Marillion – Somewhere Else

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

“Três álbuns a mais que o U2, dois a mais que os Beatles, e o mesmo número de lançamentos do Ramones. Um fato raro nos anais do rock.” É assim que o press release de Somewhere Else, 14º trabalho de estúdio do Marillion, traz à tona a importância da banda inglesa para o mundo da música. Claro, das três bandas citadas, apenas a liderada por Bono Vox e The Edge permanece na estrada, mas isso não desvia a atenção do ponto principal: o novo trabalho pode dar a Steve Hogarth, Steve Rothery, Mark Kelly, Pete Trewavas e Ian Mosley o reconhecimento que eles tanto merecem. “E nos quatro cantos do planeta”, como ressalta o texto de apresentação.

Apesar do otimismo, as chances de o Marillion voltar a desfrutar de um grande sucesso comercial são mínimas. Não que Somewhere Else seja um disco ruim, muito pelo contrário, mas a grande mídia há muito tempo não tem mais olhos para o quinteto. Uma pena, pois a música que temos em mãos possui muito mais alma e coração do que aquilo que se ouve nas rádios. E essa honestidade, diga-se, vem acompanhada de fãs absolutamente fiéis, que já chegaram a financiar um álbum (marillion.com, de 1999) ao comprá-lo antes mesmo de o grupo ter começado a compor suas músicas.

Para quem esperava uma nova investida no mundo pop, digamos assim, Somewhere Else é um balde de água fria. Apenas a ótima Most Toys, quarta faixa do CD, flerta com o que a banda fez tão bem em anos não tão distantes. O novo disco, na verdade, pega carona no progressivo intimista, e muitas vezes melancólico, que tomou conta de Marbles (2004). Vá lá que See it Like a Baby ainda apresente algum traço mais comercial, mas ainda assim se rende a melodias mais calmas (e não raro belíssimas), assim como The Other Half e A Voice from the Past, que são puramente Marillion. Ou seja, destaques para a excelente voz de Hogarth (ou ainda existe alguma viúva de Fish choramingando pelos cantos?), a elegância de Kelly nos teclados e o talento nas seis cordas de Rothery, cujo bom gosto nas seis cordas parece não ter fim.


Thank You Whoever You Are e a faixa-título estão entre as mais bonitas composições da banda, em alguns momentos lembrando o que de bom fez o Radiohead antes de passar a escrever música sem pé nem cabeça. Ou seja, o Marillion não tem medo de assumir influências contemporâneas, e isso vale também para algumas pitadas de Porcupine Tree. Quer mais um exemplo? No Such Thing e The Last Century for Man, ambas com construções harmônicas inteligentes, privilegiando a grandiosidade do arranjo no meio da canção (no caso da primeira) ou num fim apoteótico (a orquestração, digamos assim, na segunda).

Mas o melhor está mesmo nas excelentes The Wound, a prova definitiva de que o Marillion fica muito acima da média quando resolve ser rock progressivo, e Faith, que encerra o CD de forma acústica, como se fosse a trilha sonora perfeita para o fim do filme a que você acabou de assistir. Para não dizer que tudo são flores, Somewhere Else peca apenas em alguns refrãos exageradamente repetidos, como se fosse uma síndrome de Iron Maiden, mas nem de longe algo que comprometa a música feita com o cérebro e o coração. Para o fã, não para o grande público. Uma pena, afinal.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Pain of Salvation

Por Daniel Dutra e Thiago Sarkis | Fotos: Divulgação

O metal progressivo está de cara nova. Depois de liderarem e influenciarem uma geração por mais de uma década, os antigos representantes do estilo agora acompanham o nascimento de um segundo reinado. Liderado por Daniel Gildenlöw, o Pain of Salvation domina a cena ousando, desafiando e se acertando a cada álbum. O conjunto sueco iniciou sua carreira com a fita K7 Hereafter (1996), que conquistou imediatamente europeus e japoneses. O álbum de estreia, Entropia (1997), causou ainda mais alvoroço – inclusive no Brasil, onde foi lançado pela Hellion Records –, e a partir de então o grupo largou o posto de promessa distante e surgiu como uma realidade a ser seguida passo a passo pelos brasileiros. Com uma qualidade assustadora, além de alto poder de renovação, trazendo inovações a todo o prog metal, a banda ganhou espaço e teve todos os seus discos lançados em território tupiniquim. Aproveitamos o bom momento para conversar com Gildenlöw sobre a carreira do Pain of Salvation, os projetos ao lado do baterista Mike Portnoy (Dream Theater), a entrada como membro efetivo no The Flower Kings, a desavença com o guitarrista Jim Matheos (Fates Warning) e, obviamente, o DVD ao vivo BE (Original Stage Production) (2005), que complementa o álbum homônimo, lançado um ano antes.

Lançar um CD e logo após um DVD com todo o material do disco, e apenas ele, ao vivo não é muito usual. Como foi o processo para essa criação gigantesca, quase megalômana?
(rindo) Não foi fácil. Tivemos que trabalhar muito e por extensos períodos, atravessando uma longa estrada. Porém, valeu a pena por ser o nosso desejo desde o início. Na verdade, toda a produção envolvida em Be teve esse aspecto abrangente, espetaculoso. Gravamos o disco em estúdio, mixamos e imediatamente passamos a trabalhar no ao vivo. Lidávamos com as duas coisas ao mesmo tempo. Definitivamente, o DVD é um trabalho distinto do CD. O conceito cresce muito, ganha outras nuances com o que preparamos visualmente e alcança diversos pontos que não poderiam se limitar a um trabalho de estúdio. Desde o princípio tínhamos a ideia de que Be teria que ser algo além de um simples CD. Era preciso mais, e finalizamos tudo apenas na última semana de fevereiro.

O que você pode dizer sobre este conceito? E o que o DVD traz que pode colaborar na compreensão do mesmo?
Acho que o DVD vai trazer é mais confusão (risos). Estou brincando. Be é um trabalho muito abrangente, musical e conceitualmente. O DVD traz o aspecto visual, que é realmente importante neste caso, e sempre pensamos em desenvolver esse conceito tratando tanto da parte sonora quanto visual. Elas se completam, mesmo cada uma tendo suas peculiaridades e funções. É uma relação de interdependência. Por isso o DVD é parte essencial para a história de Be, assim como o álbum. O Pain of Salvation se caracterizou pelo desenvolvimento de conceitos durante todos os álbuns, e de alguma forma os fãs vêm sempre nos acompanhando, seguindo nosso raciocínio, compreendendo e até indo além do que originalmente planejávamos para as histórias. Parece que há um envolvimento forte conosco, e é ótimo ver isso. Deixa-nos muito felizes.

É também uma questão constitutiva da banda, não? Talvez haja uma identificação do público com a enorme expressão de sentimentos profundos que acompanhamos nos álbuns.
Acho que sim. Exploramos diversos aspectos musicais, realmente os mais variados, e somos livres para tocar determinado estilo ou não, dependendo do que a música pede e nossos corações mandam. Porém, principalmente, como você disse, há muitas estruturas emocionais no Pain of Salvation. Elas perpassam os discos, sempre. Nas bandas atuais estamos acostumados a ouvir coisas mais estéreis, que funcionam apenas numa via de linguagem. Nosso objetivo é abrir um campo maior de comunicação, e creio que conseguimos ser mais ativos e intensos nesse sentido. Vamos de colorações pesadas, muitas vezes carregadas, até um gracioso sangue num piscar de olhos. Às vezes as pessoas têm dificuldade de compreender isso. Quando você ouve um álbum pode ter todas as sensações possíveis, mas não é o mesmo que ficar à frente daquelas pessoas que compuseram o disco e estão logo ali no palco, dividindo todas aquelas emoções tão vividamente com você. Tudo se torna mais claro e real. Por isso, para Be quisemos trazer algo que nos aproximasse mais dos fãs, principalmente daqueles para os quais ainda não tocamos ao vivo. Temos a intenção de que esses sentimentos e sensações sejam vivenciados por completo, e o DVD ajuda muito também nesse sentido.

Pain of SalvationPain of SalvationPain of SalvationPain of SalvationPain of Salvation
Daniel Gildenlöw
Johan Hallgren
Kristoffer Gildenlöw
Fredrik Hermansson
Johan Langell

O DVD tem material extra? Há alguma coisa dos outros álbuns nele?
Há bastante bônus no DVD, material bem especial para nós e certamente para os nossos fãs. Sobre músicas de outros álbuns, depois de muita conversa chegamos a um consenso de que não seria correto incluir qualquer coisa que não fosse estritamente do Be. Sei que é algo um pouco diferente daquilo que usualmente temos, principalmente no meio do metal progressivo. Geralmente lançamentos assim cobrem quase toda a carreira de uma banda, e no nosso caso está sendo retratado um momento bem específico. Porém, a complexidade de Be pede algo assim, particular, totalmente dedicado a ele. Tanto é que o DVD tem, de fato, uma longa duração e muitos detalhes. A quantidade e a qualidade do material são as mesmas caso resolvêssemos abordar todo o restante da nossa carreira.

Bem, mas os fãs vêm esperando por um registro ao vivo do Pain of Salvation e extras de todos os outros álbuns da banda. Vocês têm planos em relação a isso?
Sim, sabemos que há essa demanda e também queremos que os fãs tenham acesso a todo esse material. Vimos discutindo isso já há algum tempo, então estamos buscando a melhor maneira de juntar o que temos para fazer um produto de excelente nível, não apenas com registros ao vivo e um set list completo, mas também com os videoclipes, faixas bônus que lançamos no Japão e coisas raras do Pain of Salvation. Espero que consigamos achar uma boa fórmula de adir tudo isso, mas tenha certeza de que quando o fizermos será o melhor possível, com gravações acuradas e alta qualidade. Não queremos lançar qualquer coisa que esteja abaixo daquilo que os fãs merecem.

Voltando a Be, muitas pessoas encontraram dificuldades para entender todo o conceito. Como foi o desenvolvimento da tese que você defende durante o disco? Você mudaria alguma coisa depois de ver essas dificuldades de compreensão da mensagem que queria passar?
O problema do conceito é que só consegui fazê-lo aumentar (risos), pois trata basicamente de tudo, falando do ser. Não há realmente limites para o desenvolvimento de ideias. É um tratado complexo sobre nós mesmos e traz minhas concepções, reflexões e pensamentos desde muito novo, embasadas em leituras diversas e tantas outras referências, é claro. É difícil digerir Be nas primeiras audições, mas acho que com o tempo tudo fica mais claro e compreensível. Haveria mais detalhes a serem adicionados no disco, mas nem todos os esforços do mundo seriam capazes de torná-lo mais acessível. Às vezes ele se assemelha ao trailer de um filme nunca feito. É um tema complicado, e gerar dúvidas e fazer com que as pessoas indaguem são alguns dos objetivos, mesmo.

A ideia de desenvolver um conceito tão filosófico e colocá-lo no meio musical é extremamente interessante, e considero Be muito bem-sucedido por isso. No entanto, há um risco em envolver filosofia e música. Você tinha consciência disso e do desafio ao qual estava se propondo ao começar a trilhar esse caminho?
Certamente eu sabia que era um desafio muito grande, difícil de encarar. Porém, preferi evitar pensar dessa forma, pois não conseguiria desenvolver nada, ficaria completamente travado. Venho construindo o conceito do álbum desde os meus quinze ou dezesseis anos e, agora mais maduro, precisava desenvolvê-lo completamente e lançá-lo. É a maneira como trabalho. Se eu parasse para pensar no tamanho do desafio, em todas as dificuldades que teria pela frente ou no quão grande o conceito se tornaria, não conseguiria muita coisa. Uma vez envolvido na história, não tinha mais como sair, e achei ótimo quando isso aconteceu em Be. Seria ridículo se eu escolhesse um tema qualquer, que simplesmente não me motiva, e gravasse algumas músicas. Definitivamente esta não é a via, e o resultado seria péssimo. Preciso sempre trabalhar tópicos que mexem comigo, e para fazer isso é necessário determinação, é necessário partir de um pequeno ponto para chegar a algo maior. Além disso, dentro dos grandes temas que pensamos desde o nosso primeiro álbum, conseguimos encontrar espaço também para tratar e refletir sobre vários outros assuntos menores. É possível desenvolver dois conceitos lado a lado. Pode-se perceber isso acompanhando nossa trajetória.

Pensando nessa trajetória do Pain of Salvation e nas conversas que tivemos, lembro de você comentar uma vez que quando compôs Ashes achou que aquilo seria um suicídio para a banda dentro da cena progressiva, pela simplicidade da música, o uso de três acordes et cetera. Porém, no fim das contas, exatamente aquela música e The Perfect Element Part I (2000) foram os pontos de partida para um sucesso maior, porque trouxeram muitos fãs para o grupo. Agora que você realmente investiu em algo complexo, tem recebido talvez as mais duras críticas da história do Pain of Salvation. É bastante contraditório por parte da imprensa e do meio progressivo, não?
A imprensa é muitas vezes previsível demais, o que é bastante triste. Pessoalmente, gosto muito de novidades, de encarar algo novo. Porém, normalmente não é isso que acontece no meio progressivo. Há um discurso discutível de se querer uma música complexa, bem feita e inovadora, mas se você mostra algo que não seja familiar, pronto, já tem um problema. Manter a rotina é o que as pessoas parecem de fato querer, e às vezes a complexidade assusta e faz com que elas o chamem de pretensioso e coisas assim. Ashes tinha realmente um lado ousado, mas é uma música simples, fácil para os ouvidos de quem diz querer complexidade. De qualquer maneira, posso dizer que estou bastante feliz com a resposta dos fãs a Be, e também com a resposta de muitos jornalistas. É interessante quando você nota que a pessoa se engaja em entender o que foi feito pelo grupo. Não gosto muito dessa expressão, mas me parece que Be é daqueles álbuns que as pessoas amam ou odeiam. Foi o nosso disco mais vezes eleito como álbum do mês e do ano em revistas especializadas, mas, ao mesmo tempo, aquele que recebeu as mais duras críticas. Posso dizer que estas últimas vieram especialmente da mente pequena de algumas pessoas do progressivo. A única coisa que posso dizer é que, musicalmente, é o melhor álbum que já fizemos. Definitivamente.


Durante o processo de composição, você pensava em como as pessoas receberiam a mensagem do disco? Quais são seus principais objetivos no que se refere a atingir o público?
Os objetivos são aqueles que geralmente o nosso próprio público já faz: refletir, pensar sobre suas próprias vidas e existências. Quanto à mensagem, é complicado pensar em como as pessoas vão receber o que tentamos passar. Às vezes, as reações quanto a ser um bom disco ou não são mais previsíveis, mas em termos da mensagem é uma missão quase impossível. Especialmente em Be, o conceito mais trabalhado que tivemos até hoje, não é possível tirar uma única mensagem, por mais que algo se destaque. Há muitas ideias e perspectivas desenvolvidas, e cada um as recebe à sua maneira, a partir de suas próprias experiências de vida. As conclusões têm de ser pessoais, assim como os significados dados ao álbum. Mas se você me perguntar em qual ponto quero chegar com tantas indagações, direi simplesmente que no disco tento colocar que todos nós estamos errados (risos). Isso não é novidade, nenhuma grande revelação, mas tento expressar isso claramente, provando o que defendo ao questionar a nossa visão da realidade. Há sempre algo que não conseguimos alcançar, independentemente de avanços científicos ou de pensamentos bem estruturados. Irrito-me especialmente com o dualismo do bem e do mal. Isso nos traz sérias consequências. Você pode ver um objeto em forma circular, mas dependendo do ângulo outra pessoa o verá como um retângulo. Ambas as visões são corretas, mas vivemos na necessidade de atestar que aquilo é um círculo ou então um quadrado, quando na verdade pode ser os dois ao mesmo tempo.

Isso vem muito das religiões existentes e até mesmo da ciência.
Sim, e nenhuma delas conseguirá em momento algum definir e comunicar a verdade completa. Deveríamos ser mais cuidadosos ao chegar para outra pessoa e dizer que ela está errada, e é isso que tento trazer com Be. Uma maneira mais suave de dizer que todos estamos errados, que não conseguimos alcançar o todo, por mais que lutemos. Se é que há uma verdade, estamos muito distantes dela para segregar comportamentos ou falar o que uma pessoa deve fazer ou no que está errando. Há limites em nossa percepção como humanos. Como tempo nos acostumamos a jogar pedras em todas as religiões, mas, com a chamada evolução, a grande religião de nosso tempo ganhou outro nome. Hoje clamamos por ela como a qualquer outro Deus, mas não a chamamos de religião. A ciência, pura e simples, apareceu nesse lugar.

E como você observa essa tomada de lugar da ciência sobre as religiões?
A ciência traz algo positivo para nós, pois nos faz indagar, checar, investigar mais detalhadamente. Ela tenta clarear e embasar os estudos, mas é exatamente este o ponto negativo. Levantamos uma série de questões sobre isso, principalmente como indivíduos. Para cada coisa que achamos, a ciência surge para provar que estamos errados. É uma verdadeira invasão de privacidade, e isso pode causar muitos danos. Inclusive, um deles é a ciência e a tecnologia tomarem o lugar da religião como uma verdade que não pode ser batida. Hoje você compra um celular, e amanhã lhe dizem que ele dá câncer, então você o joga pela janela. Você se transforma num robô comandado exatamente como antes, no louvor extremista das religiões. É como na sua adolescência, quando você defende ardorosamente suas ideias e se recusa a aceitar qualquer outro ponto de vista. Posteriormente, percebe que isso é estúpido. Suas noções singulares se mantêm, mas você chega aos vinte, trinta anos e vê o quão importante podem ser outras perspectivas, até para seu próprio crescimento. Mas é o mundo em que vivemos, e nossos comportamentos também não escapam muito disso. Temos aí a maior país do mundo, os Estados Unidos, se comportando como uma nação de adolescentes. Da mesma forma, a ciência às vezes parece ser uma religião adolescente. É um período muito instável na história da humanidade.

Um dos pontos de grande destaque em Be é Vocari Dei, com todas aquelas pessoas enviando mensagens a Deus, mas sem receber qualquer resposta, e cada uma se apresenta de uma maneira. Como foi a gravação da música e das mensagens?
Eu gostaria de retratar em Vocari Dei a relação dos seres humanos com qualquer tipo de entidade maior. Neste caso específico, Deus. Tive a ideia de colocar numa secretária eletrônica um determinado número de telefone, depois pedi às pessoas que se dispusessem a ligar para falar do fundo de seus corações aquilo que realmente sentiam. Como resultado, você pode ouvir mensagens que variam do mais profundo desespero a outras até engraçadas. Eu não conhecia nenhuma das pessoas que participaram, e não olhamos os nomes ou telefones para selecionar quais gravações colocaríamos. Somente pegaríamos aquelas que nos tocassem mais, que tivessem um lado emotivo forte, seja jocoso ou doloroso. Hoje conheço duas das pessoas que ligaram. Uma delas é do nosso fã-clube grego.

É uma das constatações mais poderosas que já vi e ouvi das relações dos seres humanos com Deus.
Fico feliz que você pense assim. Queríamos retratar isso. A religião não precisa ser essencialmente algo ruim. Às vezes temos de acreditar intensamente mesmo no que não vemos, e isso nunca pode ser considerado errado. Pelo contrário, é preciso acreditar muito em alguma coisa, e para muitas pessoas essa crença está ligada a Deus. Não vejo problema algum nisso. Só precisamos respeitar.

Nas primeiras audições de Be, devo admitir que me choquei um pouco. Tive a impressão de que você se afastava um pouco do conceito, não deixava que ele sangrasse. Diferentemente do que aconteceu em Remedy Lane (2002), uma autobiografia em que a sua vida e seus sentimentos se faziam presentes mais intensamente.
Entendo o que você quer dizer, e Be e Remedy Lane são de fato álbuns bem diferentes nesse sentido. Porém, talvez eu esteja muito mais envolvido neste conceito do que você imagina, pois passei muito tempo trabalhando e pensando nele. Nunca adentrei tão profundamente em qualquer outro assunto. Certamente, não é tão particular e íntimo quanto Remedy Lane, mas a verdade é que não é possível fazer isso todo o tempo, e eu queria experimentar outras possibilidades. Você está envolvido em qualquer coisa que faça, e talvez não haja razão para desenvolver conceitos íntimos o tempo inteiro. De qualquer forma, musical e pessoalmente, Be é um conjunto de tudo o que aprendemos nestes anos de banda.

Outro ponto polêmico em Be, especialmente para os brasileiros, foi a inclusão na bibliografia de um livro de Paulo Coelho. Não sei como a obra dele é vista no exterior, mas aqui no Brasil há muitas controvérsias em relação aos escritos dele.
Fiquei sabendo disso por mensagens de fãs brasileiros. Na verdade, a primeira coisa que chamou a minha atenção no livro “Veronika decide morrer” foi o próprio título, e também já conhecia Paulo Coelho de nome. Gosto do livro, acredito que lida com a religião numa via bastante dolorosa. Porém, não sei muito o que dizer sobre o autor, pois li também outra obra dele, “Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei”, e este é realmente péssimo. Acho que posso compreender as controvérsias sobre os trabalhos dele (risos), mas o que gosto em “Veronika decide morrer” é a maneira como ele aborda a vontade ou a falta de vontade para continuar a vida. Aquilo me tocou bastante. Pensei muito em como podemos nos constituir como seres autodestrutivos. É interessante como aqui na Europa gastamos uma quantia absurda de dinheiro com o trânsito, e as estatísticas nos dizem que os acidentes vêm diminuindo a cada ano, assim como engarrafamentos. No entanto, não pensamos na quantidade imensa de suicídios, que só vem crescendo. A saúde mental dos seres humanos é algo preocupante.

O que você pensa da eutanásia, que atualmente vem sendo tão discutida?
É um assunto muito difícil de tratar. É claro que cada um faz o que quer de sua própria vida. Por outro lado, quando você decide que não quer viver mais, deve considerar outras circunstâncias, pois provavelmente não está vendo as coisas de maneira muito clara. As situações variam bastante e são diferentes caso a caso. Não podemos comparar a decisão pela eutanásia de um jovem de vinte anos à de uma pessoa de oitenta e cinco anos diagnosticada com um câncer, com o qual vai sofrer por três anos ou mais. Quando você comete suicídio deixa muitas pessoas para trás. No fim das contas, a decisão não é apenas por sua vida, pois envolve tantas outras pessoas. Tive muitos amigos realmente próximos que se mataram, e mal sabem eles como afetaram nossas vidas com isso. Não existe certo ou errado nessa situação, mas creio que é preciso pensar muito nisso antes de tomar qualquer decisão que pode tirar a única coisa que temos.

Algumas letras de Remedy Lane assustam até pela forma como você trata de sua própria vida, como fala das situações que viveu et cetera. Como foi o efeito deste álbum nas suas relações com as pessoas envolvidas no conceito, especialmente sua mulher?
Naquela época eu queria muito repassar profundamente várias fases e momentos marcantes da minha vida. Tive diversas crises pessoais, passei por períodos difíceis. Porém, não poderia expor tanto as pessoas envolvidas na minha história. Havia uma grande responsabilidade sobre meus ombros. Foi difícil achar um ponto para falar de coisas tão íntimas sem magoar ou ferir aqueles que estão próximos de mim, especialmente minha mulher, que está sempre presente em Remedy Lane. Tive que trabalhar bastante nisso. As histórias são reais, os personagens também, mas de alguma forma estes ganharam uma coloração diferente, um escudo. Trouxe experiências e características da vida de outras pessoas, parentes e amigos próximos e distantes. Montei alguns personagens pensando nos outros ao meu redor, consegui desenvolver um conceito que fala de períodos da minha vida em que me sentia muito perdido até uma fase em que pensei ter me encontrado. Por ser tão íntimo e próximo da realidade, o processo de composição de Remedy Lane foi bastante complicado.


E qual foi o efeito para você, depois de o disco ter sido feito e lançado?
Tudo é capaz de transformar sua vida. Quando trabalhamos com discos conceituais, estamos sempre em busca de respostas, explicações para o que não compreendemos. Naquele álbum em especial, a busca e a restauração de mim mesmo. Então, Remedy Lane teve um efeito na minha maneira de pensar em quem sou e como sou, e também no modo como vejo e analiso o mundo. Mas não ao ponto de ter mudado a direção das coisas ou minha personalidade.

Uma das melhores músicas que ouvi nos últimos anos foi a versão acústica para Ashes, presente em 12:5 (2004). Às vezes você soa como um cantor de blues, em outras, mais romântico. Como foi possível chegar a essa interpretação para uma composição tão carregada e obscura?
Na preparação para 12:5, antes mesmo de ensaiarmos juntos, estávamos pensando em arranjos diferentes para as músicas, em elementos que poderíamos acrescentar, uso de afinações diferentes, instrumentos que combinariam melhor com o acústico, entre outras coisas. Algumas versões estavam muito estranhas, e tivemos que repensar várias delas até chegarmos àquelas que queríamos e que você ouve no disco. Quando nos reunimos para ensaiar, ficamos surpresos com tudo o que tínhamos. As releituras estavam muito ricas, e pensamos naquelas variações em Ashes exatamente por ser uma música muito sombria. Além disso, as letras não possibilitam que ela deixe de ter um conteúdo depressivo, violento, sexual. A combinação soa inusitada, e a versão que gravamos para 12:5 chega a ser fantasmagórica por causa da leveza. É como estar frente a frente com um serial killer sorrindo para você.

Ficou ainda mais dura de se ouvir, pois chega a conter um certo cinismo, não?
Sim, exatamente, e adorei aquilo. No entanto, depois que gravamos 12:5 recebi alguns e-mails de pessoas dizendo que realmente amaram o álbum, mas que eu nunca mais deveria cantar Ashes daquela forma (risos). Se você pensar que estamos zombando da música, pode ficar irritado, e com razão. Porém, não foi isso que fizemos. Particularmente, também gosto demais desse novo arranjo. Depende da maneira como cada um lê e ouve a música.

Você é agora um membro fixo do Flower Kings, certo? Como isso aconteceu?
Tudo começou com o baixista da banda, Jonas Reingold, com quem mantenho contato há alguns anos. Ele ficou sabendo que o Transatlantic precisava de um músico que tocasse vários instrumentos e também pudesse cantar durante a turnê, então pensou em mim. Na verdade, ele não fez apenas isso. Também me indicou para os membros do Transatlantic, que conta com Roine Stolt, líder do Flower Kings. Parece que ele gostou do que fiz na turnê europeia, assim me chamou para participar também da turnê de sua banda, de um álbum de estúdio, posteriormente de uma nova turnê e, depois, de outro álbum. E assim foi, uma coisa levando a outra. É ótimo estar nessa banda. Fico no centro de tudo no Pain of Salvation, então é excelente ver as coisas por um outro lado, não ser o principal compositor, como acontece no Flower Kings. E é um grupo de músicos verdadeiramente monstruosos.

E sobre o Transatlantic? O que você nos diria da experiência de excursionar e gravar um ao vivo com o megaprojeto?
O Transatlantic também foi algo muito especial. Fiquei um pouco ansioso antes da turnê, pois não tive tempo de ensaiar direito, já que o Pain of Salvation estava gravando um álbum naquela época. E não conhecia os músicos, apenas os tinha visto uma ou duas vezes antes. De toda forma, deu tudo certo ao vivo. Eu olhava para o palco e me via acompanhado por dois caras que fizeram parte da minha vida por um longo período. Primeiramente, Pete Trewavas, já que por muito tempo ouvi incessantemente o Clutching at Straws, do Marillion. Depois, Mike Portnoy, que havia me impressionado com Images and Words, álbum que ficou uns dois anos direto no meu CD Player. São músicos que marcaram um certo período da minha vida, e de repente me vi ao lado de ambos. Foi sensacional.

Um momento turbulento em sua carreira foi no O.S.I, um projeto também envolvendo Mike Portnoy. A amizade de vocês saiu afetada? Como foi tudo aquilo para você?
Nada mudou na minha relação com Mike Portnoy, e ele não teve qualquer culpa no que aconteceu. Na verdade, a ideia de que eu cantasse no O.S.I. partiu dele, assim como no Hammer of the Gods (N.E.: tributo ao Led Zeppelin criado por Portnoy e que contava também com Paul Gilbert, do Mr. Big, e Dave LaRue, do Dixie Dregs). Eis o que de fato ocorreu: no projeto original eu cantaria junto com Kevin Moore. Nós dois dividiríamos os vocais, então enviei uma mensagem para o Jim Matheos, guitarrista do Fates Warning e idealizador do O.S.I., dizendo que nunca havia trabalhado com Kevin, mas pelo que conhecia do dele sabia que certamente teríamos um contraste interessante nas vocalizações. Trocamos alguns emails e só. Não posso dizer que ele é uma pessoa ruim ou qualquer coisa assim, somente preferiu que eu não participasse do disco. Em certo momento, acredito eu, ele deve ter pensado: “Bem, eu conheço Kevin Moore, que também estará envolvido na produção. Por outro lado, nunca trabalhei com este tal de Daniel e não sei no que vai dar”. Se eu fosse ele, o que definitivamente não sou, talvez fizesse a mesma escolha. O que realmente me irritou é que fui avisado de que não estaria mais no projeto dois dias antes da minha viagem a Nova York, onde gravaríamos tudo. Passei um longo tempo me preparando e trabalhando no material, mas no último instante recebi a notícia de que estava fora. Aquilo realmente me deixou puto. Não costumo ser tratado assim ou tratar qualquer pessoa dessa maneira.

Daniel, gostaria de agradecer pela entrevista e deixar o espaço final para você. o Brasil vem esperando pelo Pain of Salvation há muito tempo, e já está na hora de vocês tocarem aqui…
Nós recebemos muitas mensagens de toda a América do Sul, especialmente do Brasil, mas é terrível não termos a oportunidade de conhecê-los e de tocar para vocês. Podemos ter milhares de fãs aí, mas apenas uma dúzia que adora mandar e-mails (risos). Falando sério agora, acertar uma turnê é sempre difícil, mas queremos muito tocar no Brasil. Particularmente, mesmo se não tivesse o Pain of Salvation, eu gostaria de visitar o seu país, de conhecer mais a sua cultura. No entanto, o fato é que tenho uma banda e agora queremos ir ao Brasil e tocar nossa música ao vivo para os fãs que mais nos dão apoio em todo o mundo. Espero que isso possa acontecer ainda este ano. Se não for possível, tenha certeza de que continuaremos insistindo. Muito obrigado por tudo. Sou grato a todos os nossos fãs brasileiros.

A entrevista foi realizada em março de 2005 e publicada no número 4 da Disconnected, em abril do mesmo ano. E foi um trabalho a quatro mãos: pauta feita em conjunto por mim e Thiago Sarkis, que conduziu o papo com Daniel Gildenlöw e depois fez a transcrição. Em vez de eu usar aqui exatamente o que entrou nas páginas da revista – foram quatro, uma vez que a banda dividiu a capa com o Shaaman (à época com o “a” dobrado) –, peguei o arquivo original para uma nova revisão e edição. Usei apenas o abre original, mas a conversa está na íntegra. Um aquecimento para os shows que o Pain of Salvation fará em abril no Brasil: Rio de Janeiro (26), Belo Horizonte (27), Limeira (28) e São Paulo (29).

entrevista-Thalion-2004

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Não é necessário ser um daqueles fãs que diariamente visitam os melhores sites brasileiros de heavy metal ou que mensalmente compram ao menos uma das principais revistas especializadas. Nos últimos cinco meses, o nome Thalion esteve em banners na internet e na contracapa das edições da sua publicação predileta. Assim, foi impossível ficar indiferente ao grupo paulista, que lançou seu primeiro CD, o conceitual Another Sun. Se não deu para vencer a curiosidade, se o disco não frequentou seu aparelho de som uma vez sequer, então também não houve como esconder a surpresa. Por trás de todo o forte marketing e de convidados especiais, encontra-se uma banda em busca de maturidade sob a produção impecável de Philip Colodetti (Rhapsody e Shaman), os arranjos de Miro (Aina) e os teclados de Fábio Laguna (Angra). Além disso, a soberba participação de Michael Kiske (SupaRed, ex-Helloween) também foi um achado para cinco músicos com média de idade de 19 anos.

Alexandra Liambos (vocal, 18 anos), Rodrigo Vinhas (guitarra, 19), Fábio Russo (guitarra, 21), David Shalom (baixo, 19) e Giancarlo Scairato (bateria, 20) são mais uma surpresa no cenário brasileiro, que vem mesmo dando ao mundo bandas de rock pesado de talento. No caso do Thalion, principalmente por todo o profissionalismo que o cerca, certamente uma das maiores revelações do metal nacional nos últimos três anos. No fim das contas, os elogios têm chegado com muita facilidade à banda e, claro, são muito bem-recebidos. “Ficamos felizes com esse tipo de comentário, pois sempre nos esforçamos muito e trabalhamos de maneira profissional. É gratificante poder mostrar nosso trabalho e saber que tantas pessoas acreditam em nós”, diz o principal compositor do grupo, Rodrigo Vinhas, que ressalta o papel da gravadora, da assessora de imprensa e da empresária. “Somos bem assessorados, e isso nos permite uma preocupação exclusiva com a música.”

Alexandra Liambos, que entrou no Thalion quando tinha apenas 15 anos, em 2001, ressalta que a hora é de colher os frutos, mas que apenas o primeiro passo foi dado. “A repercussão foi uma grande surpresa para nós, mas também uma recompensa a um trabalho de quase dois anos e meio. Estamos curtindo esse reconhecimento, apesar de ainda estarmos no começo.” E o resultado em Another Sun é dividido com todos aqueles, como bem lembra Rodrigo. “Foi difícil chegar a esse resultado, pois exigiu muito empenho de todos os profissionais envolvidos. O time que trabalhou no disco estava em sintonia e empenhado para que tudo desse certo.”


O álbum conta a história da menina Liv, que perde a mãe aos 6 anos. A ausência da principal referência durante sua formação acaba sendo uma metáfora, segundo Rodrigo. “Há vários paralelos com a história da minha vida e, na minha opinião, com a vida de qualquer adolescente. A perda é uma mudança muito brusca na vida da Liv, e as letras vão contando tudo de uma forma subjetiva, como ela reage à mudança, desde o momento em que perde a esperança no primeiro capítulo da história, que é Life is Poetry, e o longo caminho até recuperar seus sonhos.”

O guitarrista, aliás, explica por que a ordem das faixas não bate com a cronologia da história. “O começo é triste, e não queríamos começar o disco com uma balada. Assim, colocamos as músicas na ordem que desejávamos ouvir, mas as pessoas que quiserem acompanhar a história podem seguir a cronologia que está na contracapa do álbum.” Rodrigo compôs o disco praticamente sozinho, contando com a ajuda de Fábio Russo e de Alexandra na música e na letra de The Journey, respectivamente, e a vocalista conta como foi sua participação. “Como a história já estava pronta, e cada música é um capítulo, não entramos tanto na composição das letras. Mas acho que consegui passar para o público exatamente o que o Rodrigo tinha imaginado para The Journey. Foi uma grande experiência, e espero que no próximo disco eu tenha a oportunidade de escrever mais”, diz ela, que teve maior presença também em Follow the Way, Show Me the Answers e Life is Poetry. “Foi um pouco trabalhoso, mas bem divertido. Na verdade, eu, o Rodrigo e o Fábio Laguna escrevemos os backings e os coros das três. As melodias foram compostas mesmo pelo Rodrigo, mas na pré-produção eu e o Philip mudamos algumas partes. No geral, acho que elas se encaixaram muito bem à minha voz.”

Como nem tudo são flores, o aspecto negativo em Another Sun atende pela influência do saturado metal melódico, principalmente nas músicas mais rápidas, em que os incansáveis dois bumbos costumam roubar a inspiração das guitarras para produzir riffs. Ainda assim, Rodrigo lembra que não se preocupou em seguir determinado padrão na hora de compor. “Apenas escrevo as músicas de acordo com o que sinto, passei ou presenciei. Claro que temos de fazer algo coerente, mas acredito que não ficamos muito limitados a músicas típicas desse rótulo. É um disco de heavy metal aberto a influências diversas.”


“Não vejo o Thalion preso a algum estilo específico. Acho que em nossa música existem influências de diversos estilos, entre eles metal melódico, hard rock, metal tradicional e também muito progressivo, principalmente na cozinha”, diz Alexandra, referindo-se às partes quebradas típicas do prog metal. Ao lado da preocupação com o peso, é um dos pontos positivos de Another Sun. Rodrigo, inclusive, revela ser fã de bandas mais pesadas e extremas, como Arch Enemy, In Flames, Soilwork e Children of Bodom. “Acredito que o heavy metal esteja se misturando novamente, e esse lance de rótulos logo vai cair, porque o estilo ganhará mais força como uma unidade. Essas bandas mais pesadas estão usando coisas mais melódicas, e as bandas mais melódicas, como nós, por exemplo, estão ficando cada vez mais pesadas”, diz o guitarrista. “Nos últimos anos, as bandas de metal melódico e as bandas de metal em geral têm se tornado mais agressivas. É uma evolução natural, e vejo isso de forma positiva”, completa Alexandra.

Falando do próprio trabalho, os dois músicos revelam suas favoritas. “Another Sun, Follow the Way e The Encounter”, afirma o guitarrista. “Eu gosto muito de Wait for Tomorrow, porque que se encaixa perfeitamente à minha voz; The Journey, que tem um estilo mais parecido com meu gosto pessoal; e The Encounter, por ser um pouco mais complexa, além de eu ter tido a chance de cantar com o Michael Kiske”, diz a vocalista. E chegamos assim a um dos pontos altos de Another Sun, o dueto de Alexandra com Kiske. “Foi muito legal o Kiske ter gostado da música e aceitado nosso convite. Além disso, o Andre (Matos, vocalista do Shaman) também vai participar, cantando a faixa bônus que será lançada na versão japonesa do álbum. Eu tinha outras pessoas em mente, mas as primeiras opções sempre foram os dois”, conta Rodrigo. Já Alexandra não esconde a felicidade por ter feito um trabalho com um dos melhores vocalistas de todos os tempos, e ainda revela alguns desejos. “Foi uma honra poder cantar com o Kiske, que sempre foi um grande ídolo. Se eu tivesse a chance, gostaria também de cantar uma música com Jørn Lande (Masterplan), David Coverdale (Whitesnake) ou Bruce Dickinson (Iron Maiden).”

Já fazendo shows pelo Brasil – o Thalion abriu para o Primal Fear em São Paulo e Belo Horizonte, fez algumas apresentações com o Shaman e toca no Rio de Janeiro no dia 20 de agosto, no Ballroom –, os dois dão o recado final. “Gostaria de agradecer a todos que acompanharam esta entrevista. Um abraço! Nos vemos na turnê!”, diz Rodrigo. “Muito obrigada pelo convite e pelo espaço. Espero ver todos os fãs do Thalion nos shows! Um grande beijo”, finaliza Alexandra.

Entrevista publicada na edição 104 do International Magazine, em juho de 2004.

Gene Simmons – Asshole

Por Daniel Dutra | Fotos: Reprodução

Quando Peter Criss anunciou em 1978 seu desejo de sair do KISS para gravar um disco solo, os outros três integrantes resolveram fazer o mesmo, evitando temporariamente a primeira mudança de formação de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. Assim, Paul Stanley (vocal e guitarra), Gene Simmons (vocal e baixo), Ace Frehley (guitarra e vocal) e o batera não abandonaram as famosas maquiagens e lançaram seus trabalhos dando vazão a influências particulares e diversas. O álbum de Criss foi um fiasco de crítica e público, enquanto os de Stanley e Frehley foram aclamados e bem-sucedidos. Quanto a Simmons… Bem, o disco tinha ao mesmo tempo Cher (Living in Sin) e o guitarrista do Aerosmith Joe Perry (Radioactive e Tunnel of Love); Donna Summer dando um ataque histérico ao telefone em Burning Up With Fever; e uma regravação da música favorita do baixista, When You Wish Upon a Star, tema do desenho “Pinóquio”, da Disney.

Vinte seis anos depois, Tommy Thayer e Eric Singer estão encarnando os personagens de Frehley e Criss, respectivamente, e o KISS encontra-se numa turnê de despedida que não acaba nunca. Ao mesmo tempo, Simmons resolveu gravar seu segundo álbum solo, que chamar-se-ia “Firestarter”, depois mudou para “Dog” e, no fim das contas, chegou às lojas como Asshole. Não dá mesmo para levar o linguarudo a sério. Independentemente das jogadas de marketing – diga-se de passagem, a capa traz Simmons rodeado de mulheres de todos os tipos: louras, morenas, ruivas, feias, bonitas, ninfetas, magras, gordas, modelos com corpo escultural… –, na hora de avaliar o conteúdo (leia-se música) o resultado é decepcionante. Asshole tem pouca coisa boa e acaba não escapando do carimbo de um dos piores discos do ano, isso, claro, levando em consideração a turma de convidados sob a batuta de um sujeito que já compôs verdadeiros hinos do rock.


Independentemente das jogadas de marketing – diga-se de passagem, a capa traz Simmons rodeado de mulheres de todos os tipos: louras, morenas, ruivas, feias, bonitas, ninfetas, magras, gordas, modelos com corpo escultural… –, na hora de avaliar o conteúdo (leia-se música) o resultado é decepcionante. Asshole tem pouca coisa boa e acaba não escapando do carimbo de um dos piores discos do ano, isso, claro, levando em consideração a turma de convidados sob a batuta de um sujeito que já compôs verdadeiros hinos do rock.

O CD abre bem com Sweet & Dirty Love, que conta com a participação de Singer na bateria e não esconde a veia rock’n’roll de Simmons, que caprichou num riff empolgante. Não à toa, foi escrita em 1977, época em que o KISS estava no auge, mas inexplicavelmente ficou fora dos discos da banda. É a melhor das 13 músicas e, por isso mesmo, merecia uma sequência à altura. Firestarter, cover do Prodigy com Dave Navarro (ex-Jane’s Addiction e Red Hot Chili Peppers) na guitarra, nem ficou tão ruim se comparada às outras faixas, mas é desnecessária.

A pesada Weapons of Mass Destruction – “escrita antes de os Estados Unidos invadirem o Iraque e a discussão virar clichê”, garante Simmons – faz parte do grupo das mais interessantes, além de trazer um ótimo solo do ex-guitarrista do KISS Bruce Kulick, que mostrar ter um quesito fundamental a qualquer músico: identidade própria. Você ouve e sabe que é ele tocando. O mesmo acontece na igualmente pesada Carnival of Souls, sobra de Carnival of Souls (1997), registro derradeiro do Kiss com Simmons, Stanley, Singer e Kulick. Nela, o show é do extraordinário Richie Kotzen.


Pronto, temos apenas três músicas realmente relevantes. Até dá para aturar a descompromissada Whatever Turns You on, que conta nos backing vocals com Shannon Tweed, ex-playmate que vive com Simmons e é mãe de seus dois filhos; e Now That You’re Gone, com a herdeira Sophie Tweed Simmons nos backings – o outro rebento, Nick, participa em Carnival of Souls. Pronto, pois o resto é sofrível, a começar pela horrorosa Waiting for the Morning Light, cuja letra foi escrita em parceria com Bob Dylan anos atrás, e pela ridícula 1,000 Dreams e seu ritmo havaiano.

A faixa-título, composta pelo Shirleys Temple, banda norueguesa que enviou uma fita demo a Simmons Records, nada mais é do que trilha sonora para filmes do tipo “American Pie”. Por outro lado, Beautiful, Dog e If I Had a Gun são pop rock da pior qualidade. Para completar, o baixista aproveitou algumas ideias trabalhadas com Frank Zappa e gravou Black Tongue. A música conta com trechos da voz de Zappa e solos até então inéditos do saudoso músico ao lado de alguns novos feitos por seu filho Dweezil. Black Tongue nem é de todo ruim, mas fico imaginando se Zappa liberaria parte de sua obra, mesmo que ínfima, para figurar num disco como Asshole.

Resenha publicada na edição 104 do International Magazine, em juho de 2004.

James LaBrie: vida além do Dream Theater

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação e Reprodução

O vocalista do Dream Theater, James LaBrie, é tão incansável quanto seus companheiros e, assim como eles, apesar de tecnicamente ser o nome menos expressivo da banda, tem feito trabalhos paralelos melhores que os últimos discos do quinteto – vide o fraco Train of Thought (clique aqui para ler a resenha). Enquanto não lança o terceiro CD do Mullmuzzzler, LaBrie vem participando de álbuns de outros artistas e, assim, faz com que eles chamem atenção justamente por isso. Como o primeiro disco do Frameshift, Unweaving the Rainbow, e o terceiro do guitarrista Tim Donahue, Madmen and Sinners.

Pontos fracos expostos no Frameshift

Ao mesmo tempo em que é o principal atrativo de Unweaving the Rainbow, LaBrie consegue despejar todos os aspectos negativos de sua voz e interpretação no projeto capitaneado pelo multi-instrumentista Henning Pauly, que assumiu quase todas as guitarras, baixos e teclados – Nick Guadagnoli (guitarra e baixo) e Shawn Gordon (teclados) aparecem vez ou outra – e também contou com a ajuda do eficiente batera Eddie Marvin. O Frameshift aposta na fusão entre o heavy metal e o rock progressivo, mas é menos pesado que a maioria dos grupos de prog metal, apesar de não escapar da linha conceitual – as letras são baseadas nos livros de Richard Dawkins, que segue os passos do cientista inglês Charles Darwin (1809-1882) e sua Teoria da Evolução pela seleção natural.


Tudo muito legal, mas pena que quase vai por água abaixo com o vocalista. Above the Grass – Part 1 abre o CD a violão e voz, mas LaBrie irrita ao soar como o ex-RPM Paulo Ricardo. Claro, isso não é um elogio. Como não é toda hora que isso acontece, vale escutar Nice Guys Finish First, que tem numa levada contagiante e backing vocals à la Queen; Off the Ground, com ótima linha de baixo e um quê de Marillion; e a excelente Arms Races, canção menos acessível do CD: instrumental perfeito e muitas mudanças de tempo.

Peso de Madmen and Sinners leva vantagem

Tim Donahue, por sua vez, só precisou mesmo de LaBrie e do extraordinário baterista Mike Mangini (ex-Extreme, Steve Vai e Annihilator). Ou seja, tomou conta de todo o restante, puxou mais para o lado heavy metal das coisa e fez um excelente disco. Não poderia ser diferente com uma música de abertura como a pesada Million Miles, com um ótimo trabalho de Mangini nos dois bumbos e a prova de que, apesar de virtuoso, Donahue não fez um disco para guitarristas.


Os solos em My Heart Bleeds (ótimos riffs, é bom ressaltar) e Feel My Pain são muito bons, porém curtos. Donahue só foi mesmo mostrar mais trabalho na excelente faixa-título, mas ainda assim abusando dos efeitos em detrimento das muitas notas por segundo. Ponto para ele, mas há outros detalhes relevantes em Madmen and Sinners, incluindo a balada Master of the Mind. Simples, com violão, teclados e a voz de LaBrie, enfim, passando ao largo da baba.

Além disso, o disco inclui até mesmo canto gregoriano em Morte et Dabo (a saber, “The Gift of Death”), que dá passagem a uma das melhores músicas do álbum. Arrastada e com um clima de gothic rock no início, Children of the Flame é um momento de grande inspiração de Donahue como compositor. Mas é claro que não estamos diante de um disco simples – ou reto, como queiram. As já citadas Million Miles, Feel My Pain e Madmen and Sinners trazem um instrumental muitas vezes intrincado, apesar de a guitarra não ficar em primeiro plano. Madmen and Sinners seria outro disco sem Mangini, responsável por momentos de polirritmia de tirar o fôlego.


Artigo publicado na edição 104 do International Magazine, em julho de 2004.

Richie Kotzen – Change

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Há algum tempo e em algum lugar perdido na Internet, um fã disse que a música está errada a partir do momento em que Richie Kotzen não é um sucesso em todo o mundo. Tem razão. Guitarrista brilhante, excelente vocalista, ótimo produtor e engenheiro de som e grande compositor, Kotzen passeia pelo pop rock, jazz, fusion, soul e funk com a mesma desenvoltura e elegância. Mais do que isso, mostra autenticidade no que faz, e seu trabalhado tem uma embalagem extremamente acessível.

Resumindo, é música para quem gosta de música bem tocada e também para aqueles que se preocupam apenas com o que toca nas rádios. De uma maneira ou de outra, um produto de qualidade para chegar ao ouvido de todos em vez de estilos sazonais ou de artistas que se mostram um engodo. Para acabar com qualquer dúvida, pela primeira vez chega ao Brasil um disco do guitarrista. Change, seu 12º trabalho solo, é um verdadeiro presente e mais uma chance de ouro para mostrar que existe inteligência na música pop.

Forever One, que abre o disco e tem um solo maravilhoso, Get a Life e Don’t Ask são exemplos de como é possível fazer rock de maneira acessível sem abrir mão da qualidade. Instrumental primoroso sem ser autoindulgente, cuidado com os arranjos, ritmos empolgantes e refrãos marcantes, na verdade, sobram em todo o CD. Mostre Good for Me para aquele seu amigo que gosta da trilha sonora de “Malhação” e você verá o resultado – a diferença, repito, está no alto nível do produto que chega ao grande público.


Ele também pode não entender a classe que há por trás de Deeper (Into You) e da excepcional Am I Dreamin, esta um primor com loops e um groove contagiante levado pelo trabalho ímpar ao violão. No entanto, não irá duvidar que todas estão entre o que de melhor é feito no pop que ouvimos nos dias de hoje. Sem esquecer que a qualidade está acima de tudo, é bom ressaltar sempre, por isso as baladas High (com Pat Torpey, ex-batera do Mr. Big) e a belíssima faixa-título são destaques em vez de alvo para críticas negativas.

Kotzen aproveitou também para regravar Shine, uma de suas melhores contribuições para o Mr. Big, no qual substituiu Paul Gilbert antes de o grupo sucumbir aos problemas de relacionamento entre o baixista Billy Sheehan e o vocalista Eric Martin. Aqui, a música aparece com arranjo totalmente acústico e ficou não menos que ótima. O guitarrista, diga-se, não fugiu do direcionamento adotado no álbum anterior, Slow – e não precisa perguntar, é outro trabalho maravilhoso. Assim, os fãs que esperam por novos discos de fusion/jazz rock ou mesmo de soul/funk ao menos não ficam decepcionados.

Fast Money Fast Cars é funk dos bons e conta com a participação do vocalista Charlie Sarti, que acrescenta suingue a uma música simplesmente irresistível. Para aqueles que anseiam por virtuosismo – ah, sim! Kotzen é um dos melhores guitarristas do mundo –, há a faixa Unity (jazz bee bop instrumental). O título entrega tudo: um jazz rock simplesmente fantástico que não esconde a influência de Allan Holdsworth. Uma verdadeira aula de técnica e bom gosto sem, repito, cair no exibicionismo barato.

A versão brasileira ainda vem com a versão acústica de Don’t Ask, bônus exclusivo para o país – no Japão, a faixa extra é Out Take, que traz a cozinha do Mr. Big, Billy Sheehan (baixo) e, mais uma vez, Torpey; e o restante do CD foi todo gravado por Kotzen. Enfim, mais um motivo para Change fazer parte de sua discografia e, quem sabe um dia, mostrar que as rádios locais não precisam viver de Rouge, KLB, Felipe Dylon e afins. Obrigatório.


Resenha publicada na edição 104 do International Magazine, em julho de 2004

Aina – Days of Rising Doom

Por Daniel Dutra | Foto: Divulgação

Óperas rock são sempre um projeto ambicioso, da mesma maneira que também não são mais nenhuma novidade. Jesus Christ Superstar e Tommy (The Who), claro, são referência no gênero, mas de uns anos para cá o heavy metal foi tomado de assalto por vários exemplares. Os guitarristas Nikolo Kotzev (Nostradamus), Arjen Lucassen (Star One e Ayreon) e Daniele Liverani (Genius) fizeram os seus, e o vocalista do Edguy, Tobias Sammet, não ficou atrás com o bem-sucedido Avantasia. No entanto, quando se pensava que já estava bom, eis que surge o Aina com ótimo Days of Rising Doom – The Metal Opera.

Com o time envolvido na história, era mesmo difícil imaginar que não desse certo. O núcleo central do Aina é formado por Sascha Paeth (guitarra, produção e arranjos), Robert Hunecke-Rizzo (bateria, guitarra, baixo, produção e arranjos), Miro (teclados, arranjos de orquestras e efeitos) e Amanda Somerville (vocal e concepção artística e lírica). Além de um instrumental de primeira linha composto basicamente pelos três primeiros, o conceito da obra é um trabalho primoroso de Amanda, que criou um país (Aina), sua língua (Aindahaj) e a história da guerra causada por um grande amor.

Musicalmente, o negócio é tão bom que dá até para esquecer alguns lampejos de metal melódico. Aliás, dois nomes se sobressaem de tal maneira que tornam Days of Rising Doom – The Metal Opera irresistível: Michael Kiske e Glenn Hughes. O ex-vocalista do Helloween está brilhante como sempre em Revelations, na bela Silver Maiden, em Restoration e na maravilhosa Serendipity. Hughes, por sua vez, dá aula na parte de lenta de Flight of Torek, mas também em The Siege of Aina (com a companhia de Candice Night, a senhora Ritchie Blackmore), Rebellion e Talon’s Last Hope, esta num ótimo dueto com Andre Matos (Shaman).


É claro que há outros destaques, a começar por Thomas Rettke, vocalista do finado Heaven’s Gate. Seria um desperdício deixá-lo mais uma vez fora dos vários projetos que pipocam no rock pesado, prova disso é a excelente The Beast Within, música de trabalho com um ótimo riff escrito por Paeth. Mas Rettke manda muito bem também em Naschtok is Born e Son of Sorvahr, esta uma das melhores do disco. Simone Simons (Epica) cumpre muito bem o papel de voz soprano em Restoration, enquanto Tobias Sammet mostra que está cada vez mais Andre Matos nas músicas em que participa, principalmente Flight of Torek.

No campo instrumental, é impossível não ressaltar os arranjos de orquestra da primeira à última faixa, a participação do Trinity School Boy Choir (formado por oito crianças) e os detalhes instrumentais muito bem sacados, como a influência de música árabe em Lalae Amêr. As participações especiais também não ficam apenas nos vocalistas, já que uma turma respeitável enriquece o trabalho, a destacar o baixista T.M. Stevens (Son of Sorvahr) e os tecladistas Derek Sherinian (The Siege of Aina), Erik Norlander (Rebellion) e Jens Johansson (Revelations, provando que é muito melhor quando não está no Stratovarius).

Para completar, Days of Rising Doom – The Metal Opera é acompanhado de um CD e um DVD bônus, ambos com farto material. O primeiro traz o épico The Story of Aina em duas versões (instrumental e com vocal); as edições de The Beast Within, Flight of Thorek e The Siege of Aina; a demo de Talon’s Last Hope (a cargo de Hunecke-Rizzo); e o mais bacana: versões alternativas para Rape of Oria e Silver Maiden, ambas na bela voz de Amanda. A primeira, inclusive, chama-se Ve Toúra Sol, nada menos que a canção cantada em Aindahaj. O belo trabalho termina com o DVD, que contém a indefectível galeria de fotos, o (ótimo) “making of” e o videoclipe de The Beast Within, todo feito em animação 3D. Um belo presente para os fãs de metal.


Resenha publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.

Black Label Society – Hangover Music Vol. VI

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

“… Um álbum que definitivamente acabará com todos os preconceitos a respeito de Zakk Wylde e o Black Label Society… Uma coleção de músicas provocantes, contagiantes e conscientemente fascinantes”. Bom, é isso aí que está escrito no adesivo colado na capa do novo álbum do Black Label Society, Hangover Music Vol. VI – como o próprio nome entrega, o sexto trabalho do grupo. No entanto, parece que Wylde não liga mesmo para a reação das pessoas ao seu trabalho. Já foi dito aqui que o sujeito é o melhor guitarrista do heavy metal na atualidade, fala o que pensa – patriota extremista, diz muita besteira quando o assunto é os Estados Unidos – e é responsável por trabalhos pesadíssimos em sua banda.

Como ele poderia fazer sua música chegar a outro público? A capa do CD tem dois crânios e, entre eles, uma vela queimando dentro de um copo. Fica difícil, não? Mas quando você coloca o disco no aparelho do som percebe que as 15 músicas não são para deixar o ouvinte com dor de cabeça, mas realmente para aliviar aqueles que estão de ressaca. Wylde trocou os riffs espetaculares e cheios de harmônicos pelo violão e o piano, na linha de seu primeiro e único álbum solo, o excelente Book of Shadows (1996).

Uma iniciativa que poderia ser arriscada, uma vez que Wylde lançou em 2003 o melhor disco do Black Label Society, The Blessed Hellride, e manteve a média com o DVD Boozed, Broozed & Broken-Boned. No entanto, ele não deixou a peteca cair e gravou mais um trabalho de primeira linha. Hangover Music Vol. VI possui mais guitarras do que Book of Shadows, diga-se, mas ainda assim é um álbum para ouvir em momentos de relaxamento, com o quarto no escuro e em silêncio.


Há momentos mais sombrios – Steppin’ Stone (imagine o Black Sabbath semiacústico) –, mais rock – as excelentes House of Doom e Layne – e até mesmo um curto solo de violão – Takillya (Estyabon) –, mas o restante é um apanhado formidável de baladas deliciosas. Crazy or High e Queen of Sorrow têm refrãos mais fortes e uma interpretação mais energética de Wylde, que faz o piano sobressair na belíssima Yesterday, Today, Tomorrow. O mesmo vale para Whiter Shade of Pale, cover do Procol Harum que ficou uma beleza somente a piano e voz. Tecnicamente, o guitarrista não é uma grande vocalista, mas é bom ressaltar que sua voz é boa e ganha muito com o sentimento que ele coloca nas músicas.

E já que a guitarra não foi inteiramente deixada de lado, Wylde manda ver em alguns solos de tirar o fôlego, como em She Deserves a Free Ride (Val’s Song), uma das calmas e com vocal bem suave. No Other e nas já citadas Steppin’ Stone e House of Doom. Fear fecha o disco com um bom trabalho solo ao violão, simples e muito eficiente, mas ainda há o que se destacar em Hangover Music Vol. VI. O formato acústico predomina nas ótimas Once More e Won’t Find it Here, e o duo piano/violão é o dono do jogo nas belíssimas Damage is Done e Woman Don’t Cry.

Ao contrário do que costuma fazer em estúdio, Wylde não se cercou apenas do baterista Craig Nunenmacher e fez o resto sozinho. Claro, ele é responsável por todos os vocais, teclados, guitarras e violões, mas não assumiu o baixo em todas as músicas. As quatro cordas também foram manuseadas por Mike Inez (Alice in Chains, ex-Ozzy Osbournes), John “JD” DeServio (ex-integrante do próprio Black Label Society) e James Lomenzo, que tocou com Wylde no Pride & Glory e foi confirmado recentemente como o novo baixista do grupo. Além disso, John Tempesta (ex-White Zombie e Testament) assumiu as baquetas em uma faixa.


O Black Label Society se prepara agora para tocar no palco principal do Ozzfest – junto a Superjoint Ritual, Dimmu Borgir, Slayer, Judas Priest e Black Sabbath – e, além de Lomenzo e Nunenmacher, contará também com o guitarrista Nick Catanese, fiel escudeiro de Wylde.

Resenha publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.

Opeth – Lamentations: Live at Shepherd’s Bush Empire 2003

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Formado no início dos anos 90, em Estocolmo, na Suécia, o Opeth surpreendeu logo com seu disco de estréia, Orchid (1995). Mais do que o death metal melódico que hoje está em voga graças a grupos com Arch Enemy, In Flames, Children of Bodom e Soilwork, o quarteto mostrava um tendência progressiva que o diferenciava no cenário. Morningrise (1996), My Arms Your Hearse (1998) e Still Life (1999) ajudaram a consolidar a banda, mas foi com o excelente Blackwater Park (2001) que surgiram os primeiros sinais de que o melhor ainda estava por vir.

À época, o grupo passou a trabalhar com Steven Wilson (Porcupine Tree), e a parceria – mais nas ideias e produção do que no processo de composição – resultou em mais duas obras-primas: Deliverance (2002) e Damnation (2003). Os álbuns foram gravados simultaneamente, mas a gravadora optou por lançá-los com um intervalo de seis meses, não porque um CD duplo seria comercialmente inviável, mas porque Damnation era um trabalho de rock progressivo! E apesar de a banda afirmar que foi o primeiro e último desvio em sua trajetória, trata-se de um dos melhores discos do gênero nos últimos anos.

Para comprovar que, uma década depois do primeiro álbum, o Opeth certamente é um dos grupos mais criativos do heavy metal, recentemente chegou às lojas o DVD Lamentations: Live at Sheperd’s Bush Empire 2003, registro de um show gravado na tradicional casa londrina, com repertório apenas dos três últimos discos. Em pouco mais de duas horas, Mikael Åkerfeldt (vocal e guitarra), Martin Lopez (bateria), Peter Lindgren (guitarra) e Martin Mendez (baixo), acompanhados do convidado especial Per Wiberg (teclados, Spiritual Beggars), fazem uma apresentação primorosa.


A primeira parte tem a íntegra de Damnation – além de Harvest, canção de Blackwater Park que se encaixa no conceito progressista. É uma maravilha conferir ao vivo músicas como as excelentes Widowpane (linda), Death Whispered a Lullaby (ótimas linhas de baixo, quebradas precisas de bateria e grandes passagens acústicas), Hope Leaves (com solos à la David Gilmour), In My Time of Need, Weakness (um misto de No Quarter, do Led Zeppelin, com Angelo Badalamenti da trilha sonora de “Twin Peaks”) e a espetacular instrumental Ending Credits, que Åkerfeldt confessa ser um “rip off” do Camel.

Aliás, faça-se o devido registro: o líder Åkerfeldt é mesmo um gênio. Ótimo guitarrista e vocalista (tem uma voz belíssima e vai do gutural ao suave com uma facilidade inacreditável), o cara é um compositor e tanto. A segunda metade do show é a prova definitiva disso, afinal, o cara que escreve a maravilhosa Master’s Apprentices merece mesmo ser aplaudido. Ela é uma das músicas de Deliverance, que aparece ainda com a espetacular faixa-título e A Fair Judgement, que encerra a apresentação mostrando exatamente como a mistura feita pelo quarteto é sensacional.


Blackwater Park cedeu The Drapery Falls e The Lepper Affinity, e faltam adjetivos para descrevê-las. Assim como as três de Deliverance – sim, apenas cinco músicas na última hora de apresentação, uma vez que todas ultrapassam a casa dos dez minutos –, elas são recheadas de belos temas de guitarra, passagens intrincadas que passam ao largo da autoindulgência e momentos de uma beleza singular convivendo em perfeita harmonia com partes mais pesadas e repletas de riffs inspirados.

“A banda mais brilhante do metal” (Guitar World) e “Música estupidamente impressionante, inventiva, inspirada e não menos que incrível” (Kerrang!) são duas das definições dadas ao Opeth pela imprensa especializada. Não fogem da verdade. O DVD ainda traz o documentário “The Making of Deliverance & Damnation”, com uma hora de entrevistas e cenas do grupo gravando os dois trabalhos. Lamentations: Live at Sheperd’s Bush Empire 2003 é mesmo imperdível.


Resenha publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.