ou Iron Maiden.

E vamos ao Nightwish, ou melhor, à vocalista Tarja Turunen, pois o show foi dela. Da primeira, Bless the Child, à última música do bis, Wishmaster, não houve nada que pudesse ofuscá-la. Simpática, comandando o público com o gesto mais simples, Tarja ainda se sobressai por ser uma vocalista excepcional. Melhor ainda que, assim como fez no último álbum da banda, o bom Century Child, seus vocais líricos tenham dado lugar a interpretações mais diretas.

NightwishNightwishNightwishNightwishNightwishNightwish

Com a banda sendo absolutamente dependente de Tarja, que os fãs torçam para que sejam mesmo apenas boatos as histórias de que ela sairá do Nightwish ao fim da turnê. É por causa da vocalista que músicas como Come Cover Me, Dead to the World, a ótima Slaying the Dreamer (a melhor de Century Child), Over the Hill and Far Away (cover de Gary Moore) e a bela Sleeping Sun ficam bem interessantes ao vivo. A bem da verdade, o grupo ganhou muito com a entrada do baixista Marco Hietala (ex-Synergy), que tem boa presença de palco e deu vida às partes vocais masculinas, e o restante ainda fica atrás da dupla.

Nem mesmo Crazy Train, música de Ozzy Osbourne que costuma levantar até defunto, funcionou bem. Apesar do esforço de Hietala nos vocais, não deu para se entusiasmar com o guitarrista Emppu Vuorinem. Sem falar em Jukka Nevalainen, baterista que sofre de uma irritante falta de criatividade, e de Tuomas Holopainen, tecladista e principal compositor. Ao descobrir a fórmula sinfônico + lírico, Holopainen passou a aproveitar o momento: ganha algum dinheiro e nem se preocupa em mostrar que sabe tocar. Passa o show inteiro balançando os cabelos, usando sequenciadores e, pasmem!, samplers nas partes em que há os (raros) solos.

Apesar do show apenas correto e que não chegou a empolgar – para os fãs, claro, um pouco mais que isso –, a apresentação do Nightwish provou mesmo que o heavy metal tem um sem número de vidas. Sendo óbvio, caso não tenha sido bem explicado parágrafos acima, o rock pesado não morre enquanto houver adolescentes no mundo. Assim sendo, preconceitos injustificados à parte, difícil encontrar um estilo em que o público não apenas cresça com regularidade, mas se renove com tanta facilidade.

Resenha publicada na edição 87 do International Magazine, em setembro de 2002.

Dio – Killing the Dragon

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Ronnie James Dio é quase uma unanimidade entre os fãs de heavy metal. Respeitado por todos e considerado por muitos o melhor vocalista do estilo em todos os tempos, já emprestou seu talento ao Black Sabbath – com o qual gravou a obra-prima Heaven and Hell, por exemplo – e ao Rainbow, do ex-Deep Purple Ritchie Blackmore – nos três primeiros álbuns e no soberbo ao vivo On Stage.

Em sua carreira solo, com a banda sob a alcunha de Dio, começou lançando dois álbuns indispensáveis à coleção de qualquer banger que se preze: Holy Diver e The Last in Line. Mesmo depois da saída do guitarrista Vivian Campbell (hoje no Def Leppard), com Craig Goldy e Rowan Robertson passando pelas seis cordas, o vocalista manteve uma sequência de bons trabalhos. Mas…

Ao fim de sua segunda passagem pelo Sabbath, em 1993, Dio retomou seu grupo mas não foi feliz. Com o questionável Tracy G na guitarra, para muitos os discos Strange Highways e Angry Machines servem apenas para acumular poeira na estante. A parceria chegou ao fim e o trem voltou para os trilhos com Magica, que trouxe Goldy de volta à banda. O álbum recebeu elogios de crítica e fãs, mas estes ainda reclamaram – sem razão, diga-se de passagem – do ritmo arrastado das músicas.


Agora, com Killing the Dragon, todos estão felizes. Dio retoma o estilo dos primeiros álbuns e brinda a todos com seu melhor trabalho desde Sacred Heart, de 1985. Nem mesmo a saída de Goldy, que preferiu ficar fora do esquema gravações/turnê para se dedicar à família, atrapalhou. Doug Aldrich (ex-Lion, House of Lords, Hurricane e Bad Moon Rising), responsável por ótimos riffs e solos melhores ainda, assume tranquilamente o posto de melhor guitarrista que Dio já teve em sua banda.

Se não trazem nada de extraordinário, as dez faixas do trabalho ao menos são um oásis dentro da mesmice que impera no rock pesado, pois têm propriedade. Along Comes a Spider, Scream (lembrando Holy Diver), Rock & Roll (à la Led Zeppelin), Better in the Dark, Push, Before the Fall (com ótima participação do tecladista Scott Warren, que poderia ter sido mais bem aproveitado), Guilty e a faixa-título são absolutamente contagiantes.

Killing the Dragon traz a mesma cozinha do álbum anterior, o baixista Jimmy Bain e o batera Simon Wright (ex-AC/DC), mas, como sempre, a voz de Dio é o maior destaque. Do alto de seus 60 anos – discutíveis, pois muitos afirmam que o vocalista nasceu em 10 de julho de 1940, não 1942, mas o próprio não confirma nem desmente –, ele continua dando um show. Mestre ontem, hoje e sempre, Dio mostra que cantar não se resume a falsetes e agudinhos cada vez mais desnecessários e irritantes.

Resenha publicada na edição 86 do International Magazine, em agosto de 2002.

Angra – Hunters and Prey

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

A primeira coisa a fazer depois de ouvir Hunters and Prey é lamentar o fato de o novo trabalho do Angra ser um miniálbum. Sim, porque o gosto de quero mais é inevitável. No entanto, é um prazer ratificar de vez que Edu Falaschi (vocal), Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Aquiles Priester (bateria) mantêm o alto nível de Rebirth, o ponto de partida da “nova” formação da banda. Melhor ainda que as surpresas se fazem presente de forma mais do que convincente.

O disco abre com Live and Learn, a tradicional faixa mais rápida e que tem tudo para virar um clássico instantâneo entre os fãs, com um trabalho impecável de guitarras. Traz a qualidade de sempre, mas até aí nada de novo. É a partir de Bleeding Heart que as coisas começam a ficar muito interessantes. A música, apesar de ter saído com bônus de Rebirth no Japão, é uma balada como o Angra há muito não faz. Na verdade, desde Reaching Horizons, que saiu no EP Freedom Call, de 1996, mas é do início dos anos 90 e deu nome à primeira demo tape do grupo.

Com a excelente faixa-título o jogo já está ganho. Hunters and Prey conta com arranjos elaborados e várias doses de música regional do Brasil – principalmente do Nordeste, como o baião –, enaltecendo ainda mais o excepcional trabalho de Priester e as belas linhas de baixo de Andreoli. A música ainda ganhou uma versão em português, Caça e Caçador, que surpreende pela boa adaptação da letra ao ritmo. Eyes of Christ vem logo em seguida e mostra uma faceta inédita do Angra, um som mais hard e que remete aos dois primeiros discos de Ronnie James Dio, Holy Diver e The Last in Line. E dá-lhe mais uma excelente performance de Edu.

Rebirth e Heroes of Sand (por que não também Millennium Sun?) aparecem em belíssimas versões acústicas. Mama, cover do Genesis, completa o disco apresentando uma versão bem fiel à original. Como bônus, uma faixa interativa com screensaver, wallpapers, muitas fotos e o videoclipe da música Rebirth. Enfim, desde já Hunters and Prey é candidato a um dos melhores CDs de 2002, provando o porquê de o Angra ser considerado por muitos a melhor banda de metal melódico do mundo, por mais que existam várias do estilo em cada esquina dos países europeus.

Um show para o Rio de Janeiro ver e aplaudir

Dando sequência aos shows que já foram parar na Europa e na Ásia, o Angra chegou ao Rio de Janeiro pela segunda vez desde o lançamento de Rebirth – sétimo show na cidade desde 1992. No dia 20 de julho, mais de 2.500 fãs – recorde da banda em palcos cariocas – compareceram ao Clube Aliados Campestre, em Campo Grande, Zona Oeste da cidade, e assistiram a um show com poucas mudanças em relação ao de dezembro do ano passado, no falecido Garden Hall.

De novidade, a esperada inclusão de Hunters and Prey e as belas versões de Reaching Horizons, apenas com Rafael Bittencourt no violão e voz, e Bleeding Heart, com Edu Falaschi cantando acompanhado por Kiko Loureiro nos teclados. Fora isso, o de sempre. O público com as músicas novas na ponta da língua, a desnecessária Metal Icarus (do erro chamado Fireworks) e o fim apoteótico com Nothing to Say e Carry on, além de The Number of the Beast, o cover da vez do Iron Maiden.

Mais do que o show corretíssimo e empolgante, as constatações de sempre. É uma pena que Loureiro, guitarrista de extremo bom gosto e técnica invejável, não acompanhe o pique dos outros membros da banda (foi constrangedora sua falta de ânimo ao apresentar Falaschi). Enquanto isso, Rafael Bittencourt, corretamente apresentado como maestro; Aquiles Priester, mais uma vez inacreditável; Felipe Andreoli, matando a pau com o baixo de seis cordas; e Falaschi, cantando muito e bem mais à vontade, mostraram como se faz.

No mais, que o sucesso do show faça com que a Hora Alternativa, produtora do evento, traga mais bandas para tocar no Rio, que está à beira da falência no que diz respeito ao heavy metal. Ironicamente, ficou provado que há e sempre houve público na cidade, mas que os bangers cariocas colaborem e façam da elogiável iniciativa dos novos promotores algo frequente.

Resenha publicada na edição 86 do International Magazine, em agosto de 2002. Aqui, a análise do disco veio acompanhada de um relato sobre o show de lançamento. Breve e sem fotos.

Hannibal

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Infierno não existe mais. Depois de lançar seu primeiro e ótimo CD homônimo, abrir a turnê brasileira do Sepultura e ser um dos destaques do Abril Pro Rock em 2001, a banda formada por Henrique Zumpichiatti (vocal), Denner Campolina (baixo), André Moraes (guitarra) e Alex Fonseca (bateria) entra numa nova fase. Sob o nome Hannibal, o som perdeu peso, mas manteve a qualidade, e consequentemente o momento é ideal para que venha o sucesso e o reconhecimento. Uma resposta ao preconceito que cercou o grupo, começando com o contrato assinado com a Seven Music, distribuído pela Sony, para o lançamento de duas músicas, Contato e a nova Estrangeiro, numa coletânea.

“O nome era um problema à parte, mas nós mesmos já queríamos a mudança. Gente muito importante no cenário havia falado que não chegaríamos a lugar algum se continuássemos como Infierno, ficaríamos sempre no underground”, disse André em entrevista no início de julho, quando a banda estava quase adotando o nome Insomnia. “Quando começamos, a ideia era ter algo associado a tecnologia e modernidade do nosso som. Pensávamos que a música seria o mais importante, mas aconteceu o contrário. Todos os paradigmas referentes a inferno ganharam mais destaque. Teve gente que pensou que a banda era de black metal”, completou Henrique.

Além do nome, outra polêmica que envolvia o grupo era a constante associação ao new metal, estilo adorado e detestado com a mesma intensidade pelos fãs de heavy metal. “Isso só incomodava a partir do momento em que rolava preconceito, porque existe mesmo, principalmente em São Paulo”, diz Denner, referindo-se ao estado que mais consome rock pesado no Brasil. “Eu fiquei surpreso quando soube que não tínhamos entrada lá, pois sempre fomos bem recebidos quando tocamos na cidade”.

André mostra que também não se preocupava com o rótulo. “Nós não somos uma banda de metal. Temos uma bagagem musical não apenas de música pesada. Todos têm experiência em outras frentes, por isso há uma união de estilos”, diz o músico responsável por trilhas sonoras como as dos filmes “Avassaladores” e “No Coração dos Deuses”, este com a participação de Andreas Kisser e Igor Cavalera, do Sepultura, e Mike Patton, ex-Faith No More. Além disso, Denner é contrabaixista do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, além de já ter gravado com Legião Urbana e o próprio Sepultura, entre outros; e o exímio e respeitado batera Alex já acompanhou Pepeu Gomes e Lobão, por exemplo, além de ter feito parte do excelente Cheiro de Vida.


A justificada segurança que a banda tem em seu trabalho é mostrada quando o assunto é a aliviada no som. “Nós somos músicos, queremos ganhar a vida fazendo música, atingir o maior número possível de pessoas. Mas isso não significa que vamos nos vender na intenção de ficarmos milionários da noite para o dia“, diz Henrique. “Se vender é tocar pagode. Nada contra o estilo, mas é o caminho mais fácil para o sucesso”, provoca André, entre risos e aprovação de todos.

“Imagine se o Los Hermanos tivesse sempre de gravar uma nova Ana Júlia. As pessoas criam expectativas, mas o músico precisa de liberdade para criar”, Denner dá o exemplo. “O que nós fizemos antes saiu naturalmente, assim como agora. Há músicas que lembram o Infierno (N.R.: Gol e Rumba), assim como outras são mais acessíveis (N.R.: Estrangeiro e a excelente Eu Não Sei)”.

As mudanças, no entanto, foram mesmo por causa do mercado. “A pior nota que recebemos foi o 7,5 da Rock Brigade, que é uma revista conservadora. O jornal O Globo nos deus quatro dos cinco quadradinhos, e fomos eleitos pelo GloboNews.com (N.R.: na editoria Diversão & Arte) como banda revelação do ano passado”, lembra André. “Tanto que faremos uma versão em inglês do primeiro disco. Foi uma ideia que eu passei ao Carlos Trilha e ao Fernando Morello, nossos produtores, porque eles têm um caminho para mandar o trabalho para o exterior”, finaliza Denner, comprovando que qualidade não faltava ao Infierno. Qualidade esta que agora está a serviço do Hannibal.

Entrevista originalmente publicada na edição 86 do International Magazine, em agosto de 2002.

Jerry Cantrell – Degradation Trip

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Quando Jerry Cantrell lançou seu primeiro disco solo, Boggy Depot, em 1998, o Alice in Chains já se encontrava em stand by em decorrência dos problemas do vocalista Layne Staley com as drogas. Quatro anos depois, Cantrell retorna com o ótimo Degradation Trip, e o disco é dedicado Staley, encontrado morto em sua residência, em Seattle, no dia 19 de abril. O motivo? Um coquetel de cocaína e heroína.

A estreia solo de Cantrell, no entanto, aconteceu em 1996, quando contribuiu com a música Leave Me Alone para a trilha sonora do filme “O Pentelho” (com Jim Carrey). No mesmo ano, o ainda em atividade Alice in Chains lançava seu último registro, o Unplugged gravado pela MTV. Resumindo a viagem no tempo, o guitarrista dá sequência ao legado sonoro da melhor banda da famigerada safra grunge.

Degradation Trip não foge do estilo pesado e arrastado, que, claro, tem como referência aquilo que foi criado pelo Black Sabbath. Mas a veia Alice in Chains é latente nas harmonias vocais, como em Psychotic Break, Mother’s Spinning in Her Grave (Glass Dick Jones) e Hellbound. Nenhuma surpresa, já que Cantrell era a força por trás do instrumental e das melodias do grupo.


As lembranças de Staley, assim como seu vício em heroína, ainda vêm implícitas nas letras de Locked on – “Locked on – what’s the deal / Faded rock star, push and needle / You don’t know, well that’s right / You do your thing / I’ll live my life” – e Bargain Basement Howard Hughes – “Stubborn bastard, hard head knocking / We had our good years too / Though apart, you’re still in my heart / I’d give anything for you”. Mas as 14 faixas que compõem o trabalho não são, digamos, depressivas.

As belíssimas Solitude e Give it a Name, esta com um quê de Beatles, se distanciam da melancolia, assim como Gone, que passa raspando de ter um maior acento country. She Was My Girl tem uma levada bem para cima, e Spiderbite é heavy metal de primeira linha. Anger Rising, com a participação do ex-guitarrista do Queensrÿche Chris DeGarmo, e Angel Eyes são mais dois destaques num trabalho recheado de bons momentos.

Em vez de se cercar de vários convidados – como os baixistas Les Claypool (Primus) e Rex Brown (Pantera), que participaram de Boggy Depot –, Cantrell teve em Mike Bordin (bateria) e Robert Trujillo (baixo), da banda de Ozzy Osbourne, a cozinha perfeita para poder desfilar seu talento como guitarrista e compositor. No fim das contas, mais um motivo para fazer de Degradation Trip uma ótima pedida para quem gosta de boa música.

Resenha publicada na edição 86 do International Magazine, em agosto de 2002.

Ozzy Osbourne em todas as frentes

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Ozzy Osbourne certamente não precisava do reality show The Osbournes, sucesso incomparável da MTV americana, para se tornar, digamos assim, mais conhecido. Arrancar com os dentes a cabeça de um morcego semimorto pensando que o mesmo fosse de borracha – perguntem se ele estava doidão em cima do palco… – foi o suficiente para fazê-lo ter seu nome gravado na memória de qualquer um, até daqueles que não lembram ao menos se já escutaram alguma de suas músicas.

Príncipe das Trevas e Madman são exemplos de como as pessoas carinhosamente se referem a Ozzy. Com o cheiro de hipocrisia no ar, há os que o consideram o anticristo e gostariam mesmo que ele fosse para o quinto dos infernos. Mas estes são os mesmos que dizem que KISS significa ‘kids in Satan Service’ – sim, pode rir – e acusam a banda de pregar o nazismo por causa dos “SS” em seu logo – claro, eles não lembram que Gene Simmons é judeu e sua mãe escapou de um campo de concentração durante a II Guerra Mundial. Só bate palmas para esse tipo de coisa quem acredita que maçã é fruto proibido.

The Osbournes não serviu apenas para comprovar que Ozzy está pagando pelos excessos cometidos com as drogas e o álcool durante anos e anos a fio. Mais do que isso, mostrou que ele é um pai de família como outro qualquer, muitas vezes tão bobo – e não por causa das sequelas, que fique bem claro – que muita gente deve ter se perguntado como ele pode ser tão ordinário, e digo isso sem ser pejorativo. Em cima do palco Ozzy é louco, mas apenas por causa dos fãs, da interação que faz nascer toda essa loucura. E os fãs são sinceros: Ozzy Osbourne é foda!

O (novo) interesse que o reality show fez despertar já rendeu frutos. Para a família Osbourne, especula-se que US$ 20 milhões por uma nova temporada de dez episódios. Para a imensa legião de fãs, o CD e o DVD Live at Budokan, que capturam um dos shows da turnê de Down to Earth, mais precisamente o gravado em 15 de fevereiro deste ano na tradicional casa de shows em Tóquio, no Japão. E independentemente de qual formato você escolher – o álbum tem uma música a menos, Suicide Solution –, pode ter certeza de que vale cada centavo investido.


O show, apesar de mais curto que o habitual, é simplesmente espetacular. Claro que as 14 músicas não são suficientes, falta muita coisa, mas esse é um preço a se pagar quando se tem repertório para três horas de show… E com os fãs cantando a plenos pulmões. De Down to Earth temos Junkie e as excelentes That I Never Head e Gets Me Through – não, não tem Dreamer –, e da fase anos 90, as indefectíveis Mama I’m Coming Home e I Don’t Wanna Change the World, além, é claro, da obrigatória e maravilhosa No More Tears. Pois é, nada do Ozzmosis (cadê Perry Mason? Ou My Jekill Doesn’t Hide?), e, voltando alguns anos, mesmo o irregular No Rest for the Wicked poderia ser representado com Miracle Man ou Crazy Babies.

Mas reclamar para quê? O show começa com I Don’t Know e termina com Paranoid, única música do Black Sabbath no set list e, óbvio, responsável por um encerramento apoteótico. No recheio, a agradável surpresa Believer, que não era tocada ao vivo há mais de dez anos, e as óbvias Mr. Crowley, Bark at the Moon e Crazy Train, que levam os japoneses ao delírio. Além disso, é Ozzy quem as está cantando… Bom, 99% overdub, mas quem se importa? As mãos tremem, ele não fica mais se arranhando alucinadamente e, mais do que nunca, o teleprompter o auxilia com as letras das músicas. Mas o Madman ainda se diverte, arrisca os tradicionais “pulos do sapo”, não cansa de berrar ‘go fucking crazy!’ e domina a plateia como poucos.

Ozzy é Ozzy, e isso significa que de bobo ele não tem nada. Sempre cercado de músicos no mínimo competentes, desde 1996 é acompanhado pelo baixista Robert Trujillo (ex-Suicidal Tendencies) e pelo baterista Mike Bordin (ex-Faith No More). Sóbrio na parte musical, Trujillo tem uma presença de palco, digamos, peculiar, enquanto Bordin massacra a batera e enche os olhos (o que não é novidade para quem o conhece do FNM). Mas não há como fugir do óbvio, que neste caso atende pelo nome de Zakk Wylde.

Ozzy sempre revelou guitarristas extraordinários, como Randy Rhoads – gênio que morreu prematuramente em 19 de março de 1982, aos 25 anos – e Jake E. Lee. Em 1988, então com 21 anos, Wylde foi o escolhido para substituir Lee e ocupou o espaço de Rhoads junto a Ozzy numa “relação de pai e filho”, como o próprio Wylde costuma dizer. Apesar de ter ficado fora da banda de 1994 a 2000, período em que foi substituído por Joe Holmes, gravou todos os discos de estúdio de Ozzy, já que no hiato mencionado houve apenas turnês. Depois de 14 anos – incluindo seus projetos solos, como o excelente Black Label Society, que já chegou ao quarto disco, sendo um ao vivo –, Zakk Wylde construiu, com toda justiça, a reputação de melhor guitarrista de heavy metal da atualidade. Assista ao show e descubra o porquê.

Relançamentos e lavagem de roupa suja

O sucesso de The Osbournes não fez apenas com que Live at Budokan pegasse carona, já que o DVD tem como extra um ‘behind the scenes’ de meia hora com imagens dos passeios de Ozzy, banda e família no Japão. Além disso, a Sony Music relançou toda a discografia do Madman, incluindo fotos inéditas, letras e as eventuais bonus tracks. Para completar, os dois primeiros álbuns, Blizzard of Ozz e Diary of Madman, tiveram bateria e baixo regravados por Bordin e Trujillo, o que resultou em mais um capítulo da briga que envolve Bob Daisley e Lee Kerslake, baixista e baterista que originalmente participaram dos discos.

Daisley e Kerslake – que depois do lançamento do segundo álbum foram substituídos por Rudy Sarzo e Tommy Aldridge, respectivamente – movem uma ação judicial contra Ozzy Osbourne, alegando que não receberam os valores corretos dos royalties pelas vendagens dos discos e pela execução das músicas (das quais também são autores) em rádios, programas de TV e shows. A decisão de regravar suas partes nos relançamentos, evitando assim que ambos tivessem maior participação financeira, revoltou Daisley, que em comunicado oficial resolveu jogar muita coisa no ventilador.


“Eu já esperava que fizessem algo para nos desrespeitar, mas não que insultassem à memória de Randy Rhoads. É uma vergonha, pois ele não está entre nós para opinar sobre o que deveria ser feito. É o vigésimo aniversário de sua morte e os álbuns saem dessa maneira. Sua mãe (N.R.: Delores Rhoads) está decepcionada”, afirma Daisley, que volta sua carga contra Ozzy. “Ele não sabe tocar um instrumento sequer, não é o músico que todos pensam. No máximo aparecia com boas ideias de melodias, mas geralmente as músicas já estavam prontas. Nem as letras ele escreve. No Black Sabbath era o Geezer (N.R.: Butler, baixista), e na sua banda, como Randy e Lee não cuidavam dessa parte, eu era o responsável.”

Daisley não só afirma que as músicas de Blizzard of Ozz foram escritas por ele e Rhoads, com Lee ajudando em Diary of a Madman, mas que escreveu todas as letras destes dois discos mais as de Bark at the Moon (cujas músicas são de autoria de Jake E. Lee, apesar de o guitarrista não ter sido creditado) e The Ultimate Sin. O baixista encerra a nota mais uma vez mostrando sua revolta com os relançamentos. “Eles não colocaram ao menos um adesivo dizendo que não é a banda original, que não são as gravações originais! As pessoas podem comprar os discos por ignorância, por não saberem de nada, mas perguntarão ‘mas que porra é essa?’ quando escutarem em casa.”

Da parte de Ozzy e Sharon Osbourne, sua mulher e empresária, não houve nenhum pronunciamento. Com os problemas de saúde de Sharon, operada em 3 de julho de um câncer no cólon e submetendo-se a tratamento de quimioterapia, Ozzy não está mesmo preocupado com tanta baixaria. “Sempre pedi a Deus que eu morresse antes da minha mulher, mas a vida sempre encontra uma maneira de lhe sacanear”, disse o Madman, em estado de choque, depois de receber a notícia.

Matéria originalmente publicada na edição 86 do International Magazine, em agosto de 2002.