Iron Maiden – Powerslave

Dizer qual é o melhor disco do Iron Maiden é uma tarefa impossível, mas certamente todo fã tem especial carinho por um determinado álbum. No meu caso, Powerslave é aquele que eu levaria para uma ilha deserta, a obra-prima que se sobressai entre as outras porque tem uma história para contar. O estrago já havia sido efeito no ano anterior com a vinda do KISS ao Brasil, apesar de o embrião ter sido formado anos antes graças a meu pai e seus discos dos Beatles e Elvis Presley, mas o ano de 1984 foi mesmo especial. Foi quando me livrei de uma chatice que parecia interminável – ir obrigado à igreja aos domingos – porque o videoclipe de Thrills in the Night (Animalize, KISS) iria passar no Fantástico. E, claro, foi quando economizei a mesada – aos 10 anos de idade, que outra fonte de renda eu poderia ter? – para ir à loja de discos mais próxima comprar o novo LP do Iron Maiden.

Powerslave era o principal título da coleção “Heavy Metal Attack”, da EMI, e contando os trocados ainda sobrou algum para comprar The Warning, o álbum de estreia de uma banda nova chamada Queensrÿche, mas aí já é outra história… A sensação ao ouvir os primeiros acordes de Aces High foi a mesma que senti quando coloquei o CD no aparelho de som para escrever esta resenha, mas desta vez, depois de duas décadas, Powerslave serviu de trilha sonora, mesmo porque o vinil eu gastei de tanto ouvir. Sim, não é mais nenhuma surpresa, mas continua magistral, maravilhoso, perfeito a cada audição.


Bastam poucos segundos de Aces High para as mãos abandonarem o teclado e começarem a tocar uma bateria imaginária, com a cabeça acompanhando o ritmo ditado pelas guitarras de Adrian Smith e Dave Murray. Bruce Dickinson entra cantando, e no refrão eu já me encontro aos berros, parecendo o mesmo garoto que botou o vinil no velho toca-discos que um dia foi do meu pai – e essa paixão pela música certamente o deixaria orgulhoso. O riff de 2 Minutes to Midnight – que ouvidos mais atentos podem identificar como uma releitura de Burn, do Deep Purple. Perguntem a Smith… – torna impossível a tarefa de digitar. Não dá para usar o teclado e agitar ao mesmo tempo, mesmo que seja sozinho e no meio do quarto. Volto daqui a pouco…

Pronto, acabou o CD e tive de desligar o som. Agora posso falar que até mesmo as músicas menos famosas de Powerslave são um bálsamo. Que banda de heavy metal pode se gabar de compor a excelente instrumental Losfer Words (Big ‘Orra) e, também, Flash of the Blade (que riff, meus amigos!) e não aproveitá-las? Back in the Village tem outro grande riff (Adrian Smith é mesmo genial), e a espetacular The Duellists mostra de onde o Helloween – leia-se a dupla Kai Hansen e Michael Weikath – tirou aquelas guitarras dobradas em solos e harmonias.


Se até aqui todas as músicas são de encher os olhos, as duas últimas são uma verdadeira covardia. Não há adjetivos para Powerslave e Rime of the Ancient Mariner, pois ainda não inventaram algo que supere a perfeição. A faixa-título é a prova de que Dickinson é mais do que um vocalista fora de série e um dos maiores frontmen do rock. É também a obra definitiva de um grande compositor. Não estou falando apenas da letra que gira em torno do tema do álbum, mas da música, das maravilhosas melodias (pode incluir o toque egípcio, por assim dizer), das mudanças de andamento, da riqueza de detalhes. Para completar, Murray e Smith encontravam-se especialmente inspirados.

Rime of the Ancient Mariner… O que posso dizer? Está aqui o motivo por que Steve Harris é a personificação do heavy metal, título que pertence a poucos na história (e não preciso citar um por um, certo?). Não acho que ele seja um baixista extraordinário, mas é inegável que seu estilo é único – e aí reside um de seus méritos, assim como é a sua presença de palco (vê-lo colocar o pé no retorno e apontar o baixo para a plateia é realmente emocionante). Mais do que isso, o cara que compôs sozinho esta pequena obra-prima de 13 minutos e 36 segundos garantiu certificado de perdão para furos futuros. No mínimo. Instrumental primoroso – façamos o registro: uma das melhores atuações de Nicko McBrain – e uma letra fantástica, contando uma história com início, meio e fim sem repetir uma frase sequer. Vamos falar sério uma última vez: se Powerslave não está em sua coleção, lamento informar que você não gosta ou não entende nada de heavy metal. Ou as duas coisas.


Faixas
1. Aces High
2. 2 Minutes to Midnight
3. Losfer Words (Big ‘Orra)
4. Flash of the Blade
5. The Duellists
6. Back in the Village
7. Powerslave
8. Rime of the Ancient Mariner

Banda
Bruce Dickinson – vocal
Dave Murray – guitarra
Adrian Smith – guitarra
Steve Harris – baixo
Nicko McBrain – bateria

Lançamento: 03/09/1984
Produção e mixagem: Martin Birch

The Gathering – Sleepy Buildings

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Em 15 anos de carreira, o The Gathering nunca deixou de surpreender. As mudanças de estilo, no entanto, acabaram sendo pouco ou nada palatáveis no cenário heavy metal, com a velha história da perda de velhos fãs e a conquista de novos. A montanha-russa teve início com trabalhos bem mais pesados e rápidos – Always… (1992) e Almost a Dance (1993) –, que gradativamente foram perdendo o peso até a banda holandesa pisar de vez no freio e ser acusada de estar ouvindo muito Radiohead (com o perdão da sinceridade, o The Gathering é bem melhor).

A segunda e terceira fases da banda coincidem com a entrada da vocalista Anneke van Giersbergen no posto anteriormente ocupado por Bart Smits e Niels Duffhues – isso sem contar as participações de Marike Groot e Martine van Loon. O sucesso de crítica veio com Mandylion (1995) e Nighttime Birds (1997), mas foi com How to Measure a Planet? (1998) que o experimentalismo começou a incomodar os mais tradicionalistas. De If_then_else (2000) para o autointitulado trip rock praticado no último álbum de estúdio, Souvenirs (2003), foi mais um grande salto.

Independentemente do lado camaleão, o The Gathering nunca perdeu uma de suas características: a qualidade. Isso pode ser comprovado no ótimo Sleepy Buildings – A Semi Acoustic Evening. Nos dias 21 e 22 de agosto do ano passado, a banda subiu ao palco do Lux Theatre, em Nijmegen, na Holanda, para rever sua trajetória em canções especialmente rearranjadas para a gravação do CD semiacústico – curiosamente, não há nenhum material de Souvenirs.

Anneke (voz e violão), René Rutten (guitarra e violão), Hans Rutten (bateria), Frank Boeijen (teclados) e Hugo Prinsen Geerligs (baixo, substituído no fim do ano por Marjolein Kooijman) realizaram duas apresentações bem intimistas e repletas de momentos belíssimos. Apesar de Stonegarden e Eléanor serem mais animadas, digamos assim, o CD mantém um clima viajante do início ao fim. Sim, há forte influência de progressivo, notadamente Pink Floyd, em canções como The Mirror Waters, Red is a Slow Colour e a sensacional Travel.

Em um trabalho coeso, encontramos destaques na simples Saturnine (belo trabalho de Boeijen), nas viajantes Amity e Marooned e na ótima In Motion Part II, em que toda a banda tem participação mais ativa, destacando-se a guitarra de René Rutten. A performance da banda é correta em toda as 14 faixas – por problemas técnicos, The May Song e Nighttime Birds ficaram fora do disco –, mas é impossível não destacar o trabalho de Anneke, que dá um verdadeiro show em todas as músicas.

Sua voz angelical é reforçada em momentos realmente acústicos, seja acompanhada apenas do violão (My Electricity), do piano (Shrink, Like Fountains e Sleepy Buildings, esta a única inédita do CD) ou de ambos (Locked Away). Em Sleepy Buildings – A Semi Acoustic Evening – 11º disco do The Gathering, incluindo o ao vivo Superheat (2000), a coletânea Downfall – The Early Years (2001) e o EP Black Light District (2002) –, o grande destaque é realmente Anneke. Como todos os álbuns desde Mandylion, diga-se de passagem. Uma pena que os fãs brasileiros tenham o prazer de ouvi-la cantar apenas em CDs, uma vez que o The Gathering esteve no Chile no fim de fevereiro, para duas apresentações em Santiago, e uma passagem pelo Brasil nem sequer foi cogitada.

Resenha publicada na edição 101 do International Magazine, em abril de 2004.

Steve Vai – Live at the Astoria London

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Todo mundo já sabe que os DVDs são a nova menina dos olhos das gravadoras – isso até a pirataria atingi-los com a mesma força que bateu nos CDs. Alheios aos problemas do mercado fonográfico, os fãs se veem diante de uma enxurrada de lançamentos e, consequentemente, de dor no bolso. Para os amantes da guitarra e da música instrumental, nenhum título foi tão aguardado em 2003 como Live at the Astoria London, DVD duplo de Steve Vai lançado por sua própria gravadora, a Favored Nations.

Claro, Steve Vai é o melhor e mais criativo guitarrista da atualidade. Não apenas no aspecto técnico, vale ressaltar, mas também no domínio do instrumento e dos efeitos. Ou seja, pela habilidade de explorar (e bem) todos os recursos – o cara é um guitarrista completo. Além disso, é um presepeiro (leia-se ‘showman’) da melhor qualidade e um compositor brilhante. Para completar, ainda montou um verdadeiro ‘dream team’: Billy Sheehan (baixo), Virgil Donati (bateria), Tony MacAlpine (teclados e guitarra) e Dave Weiner (guitarra) – este, o pupilo que acompanha Vai desde a turnê do álbum The Ultra Zone (de 1999). O único inexperiente, digamos assim.

Pronto. Juntou a fome com a vontade de comer, só que o diretor Phil Woodhead e o editor Brandon Sanders servem um prato mal temperado e frio. Sim, a direção e a edição das imagens são irritantes, com efeitos de quinta categoria e tomadas que não privilegiam os músicos – mostrar Vai bebendo água enquanto Donati sola é de doer, coisa de quem acha que está inovando. Ainda assim, o repertório foi tão bem escolhido, e a performance do quinteto é tão espetacular, que os impropérios dirigidos a Woodhead (o sobrenome cai como uma luva) e Sanders são deixados de lado.


Duvida? A apresentação começa com Shyboy, composição de Sheehan de sua época no Talas. É simplesmente lindo ouvir novamente os duelos do baixista com Vai, idênticos aos que dupla fez em Eat ‘Em and Smile (1986), o fantástico o segundo trabalho solo do ex-vocalista Van Halen David Lee Roth. Depois de mais de duas horas, a festa chega ao fim com The Attitude Song, com a participação de Eric Sardinas, guitarrista que lançou seu terceiro álbum, Black Pearls (2003), pela Favored Nations. Ponto para Vai, afinal, ele não faz papel de ditador e dá grande destaque a todos os músicos. E isso inclui MacAlpine e Weiner, que desfilam técnica em momentos individuais (Dave’s Party Piece, por exemplo) ou dobrando temas e solos durante as canções.

E Live at the Astoria London ainda apresenta algumas surpresas muito agradáveis, a começar por uma versão instrumental de Down Deep Into the Pain, do subestimado Sex & Religion (1993), álbum com Devin Townsend nos vocais. Depois, Chamaleon – do primeiro disco solo de Sheehan, Compression (2001), também lançado pela Favored Nations – e os covers para Fire e Little Wing, de Jimi Hendrix, completam o bônus dentro de um trabalho que passa a limpo a carreira de Vai. A obra-prima Passion and Warfare (1990), claro, tem maior presença, com as sempre excelentes Liberty, Erotic Nightmares e The Animal, além de uma bela surpresa, a espetacular Blue Powder, na qual Sheehan reproduz fielmente os slaps – recurso que nunca foi sua praia – de Stu Hamm.

E For the Love of God… Bem, o que os críticos que fizeram a lista dos cem melhores guitarristas, publicada na Rolling Stone, fumaram? A onda foi forte, pois incluir Kurt Cobain e ignorar Steve Vai é coisa de quem estava vendo elefante voador rosa com bolinhas azuis. Azar o deles se nunca escutaram as belíssimas Whispering a Prayer e Bangkok ou as excelentes The Crying Machine e Jibboom (um show de Vai e Sheehan!).

Nos extras, todos no segundo disco, temos biografia de cada músico, uma discografia completíssima de Vai (Frank Zappa, David Lee Roth, Whitesnake e participações em tributos, trilhas sonoras, discos de outros artistas…), cenas de backstage, entrevistas e a banda ensaiando Giant Balls of Gold e Erotic Nightmares. Woodhead e Sanders tentaram estragar, mas Live at the Astoria London vale cada centavo dos fãs.


Resenha publicada na edição 101 do International Magazine, em abril de 2004.

Edguy

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Voltando a 1992, época em que o grunge ganhava o mundo e o heavy metal começava a ser relegado a segundo plano pela grande mídia, quem poderia imaginar que uma banda formada por quatro garotos de 14 anos seria um dos nomes mais queridos entre os fãs de rock pesado? Uma década depois, o Edguy já ocupava lugar de destaque no cenário. Hoje, com o lançamento quase simultâneo do EP King of Fools e do álbum Hellfire Club, Tobias Sammet (vocal), Jens Ludwig (guitarra), Dirk Sauer (guitarra), Felix Bohnke (bateria) e Tobias Exxel (baixo), que passou a integrar o time em 1999, ratificam o prestígio do grupo alemão. No fim de fevereiro, batemos um papo com o bem-humorado Sauer e conferimos os detalhes da nova fase do quinteto, que assinou recentemente com a Nuclear Blast.

O Edguy saiu da AFM para a Nuclear Blast, considerada a maior gravadora de heavy metal em todo o mundo. Chega a ser uma grande responsabilidade ou não houve grandes mudanças?
Não há tanta responsabilidade. Na verdade, depois de nosso último disco (N.R.: referindo-se a Mandrake, de 2001, não ao duplo ao vivo Burning Down the Opera, de 2003), nós ficamos oficialmente sem obrigações com a AFM. Várias gravadoras nos procuraram, mas resolvemos dar um tempo de um ano para analisar todas as propostas. A melhor foi a da Nuclear Blast, que já provara no passado a capacidade de promover suas bandas de maneira diferenciada. Foi uma das razões por que a escolhemos, mas as coisas estão funcionando perfeitamente, e há uma ótima comunicação entre ambas as partes. De qualquer maneira, nós nunca permitimos que algum tipo de pressão interfira em nosso trabalho. Sabemos separar os negócios para podermos nos concentrar apenas na música.

O relacionamento começou bem, já que King of Fools é realmente um lançamento especial. Com quatro músicas que não estarão em Hellfire Club, trata-se de um CD que não é um simples single. Como funcionou e de quem foi a ideia?
Todas as músicas foram escritas para o álbum, por isso não havíamos pensado num EP quando entramos no estúdio. A Nuclear Blast teve a ideia do single antes do disco, e nós tínhamos bastante material novo, então resolvemos lançar tudo e dar aos fãs algo para fazer valer o dinheiro que iriam gastar. Nós optamos pelo formato de um EP, e ficou mesmo algo especial, um ótimo aperitivo com quatro canções inéditas, um vídeo com o making of das gravações e encarte completo. Tudo por um preço bem menor (risos).

King of Fools entrou diretamente nas paradas de singles na Alemanha, Suécia, Finlândia e Áustria. Acredito que é uma prévia do sucesso que Hellfire Club irá fazer, não?
Eu espero que seja pelo menos tão bem-sucedido quanto o EP! O engraçado é que muitos ficam pensando em como fazer para os fãs comprarem um single e, assim, que ele chegue às paradas, especialmente no cenário heavy metal. Nós tivemos uma ideia simples e que funcionou. Valorizamos o dinheiro dos fãs dando algo a mais a eles, enquanto as pessoas ficam bolando fórmulas para tornar um produto vendável (risos).

A banda utilizou uma orquestra de verdade (N.R.: Babelsberg Orchestra), e eu soube que as músicas estão mais pesadas. Como você pode comparar o novo disco com Mandrake, que, em minha opinião, é o melhor trabalho do Edguy, até porque eu ainda não ouvi o novo material?
(Rindo) Você irá mudar de ideia (risos). Bem, demos um passo adiante em relação a Mandrake, que já foi uma evolução, afinal, músicas como Jerusalem e The Pharaoh possuem elementos que nunca havíamos usado. Hellfire Club é uma continuação lógica e traz elementos característicos do Edguy, é bombástico e com muitas melodias legais. É certamente mais pesado, mas não necessariamente por causa das músicas, mas porque deixamos o som mais real possível. Não polimos demais a produção e procuramos não usar a bateria muito trigada, mas buscamos soar como uma verdadeira banda de rock’n’roll. A orquestra também foi um elemento novo e muito bom. A cada álbum nós crescemos e evoluímos dentro de nosso estilo, por isso Hellfire Club representa exatamente o que somos hoje.

Holy Water, Savage Union, Mysteria, The Piper Never Dies e king of Fools são músicas que têm recebido vários elogios. Há alguma que você goste mais ou que considere ideal para tocar ao vivo?
Minha favorita é Holy Water, mas eu não sei explicar o porquê (risos). Talvez porque ela tenha elementos que são cativantes. Ao vivo, acredito que Mysteria e Lavatory Love Machine irão funcionar muito bem.


Há poucos dias li uma entrevista com Tobias Sammet na qual ele disse estar enjoado de músicas com bumbo duplo do início ao fim, e sou obrigado a concordar com ele. O Edguy é mais criativo que grande parte das bandas de metal melódico, mas é rotulado dessa maneira, e o estilo já apresenta sinais de saturação. Você se sente confortável com isso?
Tenho de concordar com vocês dois. Invariavelmente, as pessoas estão à procura de algo para comparar o que as bandas fazem. Se eu precisasse definir o que tocamos, diria que é apenas rock’n’roll ou heavy metal. Há tantos estilos diferentes hoje em dia… Melodic power metal, melodic symphonic metal, melodic holy water metal (risos). São várias expressões para diferentes tipos de música, mas basicamente é apenas metal ou rock. Você pode misturar tantas coisas ao rock, mas não precisa ficar rotulando. Ficar procurando por nomes para rotular é besteira.

Várias bandas de metal lançaram discos ao vivo em 2003, mas parece que Burning Down the Opera conseguiu sobressair. Nem sou que digo isso, pois edito um site em que há uma eleição para eleger os melhores, e o Edguy está disputando o primeiro lugar com Rush in Rio (Rush), Live (Blind Guardian) e KISS Symphony: Alive IV (KISS). Vocês esperavam tanta repercussão?
Uau! Isso é sério? (risos) Eu não poderia esperar algo assim! Tudo que queríamos era lançar um bom disco ao vivo, com a íntegra de um show nosso e um encarte bem completo. Ou seja, tudo o que deveria estar num álbum ao vivo.

E o encarte é tão rico em fotos e informações que é difícil colocá-lo de volta na caixa, justamente por causa do número de páginas.
(Rindo) Eu sei! Você lembrou bem. Vários CDs ao vivo chegaram ao mercado no ano passado, mas, depois que ouvi alguns deles, tive a impressão de que foram lançados apenas para encurtar o período entre dois discos de estúdio. Outros parecem álbuns de estúdio com o som do público entre as músicas, o que não é legal. Parece que poucas bandas estavam realmente interessadas em lançar um trabalho ao vivo, o que para nós foi um sonho que se tornou realidade. Por isso fizemos o melhor possível, incluindo gravação, repertório e o encarte. É legal quando o fã compra o CD porque é fã, apesar de o encarte ter duas páginas e ser todo em preto e branco, mas é ainda melhor quando ele compra porque realmente achou que vale a pena, com um encarte de 32 páginas repletas de fotos coloridas. É um tanto quanto óbvio o que uma banda tem de fazer (risos).

A turnê mundial começa em abril, mas o Edguy realizou um show especial em Cologne, na Alemanha, no fim de janeiro. Como foi e quais músicas novas entraram no set list?
Foi realmente especial, já que a apresentação foi transmitida ao vivo por uma emissora alemã de televisão. Na verdade, este foi o motivo por que decidimos realizar o show, mas foi definitivamente uma ocasião única. Não tivemos tempo para ensaiar direito e tocamos apenas duas músicas novas, King of Fools e Lavatory Love Machine. Além disso, o show durou uma hora, pois era um programa de TV, e o local era muito pequeno, parecia uma sala de estar (risos). Mas foi muito bom poder tocar ao vivo depois de meses trabalhando em estúdio, principalmente porque foi uma festa com os fãs. Mal posso esperar pela turnê.

E como foi a resposta? Não apenas dos fãs, mas também da imprensa.
Bem, à exceção do pessoal da TV, não havia imprensa. Mas posso dizer a você que todos saíram satisfeitos.

A última turnê foi a maior da carreira do Edguy, que tocou em 23 países. A próxima parece que será ainda mais extensa e grandiosa, incluindo cenários de palco especiais. Como estão os preparativos?
Bem, está tudo em andamento. No momento, a equipe da companhia que irá montar o palco está trabalhando para que tudo dê certo. Algumas pessoas estão terminando de construir alguns cenários, como certas criaturas e outras coisas legais que eu ainda não posso falar (risos). Definitivamente, iremos dar aos fãs algo em troca de seu apoio. Só podemos sair em turnê porque eles vêm comprando nossos discos, por isso temos de fazer mais do que escrever boas músicas. Temos de fazer um grande show.

Brainstorm, Nocturnal Rites e Tad Morose serão as bandas de abertura na Europa. Vocês as escolheram?
Nós não a escolhemos diretamente, digamos assim, já que nossos agentes na Europa traçam o perfil das bandas, procuram os interessados e negociam com as gravadoras. Eu não costumo me envolver com esse assunto, mas sem dúvida temos o direito de dizer sim ou não. A palavra final é nossa. De qualquer maneira, são bons nomes, e será legal tocar com eles.

Vocês tocaram nos Estados Unidos na última turnê, e o resultado foi positivo. Ainda assim, quais foram suas impressões sobre o mercado americano, já que hoje o rock pesado é sinônimo de new metal por lá?
Os shows foram realmente ótimos, mas foram poucos. Tocamos no Prog Power, festival que reúne fãs de heavy metal de todo o país, e percebemos que lá eles estão sedentos por shows de metal, ao contrário da Alemanha, onde rola festival quase todo dia (risos). Como isso não acontece com frequência nos EUA, os fãs americanos se mostram muito entusiasmados quando têm a oportunidade de assistir a bandas ao vivo. Quando há algum show, eles vão à loucura, pode acreditar. É uma pena que as coisas estejam assim, pois há um público carente de espetáculos.


Tobias Sammet gravou o baixo nos dois primeiros discos, Kingdom of Madness (1997) e Vain Glory Opera (1998), antes da entrada de Tobias Exxel. No entanto, podemos dizer que o Edguy é uma das raras bandas de rock pesado com mais de dez anos que nunca mudaram a formação. A que se deve isso?
Tudo funciona muito bem, pois somos muito amigos. Mesmo quando não estamos em turnê, sempre saímos juntos e mantemos contato. Sabemos que podemos contar um com o outro. Claro, é preciso haver respeito, e conseguimos entender o que acontece com cada um. Resolvemos qualquer problema antes que ganhe maiores proporções, e é realmente um prazer fazer parte de uma família como essa. Os ensaios e shows são como eventos de família, realmente.

E o que você dizer do Edguy 12 anos depois do primeiro passo? Vocês começaram ainda adolescentes, e certamente era difícil imaginar que o grupo se tornaria um dos mais queridos do metal. Em retrospectiva, quais eram os objetivos?
Certamente eu não esperava nada do que já aconteceu. Nós montamos a banda por dois motivos: queríamos tocar rock’n’roll e também conseguir garotas (risos)…

… E alcançaram o segundo objetivo?
(Rindo bastante) Bem, eu tenho uma, e ela é suficiente para mim (risos). Posso falar por todos e afirmar que ninguém esperava o sucesso que temos hoje, mas ainda temos sonhos e continuaremos trabalhando duro para torná-los realidade. É um orgulho termos construído tudo isso graças aos fãs, que são nossa maior conquista. Acho que eles perceberam que fazemos as coisas de maneira honesta e que nossa música vem direto de nossos corações. Talvez esta seja a razão por que tantas pessoas gostam do Edguy.

Tobias Sammet vem ao Brasil em março para promover Hellfire Club, mas já se fala que a banda tocará por aqui em maio. O que há de concreto a respeito da turnê brasileira?
Eu espero que seja realmente em maio, mas não tenho certeza. Não há nada confirmado ainda, e nossos agentes estão cuidando de tudo, mas é certo que iremos à América do Sul. Só não sei quando. Espero também que possamos tocar em mais cidades, pois iremos aonde for possível.

De qualquer maneira, o Brasil parece ser um lugar especial para o Edguy. Quando esteve aqui para a gravação do DVD do Shaman, Tobias Sammet foi extremamente bem recebido. A legião de fãs cresceu desde a primeira e única passagem da banda no país, no início de 2002.
(Empolgado) Aquele show (N.R.: dia 31 de janeiro, no DirecTV Music Hall, em São Paulo) foi incrível! Os fãs estavam entusiasmados e foram fantásticos. Além disso, tivemos alguns dias de folga e conseguimos aproveitar nossa passagem pelo Brasil. Fomos à praia e conhecemos pessoas muito legais. Parecia que estávamos de férias, não em turnê e trabalhando (risos).

Muito obrigado pela entrevista, Dirk, e o espaço é seu.
Eu é que agradeço. Muito obrigado a todos pelo apoio, e nos vemos em breve. Tenham um bom dia!

Entrevista publicada na edição 101 do International Magazine, em abril de 2004.

Iron Maiden

Por Daniel Dutra | Fotos: Mario Alberto

Em sua sexta passagem pelo Brasil, o Iron Maiden concedeu uma entrevista coletiva à imprensa na manhã do dia 15 de janeiro, uma quinta-feira, no Hotel Intercontinental, em São Conrado, no Rio de Janeiro. O evento contou até mesmo com um Eddie Jr. (cuja foto está neste especial) recepcionando os profissionais que chegavam ao hotel para encontrar toda a banda – Bruce Dickinson (vocal), Steve Harris (baixo), Nicko McBrain (bateria) e os guitarristas Adrian Smith, Dave Murray e Janick Gers.

Dickinson e Gers tomavam naturalmente a iniciativa de responder aos jornalistas presentes. Nem todos puderam perguntar algo, mas tive a oportunidade de fazer a quinta da bateria. Enquanto Harris e McBrain falaram muito pouco, Murray e Smith por pouco não entraram mudos e saíram calados. Foram breves os seus momentos. E se não houve muita novidade nas perguntas e respostas, os 30 minutos de coletiva foram recheados de bom humor.

O Disconnected esteve presente ao Intercontinental e traz a você a íntegra da coletiva, com fotos exclusivas, enriquecendo a melhor cobertura da turnê sul-americana na internet brasileira. Além da cobertura dos shows que a Donzela fez em Praga (República Tcheca), Milão e Florença (Itália), você também pode acessar nossa página da banda e ler a resenha de toda a discografia. Os relatos dos shows em Buenos Aires (Argentina), Santiago (Chile), Rio de Janeiro e São Paulo, no ar a partir da próxima segunda-feira, fecham com chave de ouro o trabalho de toda a equipe.

Qual o conceito da capa de Dance of Death e a possibilidade de o Iron Maiden voltar a trabalhar com Derek Riggs? Além disso, a banda continuará trabalhando com (o produtor) Kevin Shirley, já que algumas pessoas acharam o som do novo disco um pouco abafado e grave, diferente dos outros álbuns?
Steve Harris: Bom, a produção está realmente diferente. Está melhor (risos).
Bruce Dickinson: Não temos planos de trabalhar novamente com Derek Riggs. Já fizemos muitas coisas com ele por muitos anos. Em relação à capa, usamos um conceito diferente porque tínhamos um disco diferente, e realmente funcionou.
Janick Gers: O disco é certamente um pouco diferente e tem outra atmosfera. Além disso, acho que é válido tentar algumas mudanças, que as imagens combinem com o conceito das músicas.

Gostaria de saber se é realmente a última turnê brasileira do grupo, já que vocês sempre falaram que o público aqui é diferenciado, que os shows no Rock in Rio foram os melhores?
Bruce: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que esta não é a última turnê no Brasil. O que dissemos ano passado foi que pretendemos diminuir o tempo das excursões, para não ficarmos tanto tempo na estrada. Toda a América do Sul é muito importante e tem ótimos lugares, mas o Brasil e seu público são fantásticos. Adoramos o país, e eu gostaria de ficar uma semana inteira aqui sem fazer nada (risos). Para mostrar como é importante tocar na América do Sul, trouxemos toda a produção que usamos na Europa, todos os acessórios de palco, todos os Eddies, todos os efeitos especiais. Será uma noite muita especial. Sabemos que muitas bandas vêm ao Brasil e trazem apenas o básico, porque fica muito caro, mas nós viemos com tudo para que os fãs fiquem orgulhosos de nossos shows. Tocaremos material novo e também algumas músicas antigas que todos querem ouvir.

Você pode adiantar algumas das músicas?
Bruce: Não. É surpresa, mas vocês podem ver na Internet (risos).
Janick: De qualquer maneira, não é mais segredo.


Quais são as lembranças do primeiro Rock in Rio, que faz 19 anos na próxima segunda-feira (N.E.: 20 de janeiro)?
Bruce: (fingindo esforço para lembrar e provocando risos) Sim, faz muito tempo. Foi a primeira vez que viemos ao Brasil, e isso realmente diz tudo. Particularmente, nunca havia visto algo como aquilo. Fãs no hotel, toda aquela loucura… Foi a primeira vez que me senti um rock star (risos) (N.E.: em seguida, a tradutora trocou “rock star” por “pop star” e provocou uma cara de repúdio em Bruce, obviamente brincando).

O Iron Maiden tem uma relação especial com Brasil. É a sexta turnê da banda no país, e Bruce veio outras três vezes em carreira solo. Além disso, ambos gravaram discos aqui (N.E.: Rock in Rio e Scream for Me Brazil, respectivamente). Como vocês veem o crescimento do público brasileiro nestes quase vinte anos, já que nos shows certamente haverá garotos que não eram nascidos no primeiro Rock in Rio?
Bruce: Você quer dizer que estamos velhos? (risos)
Nicko McBrain: Nosso público é que não envelhece. Isso é fantástico no Brasil, como Bruce disse, porque as pessoas aqui são apaixonadas por heavy rock e pelo Maiden. Há sempre um monte de garotos, e a audiência vai se renovando. Quando estou no palco, tenho sempre a boa sensação de que nossos fãs não envelhecem.

Vocês pretendem fazer novos álbuns no mesmo esquema de Dance of Death, com todos gravando ao mesmo tempo?
Dave Murray: Absolutamente. Iremos fazer isso mais vezes, porque assim conseguimos compartilhar criatividade e compor mais material. Sobrou coisa de Dance of Death, ou seja, temos músicas inéditas. A química é muito boa quando estamos juntos.

Como vocês três (N.E.: referindo-se a Smith, Murray e Gers) acertam o que cada um irá tocar na hora de compor e gravar?
Janick: Eu dou cinco libras a cada um para gravar meus solos (risos).

Em músicas como Paschendale e Montségur, do novo álbum, há todo um conceito real, falando de guerras e eventos históricos. Vocês já pensaram em fazer um disco conceitual tratando do assunto ou até mesmo uma ópera rock, mas com o toque do Iron Maiden?
Steve: Na verdade, não. Eu e Bruce somos muito interessados em História (N.E.: o vocalista é formado em História, e o conceito de Powerslave foi ideia dele), e essa influência acaba aparecendo normalmente nas letras. Não especificamente apenas sobre guerras, mas sobre qualquer assunto que achemos relevante.

Vocês foram convidados no Rock in Rio Lisboa, que acontecerá em Portugal em maio deste ano?
Bruce: Nós não temos planos para tocar em nenhum Rock in Rio que não seja no Rio de Janeiro (risos e aplausos gerais) (N.E.: neste momento, Gers aponta para o pequeno Eddie e diz que é seu filho. “Parece mesmo ter saído de mim”, diz o guitarrista, arrancando mais risos).

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Que atmosfera é essa que vocês encontram no Brasil para gravar discos ao vivo aqui? Além disso, a turnê de Dance of Death irá virar um novo álbum ao vivo ou vocês pretendem apenas lançar trabalhos de estúdio depois do Rock in Rio?
Bruce: Estamos filmando todos os shows da Dance of Death Tour. Conseguimos imagens muito boas de alguns, e de outro nem tanto assim, mas estamos gravando para um DVD que irá cobrir toda a turnê. Será diferente dessa vez, pois não haverá uma apresentação de apenas um país. E gravamos o álbum ao vivo no Brasil porque o público é extraordinário, havia muitas pessoas e o evento era enorme (N.E.: 150 mil pessoas, limite imposto pela produção do terceiro Rock in Rio com medo dos “metaleiros” causarem confusão. Problemas, baderna e falta de educação e bom senso, no entanto, ocorreram na última noite, com o público “normal” que foi assistir ao Red Hot Chili Peppers). Foi um risco, porque teríamos de fazer um dos melhores shows de nossas vidas, e foi mesmo. Era algo que acreditávamos que pudesse funcionar, então não poderíamos perder a oportunidade. Em relação ao meu disco solo, também foi porque é incrível tocar para os fãs brasileiros. Uma das coisas que mais gosto neles são o entusiasmo e a loucura quando apresentamos material mais pesado, além de sentir que todos prestam atenção e entendem o que está acontecendo na hora em que tocamos. Do ponto de vista do músico, isso é brilhante. Não se trata apenas de jovens gritando alucinadamente.

Em relação ao público que vem se renovando, gostaria de saber se eles não acham que vem se tornando cada vez mais violento. Além disso, se eles assistiram a “Tiros em Columbine” (N.E.: filme-documentário do cineasta Michael Moore) e o que acham de toda essa onda de violência nos últimos anos, se a música pode ajudar de alguma forma.
Bruce: Ah, bem… Sim. (risos).
Janick: Essa é pesada (risos).
Bruce: Não é tão simples assim. Um dos grandes problemas do mundo hoje em dia é que as pessoas têm de crescer rapidamente. Há muita pressão sobre elas, como deixar a escola e arrumar um emprego. As pessoas não têm mais tempo de viver antes de tomar uma decisão. Eu não acho que estejam se tornando mais violentas, não há necessariamente mais violência. Ainda temos os mesmo desejos, mas existe uma cultura em que fica impossível resolver problemas pessoais, e isso gera reações violentas. Ainda mais com armas automáticas à disposição dos mais jovens. Não tenho tanta certeza de que a música possa fazer algo a respeito ou de que o Iron Maiden possa consertar alguma coisa.
Janick: Não acho que a música possa mudar alguma coisa. Somos músicos e temos de fazer música, deixar as pessoas felizes por umas duas horas. Podemos apontar as coisas que achamos erradas na sociedade, mas não acredito que a música ou qualquer um envolvido com ela tenha o poder de mudar algo, politicamente falando. Isso não é possível, mas podemos alertar as pessoas para o que está acontecendo. Os políticos é que devem consertar o que está errado. Nós podemos escrever sobre as coisas, mas não olhar ao redor e dizer que vamos mudar o mundo, fazer isso ou aquilo. Isso é para os políticos. Não podemos fazer isso, mas sim vir aqui e tentar deixar as pessoas mais felizes por duas horas. Isso é tudo que fazemos. O músico não pode responder às perguntas, mas sim fazê-las. Se você pode respondê-las, então vá ser um político.

Depois de vinte e cinco anos de carreira, vocês se sentem como os fãs, ou seja, rejuvenescidos?
Nicko: Eu gostaria, mas tento trabalhar como um jovem (risos).
Bruce: Eu sou uma criança de 45 anos (gargalhadas).

Gostaria de saber qual integrante da banda é o mais envolvido com a parte tecnológica e se houve alguma inovação nesse sentido no último disco? Vocês têm estúdios caseiros?
Bruce: (com todos os integrantes rindo e apontando para Harris) Steve. Próxima pergunta (risos) (NE.: o baixista é dono do Barnyard Studios, em Essex, na Inglaterra. Nele, a banda gravou os álbuns No Prayer for the Dying, Fear of the Dark, The X Factor e Virtual XI. Harris produziu Fear of the Dark junto a Martin Birch, que trabalhara sozinho em todos os discos anteriores, e assumiu a produção e a mixagem de Live at Donington, A Real Live One e A Real Dead One. Além disso, contou com a ajuda de Nigel Green em The X-Factor e Virtual XI, mas liberou o posto para Kevin Shirley em Rock in Rio, Brave New World e Dance of Death, trabalhos que coproduziu).
Steve: Adrian também tem um estúdio…
Adrian Smith: … Mas é bem pequeno.
Bruce: Usamos tecnologia de última geração, mas isso é segredo. Não falamos de nossos acessórios tecnológicos.

O Iron Maiden estava no Brasil para a turnê Death on the Road, e recebi um convite para participar da coletiva da banda num hotel na Zona Sul carioca. Foi uma overdose de Donzela de Ferro à época, com a publicação de muito material no site que vinha mantendo havia um ano, aproximadamente – como toda a discografia comentada e, cortesia de Ricardo Pacheco, a cobertura de vários outros shows.

Dream Theater – Train of Thought

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Rush nunca foi necessariamente um grupo de heavy metal, muito menos de rock progressivo, mas é inegável que seus primeiros discos exerceram imensa influência numa das muitas vertentes do rock pesado: o progressive metal. A definição inicial do estilo encontra-se no espetacular Rage for Order, lançado pelo Queensrÿche em 1986 – um álbum incompreendido à época, mas que provou ter sido um passo à frente com o reconhecimento conquistado anos depois. O prog metal, no entanto, também deve seu nome ao Dream Theater, que no início dos anos 90 o levou a outros patamares.

Lançado em 1992, Images and Words não pode ser apontado como um trabalho visionário, mas misturou com primor influências – e clichês – de bandas como Yes, Helloween e Marillion, entre outras, tornando-se um disco obrigatório. Foi o suficiente para que o quinteto americano virasse uma verdadeira febre, mas a consequência disso acabou sendo um tiro que saiu pela culatra. O Dream Theater é hoje um genérico do Iron Maiden, ou seja, sua legião de fãs não admite críticas negativas, e qualquer lançamento já nasce com o rótulo “obra-prima”.

Infelizmente, o exagero nos últimos anos fez com que altos e baixos fossem uma constante nos discos, mas nenhum deles poderia ser considerado abaixo da média… Até agora, já que Train of Thought é realmente difícil de engolir. Como torcedor de arquibancada não vira treinador, os fãs podem reclamar à vontade e usar novos e velhos chavões. Sim, Mike Portnoy (bateria), John Petrucci (guitarra), John Myung (baixo) e Jordan Rudess (teclados) são quatro dos melhores músicos do mundo, mas apenas técnica não é suficiente. Claro, o novo álbum é o mais pesado de toda a carreira do Dream Theater, mas até aí o seguro morreu de velho – que o diga o ridículo St. Anger, do Metallica.


O começo de Train of Thought é animador, mas serve para enganar o ouvinte. As I Am é uma música espetacular, com riffs inspirados, um ótimo refrão e melodias vocais muito bem encaixadas. O instrumental contido e elegante não é uma surpresa, mas curiosamente é Petrucci quem destoa do restante do time. Seu solo de guitarra é um exagero de notas tocadas à velocidade da luz e, pior, trata-se do episódio que deu origem à série. Ao ouvir todo o CD, a impressão que fica é que ligaram o gravador para Petrucci ficar solando alucinadamente por três, quatro minutos. Depois, apenas cortaram a fita e saíram distribuindo os pedaços.

Mas o sentimento de déjà vu não fica apenas nisso. This Dying Soul não se destaca por um desfecho que dá vergonha, mas pela quantidade de mudanças de andamento sem nenhum propósito e, principalmente, pelo nada inspirado solo dobrado de Petrucci e Rudess – Kevin Moore ainda faz muita falta, e Derek Sherinian foi injustamente execrado por grande parte dos fãs. Se antes havia espontaneidade de sobra, hoje as músicas com mais de dez minutos viraram fórmula para o Dream Theater. Não importa se as ideias não preenchem o espaço, porque o importante é enrolar para conseguir um CD de 70 minutos.

Apesar de suas guitarras plagiarem How Will I Laugh Tomorrow, do Suicidal Tendencies, Endless Sacrifice tem algumas passagens pesadas interessantes, por mais que Petrucci tente colocar tudo a perder com mais um solo sem sentido. Honor Thy Father coloca Train of Thought à beira do precipício, e Vacant chega para empurrar. Enquanto a primeira é disparada a pior música do disco, a segunda é mais uma prova de que James LaBrie nem estúdio vem convencendo – já que ao vivo ele está abaixo da média. A queda só não é maior porque a instrumental Stream of Consciousness tem bons momentos, e In the Name of God carrega boas melodias e só não tem um refrão melhor que As I Am – mesmo assim, impossível não registrar mais uma tentativa de Petrucci de estragar tudo, por isso fica difícil entender onde foi parar a classe e o bom gosto do guitarrista.

Resenha publicada na edição 100 do International Magazine, em janeiro de 2004.

New metal: sobrenome não autorizado

Por Daniel Dutra | Ilustração: Mario Alberto

Vocais rap, cozinha reta, ritmo pula-pula e instrumental sob o peso de guitarras com afinação baixa – recurso que pode ser usado por quem tem pouca ou nenhuma intimidade com o instrumento. Simples assim, a fórmula do new metal não apenas provou ser rentável, mas serviu também para criar uma enorme polêmica. De um lado, bandas como Korn, Limp Bizkit e Linkin Park rejeitam o rótulo, mas não o sucesso alcançado com um sobrenome tradicional; do outro, fãs de rock pesado que desprezam um estilo considerado por eles absolutamente artificial.

Os defensores do alterna metal – ironicamente, a palavra “metal” tem lugar cativo – acusam os fãs de heavy metal de conservadores, argumento que pode cair por terra com o crescimento de vertentes como death, black e metal melódico. “New metal? Desde quando essas bandas têm a ver com heavy metal? Absolutamente nada. Poderiam ser até new heavy, já que fazem um som bem pesado, mas ainda assim o estilo não existira para mim”, diz Vitão Bonesso, um dos nomes mais respeitados da imprensa especializada e há 15 anos apresentador do programa Backstage, na Brasil 2000 – 107,3 MHZ, em São Paulo (todos os domingos, às 21h).

Ultimamente, a discussão gerou uma resposta chamada “novo metal”, movimento formado por bandas europeias como In Flames, Soilwork, Dark Tranquility e Arch Enemy, todas com raízes no rock pesado e com grande prestígio entre os headbangers (metaleiro não, por favor). “O ‘novo metal’ vem acompanhado de vários estilos, como o melódico e o tradicional, sem a necessidade de mais um rótulo”, lembra Vitão. Para Eric de Haas, diretor geral da Century Media Records no Brasil, o contra-ataque involuntário pode acabar gerando algumas dúvidas. “Acredito que haverá uma escala entre o ‘novo metal’ e o new metal, que acho irritante e sem feeling. Assim, pode acontecer a discussão a respeito de uma banda estar ou não seguindo o estilo.”


O repúdio ao new metal não acompanha apenas quem ouve heavy metal desde os anos 80, no mínimo, ou aqueles que somente não enxergam qualidade nos grupos do gênero. Há um consenso geral de que o estilo não passa de música elevada ao patamar de moda pela mídia americana. “Nos EUA, os mais jovens têm sido enganados por essa porcaria em vez de aprenderem de onde vem a verdadeira música. A verdadeira essência do metal você encontrava em bandas como Venom, Destruction, Slayer e Celtic Frost”, afirma Phil Anselmo, ex-vocalista do Pantera e hoje à frente do Superjoint Ritual. “Queremos não apenas oferecer isso aos fãs antigos, mas também mostrar aos mais novos que o new metal é um lixo.”

Guitarrista do Destruction e um dos mais influentes músicos do thrash metal, Mike não poupa ironia ao falar do estilo – “Talvez eles sejam metal, mas são artificiais demais. É muito plástico até chegar a metal” –, mas resume bem a ideia inicial de Anselmo. “Esse tipo de música não é natural. Há muita coisa feita por computador, e eles se orgulham disso. O mundo precisa de bandas honestas, mas as de new metal são, de alguma maneira, criadas pela mídia ou por gravadoras. Elas não têm personalidade.” Indo um pouco mais além, Mike lembra que até mesmo o modismo pode terminar em algo positivo. “Depois de dois anos ouvindo new metal, esses jovens começam a ficar entediados. Aí buscam as raízes e descobrem as boas bandas. É um processo normal.”

“Os Estados Unidos não servem mais como termômetro para o heavy metal. Hoje, o estilo é mais funcional na Europa, em países como Itália, Grécia, Suécia e, principalmente, Alemanha”, lembra Vitão, respondendo também aos desavisados que insistem em declarar o verdadeiro rock pesado como morto. “O metal voltou a crescer de forma discreta, e é assim que deve ficar. Não deve se expor a ponto de a mídia americana colocá-lo novamente no topo e depois, assim que quiser, jogá-lo no ostracismo. Grupos como Nightwish, Edguy, Children of Bodom e Cradle of Filth recentemente fizeram turnês pelos EUA sem essa exposição, e os resultados foram bastante satisfatórios.”

De fato, o heavy metal teve seu auge de popularidade na década de 80 e início dos anos 90, até a explosão do grunge, mais um movimento do que um estilo musical. Ainda assim, o que passou a valer foram as camisas de flanela amarradas na cintura. “Na verdade, novos estilos vão surgir, e os já existentes continuarão a ter seguidores. Seja com o grunge no passado ou com o new metal agora, a discussão sobre o fim do heavy metal sempre será precedida por um novo estilo que surge como uma avalanche”, diz de Haas.


Para Vitão, as semelhanças entre os dois gêneros estão “na forma de a mídia trabalhar um suposto estilo. Bandas como Pearl Jam e Soundgarden são exemplos de um bom heavy rock, nada mais que isso, mas a mídia sempre procura por uma denominação para poder trabalhar um novo produto”. Ao lembrar que existe similaridade entre o grunge o new metal, Haas acrescenta que é “somente no sentido de que surgiu algo totalmente diferente dos estilos tradicionais. Consequentemente, há quem ame e quem odeie”.

A novidade, no entanto, passa longe do campo musical. Senão, vejamos: nova menina dos olhos do new metal, o Evanescence é vendido como “diferente de tudo que você já ouviu”, só que mais parece um Linkin Park com uma mulher no vocal principal. No fim das contas, muita gente se pergunta por que um grupo como o Lacuna Coil não atinge os mesmos números – no Brasil, a sétima prensagem do primeiro disco do Evanescence, Fallen, saiu com 20.000 unidades. A resposta pode ser encontrada no fato de a banda italiana estar diretamente ligada ao heavy metal desde o início independente, já que talento não falta à turma liderada pela vocalista Cristina Scabbia.

A busca por protótipos encontra a explicação nas palavras de Charlie Benante, baterista do Anthrax. Na verdade, uma nova versão para explicar o new metal como um produto sazonal. “Na Europa, o heavy metal e o hard rock são levados muito a sério, diferentemente dos Estados Unidos, onde o que importa é a moda e todo dia muita merda é empurrada às pessoas. Os últimos cinco ou seis anos não foram bons para a música nos EUA”, disse ele. Chega a ser irônico que canções pesadas com andamento e vocais hip hop sejam hoje considerados inovação, já que o próprio Anthrax, em 1987, misturou rap como heavy metal em I’m the Man. Depois, a banda ainda faria uma parceria com o Public Enemy em Bring the Noise. “O new metal não é metal, mas eles têm de rotular essas bandas de alguma maneira. Na verdade, são apenas boy bands ou bandas pop com guitarras pesadas”, completa Benante.


E falando em boy bands, a preocupação dos grupos de new metal com a imagem não raro ultrapassa o limite do bom senso. Um dos casos mais emblemáticos aconteceu em 2000, quando o vocalista do Korn, Jonathan Davis, se recusou a entregar um prêmio durante um evento da MTV, afinal, o faria junto a Bruce Dickinson, do Iron Maiden. De acordo com Davis, o frontman da Donzela tem uma imagem muito associada ao heavy metal, e ele não queria fazer parte disso. Como qualquer comparação entre Dickinson a Davis pode ser uma ofensa, ficam duas perguntas: onde estará o cantor do Korn daqui a 20 ou 25 anos? Qual será o seu legado para o rock?

O troféu paspalhão, no entanto, tem apenas um dono: Fred Durst, do Limp Bizkit. Líder daquele que é considerado o pior grupo do estilo, ele coleciona atitudes idiotas e fanfarronices sem precedentes. Depois de dividir o palco com Christina Aguilera e afirmar que a intenção era transar com ela, não seria possível se surpreender com as atitudes do, digamos assim, vocalista. No fim do ano passado, Durst afirmou ao site da MTV americana que Eddie Van Halen teria feito audição para o Limp Bizkit, visando ao posto antes ocupado por Wes Borlan, e teria sido reprovado. Claro que tudo não passou de mais uma estratégia para tirar a atenção da música e jogá-la na imagem de rebelde sem causa.

Não à toa, Zakk Wylde registrou comentários pouco agradáveis ao Limp Bizkit nos lançamentos ao vivo do Black Label Society – o CD Alcohol Fueled Brewtality Live!! (2001) e o DVD Boozed, Broozed e Broken-Boned (2003). Com a moral de quem é considerado por muitos o melhor guitarrista de heavy metal da atualidade, Wylde não deu desconto à tentativa de Durst de puxar o tapete de qualquer um dos músicos escalados para o filme “Rock Star” (2001), na tentativa de garantir uma vaga naquela que deveria ter sido a história de Tim “Ripper” Owens até substituir Rob Halford no Judas Priest – estrelado por Mark Wahlberg e Jennifer Aniston, o longa conta com Wylde, Jason Bonham e Jeff Pilson (Dokken) na banda fictícia Steel Dragon, e Blas Elias (Slaughter) e Nick Catenese (Black Label Society) também participam.


O remédio para tudo isso? “Mais e mais pessoas têm ido aos nossos shows nos Estados Unidos. Isso é bem legal. Podemos tentar capturar os fãs de new metal, fazer com que eles deixem de escutar isso e ouçam nossa música”, diz Silenoz, guitarrista do Dimmu Borgir, sem fugir da questão principal do assunto. “Assim como vários outros estilos inventados, serve para vender bandas e discos, mas uma hora acaba. Basta se tornar popular nos EUA para chegar a vários outros países. A indústria lá funciona assim. Eles escolhem o que deve ser bom.”

Se os Estados Unidos servem de parâmetro cultural, no Brasil isso não chega a ter no heavy metal a força que exerce em outros estilos. “Quando surge um novo estilo musical em qualquer parte do mundo, pessoas vão copiá-lo e incrementá-lo, independentemente do lugar em que vivem”, lembra de Haas. E Vitão completa: “A cena brasileira sempre foi inspirada nisso, seja na música ou na maneira de se vestir. Mas aqui, na hora de escolher o que ouvir, existe o fã que sabe quão nociva foi a influência americana. Por isso, posso dizer que aquilo que vem de fora não faz a menor diferença para quem gosta de heavy metal no Brasil.”

O discurso contra o new metal nem sempre é totalmente contrário, existindo artistas que preferem fazer uso da diplomacia. “As pessoas estão se acostumando ao som pesado por causa do new metal. Há algumas coisas boas nele, mas muita merda também, mas parece que os fãs estão bem receptivos ao death metal melódico vindo da Suécia”, afirma o vocalista do Soilwork, Björn “Speed” Strid. “Isso tudo faz com que a cena cresça nos Estados Unidos, o que é bastante positivo.” Uma das maiores vozes do rock, Michael Kiske não esconde que uma ou outra coisa o agrada, mas ainda assim confirma em palavras que é impossível evitar críticas. “Não há muita coisa de novo, são basicamente bandas pop com guitarras mais pesadas, mas invariavelmente com um trabalho bem feito. As pessoas podem chamar de new metal, mas elas não têm mesmo nada de heavy metal.”

No campo político, nada se compara às opiniões dos vocalistas Corey Glover (Living Colour) e Timo Kotipelto (ex-Stratovarius). “Há muitos grupos que surgem e desaparecem com a mesma facilidade. Estilos musicais são assim também. Infelizmente, nenhuma banda dura para sempre. Se você souber esperar, a música que você gosta terá sua vez”, diz Glover. “Não tenho nada contra o new metal, apenas não ouço nenhuma banda do estilo. Se alguém quiser ouvir disco ou samba, eu não vejo problema algum. Só não perca tempo ouvindo o que não gosta”, completa Kotipelto.

A média não dura muito quando a palavra é passada a Dan Lilker, baixista do Nuclear Assault. “New metal é uma merda. Chamar isso de heavy metal é besteira. Quando as pessoas me perguntam por que voltamos, eu digo que foi para acabar com isso. Se você quer ouvir boa música, então tem de fazê-la. Está na hora de mostrar às pessoas o verdadeiro metal. O estilo está voltando à mídia porque todos estão ficando de saco cheio desse lixo de rap metal.”


Enquanto o new metal é basicamente apontado como mais uma das muitas modas da indústria musical, sem poder vislumbrar futuro algum, como fica o heavy metal diante de tudo isso? “Progredindo. Existe o lado ruim desse crescimento, pois muita porcaria pega carona, mas o metal nunca esteve tão profissional e ativo como nos últimos cinco anos”, responde Vitão. “Várias gravadoras surgiram sem nenhum vínculo com as majors, o que é muito importante, pois atrás de mesa de diretor não se encontra um leigo que só visa ao lado financeiro, mas um ex-músico ou apreciador que quer ganhar dinheiro ao mesmo tempo em que procura se divertir divulgando algo em que sempre acreditou. O heavy metal deve ser trabalhado por quem realmente sabe diferenciar o que é autêntico do que é uma farsa.”

Há anos trabalhando no cenário de heavy metal, seja promovendo shows no Brasil ou dando aos fãs a possibilidade de ter em versão nacional aqueles CDs antes só disponíveis em importadoras, de Haas tem opinião parecida. “Claro que nos próximos anos parte das novas bandas terá sumido, enquanto a outra já estará no topo, mas acredito que o metal tradicional está muito forte e renovado. Peço sempre união e respeito entre os diversos estilos, pois brigas internas só dificultam o crescimento do rock pesado”, diz ele, tocando em outro assunto importante. “É preciso conscientização em relação à pirataria, download de músicas e cópias caseiras de CDs. Isso acaba com o mercado fonográfico e, consequentemente, com a música em geral. Sem a venda de produtos oficiais não há músico que consiga se dedicar por muito tempo a uma banda, morrendo assim um grupo que um dia poderia ser o Pink Floyd ou o Iron Maiden do futuro.”

Observação: Todos os depoimentos da matéria foram concedidos em entrevistas exclusivas.

Artigo publicado na edição 100 do International Magazine, em janeiro de 2004.

Bon Jovi – This Left Feels Right

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Há 15 anos ninguém poderia imaginar que os shows acústicos seriam um filão bastante rentável, gerando CDs e DVDs invariavelmente muito bem-sucedidos e que, segundo as más línguas, servem até mesmo para levantar artistas com a carreira capengando. Hoje, o formato “unplugged” é uma mina de ouro levada à frente principalmente pela MTV, mas curiosamente quem plantou a primeira semente não apenas levou mais de uma década gravar algo do tipo, mas o fez sem precisar estampar a marca da emissora.

Foi em 1988, durante o American Music Awards, que Jon Bon Jovi e Richie Sambora apresentaram versões de Wanted Dead or Alive e Livin’ on a Prayer embaladas apenas por dois violões – dois anos depois, também sem a chancela da MTV, o Tesla deu rumo definitivo ao formato com Five Man Acoustical Jam. Em 2003 chegou a vez de This Left Feels Right, o aguardado álbum acústico do Bon Jovi, que deu nova roupagem a clássicos e hits angariados em quase 20 anos de estrada. E o mais bacana de tudo reside justamente no fato de as músicas terem sofrido mudanças nos arranjos originais, a grande maioria ficando com um instrumental irreconhecível.

Se as canções não foram inteiramente “desplugadas”, já que há uma guitarra ou um baixo elétrico aqui e ali, pouco importa. A essência do disco está nos violões e na percussão que substitui a bateria em momentos oportunos. Assim, nem chega a ser surpreendente que sucessos como You Give Love a Bad Name e Born to Be My Baby tenham perdido o pique dos refrãos que grudam mais que chiclete em cabelo. Os marmanjos que torciam o nariz agora podem curtir sem medo a levada blues da primeira e o ritmo cadenciado da segunda.

O trabalho em This Left Feels Right foi tão cuidadoso que até mesmo as baladas ficaram melhores. Isso não quer dizer muita coisa, afinal, a maioria delas beira o insuportável, como Always. No entanto, vá lá que o arranjo de cordas enriqueceu Bed of Roses, e um quê de Beatles fez com que I’ll Be There for You ficasse menos soporífera. Todas estão superiores às versões originais, o que já não aconteceu com a originalmente excelente Wanted Dead or Alive, que, no mínimo, perdeu (e muito) sem os sempre ótimos backing vocals de Sambora.


Os bons resultados reaparecem nas cadenciadas Lay Your Hands on Me, Livin’ on a Prayer (com a participação de Olivia d’Abo nos vocais e outro bom arranjo de cordas) e Bad Medicine, mas os grandes destaques ficaram mesmo por conta de três das melhores músicas que o Bon Jovi compôs. Basicamente apenas com piano e voz, It’s My Life virou uma belíssima e melancólica balada; Everyday ganhou alguns loops interessantes e um clima bem intimista; e Keep the Faith manteve seu groove ao mesmo tempo em que recebeu uma aura gospel.

As versões ao vivo de The Distance e acústica de All About Lovin’ You vêm como bônus, mas o filé no quesito é mesmo o DVD que acompanha This Left Feels Right. São seis músicas gravadas no NRG Studios, numa sessão “unplugged” do Bon Jovi para o provedor AOL, realizada em dezembro de 2002. Bom, Hugh McDonald não larga o baixo elétrico, mas Sambora e o tecladista David Bryan comandam a festa. O primeiro não tem mais o que provar – tem um imenso bom gosto nos solos, harmonias e timbres –, mas Bryan acabou privilegiado pelo formato. É só conferir Someday I’ll Be Saturday Night, Diamond Ring e Blood on Blood, todas ótimas.

Em tempo: Last Man Standing e Thief of Hearts, as duas músicas inéditas que estariam no CD e ficaram fora de última hora, estarão no DVD que a banda pretende lançar neste início de ano. O vídeo trará os melhores momentos de dois shows realizados em novembro último, em Nova Jersey, com a participação de três convidados: Everett Bradley (percussão e backing vocals), Bobby Bandiera (segunda guitarra) e Jeff Kazee (segundo tecladista).

Resenha publicada na edição 100 do International Magazine, em janeiro de 2004.

Tiamat

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O heavy metal na Suécia tem um capítulo à parte dedicado ao Tiamat. Depois de ter se destacado como um dos grandes nomes do som extremo, o grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Johan Edlund mudou radicalmente a partir do álbum Wildhoney, ganhando destaque no cenário mundial. O ano era 1994, e a banda passou vulgarmente para o lado do gothic rock – graças à complexidade das canções, o termo atmosferic music foi rapidamente associado. Quase dez anos depois, o Tiamat – hoje completado por Anders Iwers (baixo), Lars Sköld (bateria) e Thomas Petersson (guitarra) – lança seu nono trabalho, Prey. No dia 20 de outubro batemos um rápido e interessante papo com Edlund, por telefone, e aqui você confere a íntegra da conversa.

Prey não tem nada a ver com o Tiamat de dez anos atrás, mas é um desenvolvimento do trabalho realizado em Judas Christ, de 2002. Vocês encontraram finalmente um caminho ou os fãs podem esperar por outras mudanças no futuro?
Eu não acho que mudamos tanto, realmente. Na verdade, concordo quando você fala de evolução. O mais importante é que mantivemos a sonoridade típica do Tiamat.

O primeiro single do novo álbum é Cain, que é bem menos comercial que Vote for Love, a faixa de trabalho de Judas Christ. Como se deu a escolha?
Nós fazemos música para os fãs e não estamos interessados no sucesso comercial que um single poderia trazer. Além disso, Cain representa bem todo o álbum e é uma boa amostra do que fazemos.

A banda gravou recentemente um videoclipe para ela. Você pode nos dizer algo respeito?
Sim, fizemos um trabalho com um conceito bem abstrato, por isso é difícil explicar com palavras. Você realmente precisa assistir ao vídeo para chegar a uma conclusão. Não há uma história, digamos assim, mas algumas imagens bem fortes.

Divide é uma das músicas mais bonitas do álbum, com alguns vocais femininos e arranjos de orquestra. Para ser sincero, é a minha favorita em Prey. Acredito que tenha sido uma das mais difíceis para gravar, não?
Obrigado pelo elogio, já que Divide também é a minha favorita. Eu realmente gosto muito dela. Mergulhei fundo na hora de escrever os arranjos, pensar em como poderia ficar a orquestração, ou seja, fiz a música com muito amor. Adicionei vários elementos, mas tudo foi muito bem encaixado. Ela não ficaria confusa se tirássemos esses elementos.

Acredito que ela estará nos próximos shows. Você já pensou como fará para reproduzir ao vivo todos os arranjos originais?
Acho que o tecladista que nos acompanhar terá muito trabalho. Vamos precisar de um com três mãos (risos).

Carry Your Cross and I’ll Carry Mine é outra canção com vocais femininos. Já havia essa ideia quando você a compôs?
No geral, todo o processo de composição foi bem espontâneo. Carry Your Cross and I’ll Carry Mine, por exemplo, eu sabia que deveria ser cantada também por uma garota. Foi natural saber que não se encaixaria completamente na minha voz. Tenho a mente aberta e a liberdade para fazer o que quero, por isso fui atrás quando surgiu a ideia.

Eu escutei apenas a ‘promo copy’ de Prey, por isso mesmo não tenho as letras. De qualquer maneira, dá para perceber que há um tema religioso. Você pode nos falar do conceito do disco?
Sim, claro. Ele lida com aquilo que sempre explorei nas letras: vida, morte, amor, religião e, especialmente, questionamentos a respeito desses assuntos, alguns que não podem ser facilmente respondidos. Eu não dou as respostas, mas estou à procura delas.

Vocês gravaram um cover para Sleeping (In the Fire), do W.A.S.P., que infelizmente não está na ‘promo copy’. De quem foi a ideia de gravá-la?
Foi uma combinação de nosso gosto pessoal. O W.A.S.P. é uma das poucas bandas que todos nós gostamos, pois temos gostos bem diferentes um do outro.


Bom, e quais os grupos que você tem escutado atualmente?
Eu ouço de tudo, de Celtic Frost a Pink Floyd, incluindo muita coisa que está entre eles.

A influência de Pink Floyd fica latente em Pentagram, por sinal. Foi intencional?
Sem dúvida, pois a banda sempre foi uma grande influência para mim. Percebi que poderia mostrar isso de maneira mais explícita numa de minhas músicas. Podemos dizer que é realmente um tributo ao Pink Floyd.

Ainda sobre Pentagram, a letra é baseada num poema de Aleister Crowley (1875-1947) (N.R.: famoso poeta e praticante do ocultismo que viveu na Inglaterra). Você teve até mesmo de pedir permissão ao Ordo Templi Orientes (N.R.: Ordem criada por Crowley em 1904 que cuida do legado literário do “bruxo” e promove sua filosofia e visão). Como aconteceu?
Bom, a letra é baseada num poema chamado justamente “The Pentagram”, sendo que realmente tive de pedir permissão. Queria muito poder usá-lo porque acredito que ele representa bastante a influência que tenho de Aleister Crowley. Com “The Pentagram” você pode conhecer a fundo o mundo de Crowley.

O Tiamat é hoje categorizado como gothic rock, mas acho que a banda é mais complexa do que isso. Você se sente confortável com esse rótulo?
Não faz a menor diferença para nós. Na verdade, ao mesmo tempo em que não temos nenhum problema com isso, também não aceitamos o rótulo. Quer dizer, acredito que não seja possível explicar o que fazemos em duas ou três palavras. Mas é o que as pessoas fazem, por isso deixamos que decidam como querem nos rotular.

Há alguma expectativa especial em relação ao lançamento de Prey no Brasil?
Minha maior expectativa é que o disco seja muito bem recebido, assim poderemos tocar em seu país. Estivemos muito perto de tocar no Brasil em 2002, foi a primeira vez que planejamos algo a respeito e iríamos também a outros países da América do Sul. Toda a vez que lançamos um novo álbum aumentam as possibilidades de irmos aí.

E o que aconteceu ano passado que acabou não dando certo?
Eu não sei. Havia pessoas trabalhando para isso, e a nossa parte foi dizer “é claro que queremos ir”. Espero que com Prey nós realmente possamos tocar para os fãs brasileiros. Eu não sei o que esperar do Brasil, mas tenho uma boa ideia por causa dos shows que são realizados aí, com várias bandas gravando discos ao vivo no país, mostrando fãs realmente entusiasmados. Tudo parece muito intenso, e eu ficaria um pouco nervoso, mas é disso que gosto (risos). Falando assim, percebo como espero que possamos tocar no Brasil. As pessoas parecem ser apaixonadas pela música. Como nós amamos o que fazemos, haverá uma simbiose.

E como estão os preparativos para a próxima turnê?
Nós ainda vamos começar a preparar tudo, nem temos datas ainda. Tentaremos fazer o maior número possível de shows e tocar em quantos países pudermos. Queremos apresentar nossa música para quem quiser ouvi-la e assistir a uma de nossas apresentações.

Minha última pergunta é baseada no press release de Prey, em que você é citado como um “gênio musical”. Você concorda ou mesmo sabia disso?
(Rindo) Ótima pergunta! Eu soube disso há alguns dias e achei muito estranho (risos). Para mim, gênio é alguém como Albert Einstein! (mais risos) Eu sou apenas um músico de rock.

Obrigado pela entrevista, Johan, e o espaço é seu.
Gostaria de dizer aos fãs brasileiros para não perderem as esperanças, pois há uma grande chance de tocarmos para vocês. Saibam que estamos trabalhando sério para que isso aconteça o mais rápido possível. No mais, obrigado a você pela agradável entrevista.

Entrevista publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.