Saxon

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

As águas de março… Quis o destino que a primeira vez do Saxon no Rio de Janeiro, apesar de a banda ter passado pelo Brasil em seis oportunidades anteriores (1997, 1998, 2002, 2011, 2013 e 2018), acontecesse no mês em que a cidade costuma sofrer com as chuvas. Some-se a isso um público que parece estar evitando shows de heavy metal, considerando também uma crise econômica no estado maior do que a média nacional, e a receita está completa: um Vivo Rio com uma ocupação aquém do que o quinteto merece. Uma pena. Se necessário, era o caso de improvisar um Noé e construir um barco para sair de casa – até choveu, mas não foi para tanto –, porque se era imaginado que Biff Byford (vocal), Paul Quinn e Doug Scarratt (guitarras), Nibbs Carter (baixo) e Nigel Glockler (bateria) iriam matar a pau, as quase duas horas de show superaram as melhores expectativas.

Em vários momentos eu já disse que, hoje em dia, ninguém faz um show de metal melhor que o Accept. É verdade, mas alguns nomes mandam tão bem quanto: Armored Saint, Metal Church e o próprio Saxon. É normal a lista crescer quando se adiciona uma novidade ao currículo musical, e a grande maioria dos presentes na pista e nos camarotes da casa também estava debutando numa apresentação da banda inglesa, então o impacto foi imediato. Apesar do som muito alto e, consequentemente, embolado – continuou alto, mas foi aos poucos ficando clareando –, a dobradinha inicial mostrou que a noite seria matadora. Thunderbolt e Sacrifice foram um arregaço, mas o melhor mesmo foi perceber ao vivo como as faixas-título dos álbuns lançados em 2018 e 2013, respectivamente, provam como o grupo se manteve relevante depois de 40 anos de estrada.

Mas como a turnê é para comemorar esse aniversário de quatro décadas, considerando o homônimo disco de estreia, vamos aos clássicos… “É muito bom estar aqui pela primeira vez”, disse Byford pouco antes de gravar a plateia com o celular e, em seguida, soltar a voz afiadíssima em Wheels of Steel – e foi aí que começou o show particular de Glockler, diga-se. Strong Arm of the Law e Denim and Leather foram emocionantes, em boa parte pelo público cantando ativamente o refrão, num comportamento que foi de encontro à frieza demonstrada em alguns momentos do show. Ainda empolgados com a trinca de clássicos, os fãs soltaram a garganta no “Olê, olê, olê! Saxon! Saxon!”, e Byford respondeu trocando o nome da banda pelo da cidade. Foi a deixa para a belíssima porrada chamada Battering Ram.


“Vamos tocar duas músicas de nosso primeiro álbum, de 1979”, anunciou o vocalista antes de os cinco detonarem com Frozen Rainbow e Backs to the Wall. Lá estava Glockler fazendo bonito na bateria, mas Scarrat, com um solo emocionante em Frozen Rainbow, e Carter, agitando como se não houvesse amanhã em Backs to the Wall, mereceram o destaque dos holofotes. Pulando do primeiro direto para o trabalho mais recente, Byford anunciou que era hora de uma canção que “fala da nossa primeira turnê, em 1979, ao lado de uma banda chamada Motörhead”, e assim They Played Rock and Roll explodiu no som da casa antes de o quinteto soltar mais um clássico, Power and the Glory – e se houve um único porém na apresentação, e um totalmente justificável, foi o pouco material extraído de Thunderbolt (clique aqui para ler a resenha do álbum), pois cabia Pretador, talvez Sniper ou até Nosferatu (The Vampire’s Waltz). Mas fica para uma próxima vez. Amém!

“O que vocês querem ouvir?”, perguntou o carismático Byford. Ninguém queria ouvir material novo, obviamente, e as opções foram dadas ao público: The Eagle Has Landed, Ride Like the Wind, Broken Heroes, Solid Ball of Rock, Motorcycle Man e 20.000 Ft. “Bom, nada como uma plateia gritando o nome da música”, disse o vocalista ao responder ao anseio dos fãs por The Eagle Has Landed, que foi mais um daqueles momentos emocionantes para quem nunca tinha visto o Saxon em cima de um palco. Curiosamente, ela ficou fora do apresentação em Porto Alegre, onde teve seu espaço no repertório ocupado por Broken Heroes e Motorycle Man. Isso porque… “Vocês não querem ouvir Ride Like the Wind” ? Nós vamos tocar”, mandou Byford. E o cover de Christopher Cross, que tinha sido a escolha dos gaúchos duas noites antes, soou fantástica.

Depois de dar uma zoada por causa do constante ruído da guitarra de Quinn, quando este acionava um determinado pedal, Byford colocou os fãs para cantar 747 (Strangers in the Night). Nem precisou fazer esforço, assim como Carter se mostrava incansável ao agitar alucinadamente em And the Bands Played on. Lionheart, por sua vez, provou ser uma das novas favoritas dos fãs – apesar de que lá se vão quase 15 anos do disco que leva seu nome –, e a velhinha To Hell and Back Again, com seus 38 anos de vida, colocou o vocalista para bater cabeça, Glockler para brincar de tocar bateria e Carter no centro das atenções. Sério mesmo, a presença de palco do baixista é maravilhosamente animal! E incansável, porque logo a seguir, em Dallas 1 PM, o cara continuou possuído. Deu gosto de ver.

Celular novamente na mão, Byford fez aquela média bacana com os fãs ao filmá-los. Mas o momento pedia, afinal, era para registar o semblante dos fãs que ouviam Crusader ao vivo pela primeira vez. Necessário dissertar? Não, mas o clássico encerrou a apresentação antes do bis que todo mundo sabia que ia rolar. E ele começou em alta com a joia Heavy Metal Thunder – na boa, de novo, o que é a presença de palco do Carter?! –, deu uma baixada com Never Surrender, que ficou meio perdida, e terminou de fato num clímax. “Amanhã nós tocaremos em São Paulo…”, o vocalista começou a falar, antes de ser interrompido por vaias. “Eu sei, eu sei. Isso é coisa do futebol, certo? Torço pelo Manchester United, então entendo vocês.” Não exatamente, Biff, mas você se saiu bem e arrancou risos do público. “Tudo bem, vamos tocar em São Paulo, mas hoje estamos no Rio de Janeiro!”, completou o vocalista, agora sob uma salva de palmas. Então, Princess of the Night ecoou para fechar uma noite inesquecível com o que o heavy metal pode oferecer de melhor. E sejam bem-vindos mais vezes, Biff, Paul, Nigel, Doug e Nibbs.

Setlist
Thunderbolt
Sacrifice
Wheels of Steel
Strong Arm of the Law
Denim and Leather
Battering Ram
Frozen Rainbow
Backs to the Wall
They Played Rock and Roll
Power and the Glory
The Eagle Has Landed
Ride Like the Wind
747 (Strangers in the Night)
And the Bands Played on
Lionheart
To Hell and Back Again
Dallas 1 PM
Crusader
Bis
Heavy Metal Thunder
Never Surrender
Princess of the Night

Tuatha de Danann – The Tribes of Witching Souls

Por Daniel Dutra | Fotos: Rorigo Barbieri/Divulgação

Depois de Dawn of a New Sun (2015), o “disco da volta”, o Tuatha de Danann fez um agrado nos fãs ao relançar no ano seguinte o homônimo EP de estreia, de 1999, com a regravação de seis faixas. Mas foi só um aperitivo, porque a ansiedade era mesmo por material inédito para marcar esta nova fase da banda mineira, agora centrada no multi-instrumentista Bruno Maia e em Giovani Gomes (baixo e vocal) e Edgard Brito (teclados). E o trio, com a ajuda de vários convidados especiais, fez valer a pena a espera, porque The Tribes of Witching Souls só tem um problema: é um EP. Fica um gosto de quero mais, apesar de sua duração ser até bastante razoável – sete faixas em 31 minutos e 35 segundos; ou 43 minutos e 30 segundos se consideramos as duas demos que entraram como bônus.

Esse gosto de quero mais, na verdade, surgiu em novembro do ano passado, quando a banda lançou o ‘lyric video’ da faixa-título. The Tribes of Witching Souls é daquelas músicas para meter um sorriso no rosto graças ao seu alto astral, trazendo tudo mais que se espera do Tuatha de Danann além do clima positivo, incluindo melodias vocais caprichadas e um baita refrão (aqui enriquecido pelos corais). É assim que começa o CD, que fica ainda melhor na canção seguinte, porque Turn é simplesmente maravilhosa. O lado celta casa perfeitamente com um instrumental que se aproxima do hard rock – a levada e o riff do início dizem tudo, além de um solo na mesma veia – e traz mais um refrão impecável.


Com participação da vocalista Daísa Munhoz (Vandroya e Inlakesh), a ótima Warrior Queen mostra por que o Tuatha de Danann é uma banda única no Brasil – e que ficou ainda melhor com ajustes que o tempo se encarregou de fazer, como a redução de vocais guturais. Mas o grupo vai muito além, porque a presença de Martin Walkyier, praticamente um membro honorário, mostra também que falamos de um dos mais relevantes mundialmente em seu estilo. Aqui, a participação do ex-Skyclad em Your Wall Shall Fall confirma isso: heavy metal celta absolutamente empolgante e com uma mensagem que diz muito sobre o momento que vivemos. Não está escrito que bandas de rock precisam ser panfletárias, mas como é bom quando elas se mostram conscientes social e politicamente. E está dado o recado: “Damned are ye who would divide”.

Última das realmente inéditas, a excelente Conjura fala da Inconfidência Mineira e tem uma queda mais forte pelo rock progressivo em meio ao mundo celta da música do grupo. Para completar o material mais recente, duas regravações acústicas que, de fato, agregaram muito valor ao EP. Não coincidentemente, a nova versão de Outcry, gravada originalmente em Dawn of a New Sun, ampliou o lado folk da canção, enquanto a do clássico Tan Pinga Ra Tan, de Tingaralatingadun (2001), ficou muito bonita com as vozes de Fernanda Lira (Nervosa) e Nita Rodrigues (Bud Pump). Não que precisasse, mas dá para imaginar como será ainda melhor cantá-la ao vivo.


E temos as faixas bônus, claro: as demos de Rhymes Against Humanity, também do disco de 2014; e a instrumental de The Tribes of Witching Souls, na qual detalhes novos e escondidos chamam muita atenção, principalmente os teclados que dão, novamente, um ar de progressivo confirmado pelo belo desfecho orquestral que ficou fora da edição final do EP, uma evolução natural do caminhado trilhado em Dawn of a New Sun, que consolidou o retorno do Tuatha de Danann depois do hiato de 2010 a 2013. Agora resta torcer para que o próximo trabalho, de preferência um álbum completo, não demore cinco anos para ver a luz do dia.

Faixas
1. The Tribes of Witching Souls
2. Turn
3. Warrior Queen
4. Your Wall Shall Fall
5. Conjura
6. Outcry
7. Tan Pinga Ra Tan
8. Rhymes Against Humanity (demo 2014)*
9. The Tribes of Witching Souls (demo instrumental)*
*faixas bônus

Banda
Bruno Maia – vocal, guitarra, viola, banjo, bouzouki, whistles e Irish flute
Giovani Gomes – baixo e vozes
Edgard Brito – teclados

Músicos convidados
Fabricio Altino – bateria
Rodrigo Abreu – bateria (faixa 4)
Alex Navar – gaita de fole (faixas 2 e 4)
Nathan Viana – violino
Martin Walkyier – vocal (faixa 4)
Jacqueline Taylor – guitarra (faixa 4)
Fernanda Lira – vocal (faixa 7)
Nita Rodrigues – vocal (faixa 7)
Daísa Munhoz – vocal (faixa 3)
David Briggs – bodhran (faixa 3)
Rafael Salobreña – bodhran (faixa 3)
Dana Russi Maia – vocal (faixa 1)

Lançamento: 19/02/2019

Produção: Bruno Maia
Mixagem: Brendan Duffey (faixas 1-5) e Fabricio Altino (faixas 6 e 7)

Dee Snider – Sick Mutha F**kers Live in the USA

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

“This is not Twisted Sister. This is Dee fucking Snider with some sick mutha fuckers on stage”, brada Dee Snider logo depois de Stay Hungry, terceira música do CD, antes de dar um esporro em quem colocou uma cerveja no palco. “Do you know what I do for a living? I don’t sing for a rock’n’roll band. I’m not a frontman in a rock’n’roll band. I kick fucking ass. That’s what I do!” Sim, é exatamente o que o vocalista sempre fez, e Sick Mutha F**kers Live in the USA é um belo exemplo. Dá para sentir a energia que sai das caixas de som – energia que ganhou cores no DVD Deevision (2002), mas essa é outra história, porque isso aqui já é bom demais para quem não tem o Twisted Forever, disco lançado sob a alcunha de Dee Snider’s S.M.F’s em 1997.

Sim, Sick Mutha F**kers Live in the USA é uma reedição do CD lançado há pouco mais de 20 anos – está fora de catálogo, diga-se, mas por um punhado a mais de dólares ainda é possível achar uma cópia usada na internet. Enfim, depois do discurso descrito acima, Snider continua chutando bundas com uma baita versão de Destroyer. Ele e uma banda afiada, formada pelos guitarristas Derek Tailer (desde 2002 no Overkill) e Keith Alexander, o baixista Spike e o batera Charlie Mills. E o mais interessante do trabalho é que se trata de um registro bruto e sem produção (apenas mixagem das faixas), ou seja, sem overdubs, o que dá para sacar na performance do próprio vocalista.

Sabe quando você não para de correr e bater cabeça, então acaba comendo aquela última sílaba da palavra ou mesmo a última palavra da frase? Pois é, e isso é ótimo. Não esqueçamos que Snider canta para caramba, mas o que sempre esperamos dele é uma entrega absoluta no palco, porque ficamos mal acostumados. O CD começa com What You Don’t Know (Sure Can Hurt You), uma das melhores músicas para abrir show que existem por aí, e logo em seguida, sem respirar, Snider mostra o cartão de visitas: “Are you ready to kick some ass? We are the sick mutha fuckers!”. Vem The Kids Are Back, vem Stay Hungry, vem Destroyer, e você já se encontra empolgadíssima com a sequência inicial de clássicos – o repertório é inteiro do Twisted Sister.


“Este é o nosso primeiro hit”, diz Snider para anunciar I Am (I’m Me), e sem sair de cima a banda emenda o hino You Can’t Stop Rock ‘n’ Roll. Hora de respirar, e o vocalista traz à tona Beavis & Butt-Head ao fazer paródia com uma das célebres frases do primeiro personagem (“I am Cornholio! I need some T.P. for my bunghole!”) antes de um dos momentos mais legais: o medley com alguns exemplares do subestimado Come Out and Play (1985). Tem a faixa-título, I Believe in Rock ‘n’ Roll, Be Chrool to Your Scuel e, felizmente, Leader of the Pack (encurtada para The Pack no track list), cover do The Shangri-Las que é uma das músicas mais deliciosamente sem vergonhas gravadas pelo Twisted Sister. Outro resgate bem legal é Wake Up (The Sleeping Giant), canção de Love is for Suckers (1987) que ganhou um belo ‘punch’ ao vivo – bom, até Hot Love ganharia uma pegada extra ao vivo.

E a festa continua com as sempre ótimas We’re Gonna Make it, Shoot ‘Em Down e Under the Blade – “A primeira canção que compus”, lembra Snider – até terminar de maneira tradicional, com S.M.F.. Mas, acredite, elas não são os principais destaques da segunda metade do CD. I Wanna Rock é um rolo compressor de tamanho porte que dá para visualizar o vocalista ensandecido no palco, graças à gravação nua e crua; Burn in Hell reforça um dos melhores refrãos do heavy metal; We’re Not Gonna Take it, que entra emendada em Under the Blade, e o joga contra a parede; e The Price… Bem, Snider fala da importância da power ballad em sua carreira (é a única música com letra no encarte original, de 1997), a plateia canta o início, ele solta um “You’re making me smile again”, e o fã brasileiro pode se lembrar da antológica primeira vez do Twisted Sister no Brasil, em 2009, no extinto Via Funchal, em São Paulo. Aí é só ouvir Sick Mutha F**kers Live in the USA novamente, mais uma vez, de novo…

Faixas
1. What You Don’t Know (Sure Can Hurt You)
2. The Kids Are Back
3. Stay Hungry
4. Destroyer
5. I Am (I’m Me)
6. You Can’t Stop Rock ‘n’ Roll
7. Medley: Come Out and Play/The Pack/I Believe in Rock ‘n’ Roll/Be Chrool to Your Scuel
8. We’re Gonna Make it
9. I Wanna Rock
10. Wake Up (The Sleeping Giant)
11. Burn in Hell
12. Shoot ‘Em Down
13. Under the Blade
14. We’re Gonna Take it
15. The Price
16. S.M.F.

Banda
Dee Snider – vocal
Keith Alexander – guitarra
Derek Tailer – guitarra
Spike – baixo
Charlie Mills – bateria

Lançamento: 05/10/2018

Mixagem: Danny Stanton

Raven – Screaming Murder Death from Above: Live in Aalborg

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Depois de 45 anos de carreira, o Raven sempre vai ter um problema ao lançar algum disco ao vivo: as comparações com Live at the Inferno (1984), principalmente, e Destroy All Monsters/Live in Japan (1996). São discos que o tempo se encarregou de considerar clássicos, então Screaming Murder Death from Above: Live in Aalborg já nasce tendo muito a provar, principalmente porque não foi um lançamento planejado, digamos assim. Os irmãos John (baixo e vocal) e Mark Gallagher (guitarra), agora acompanhados pelo batera Mike Heller (Fear Factory e Malignancy), subiram ao palco do Skråen, na cidade dinamarquesa, no dia 27 de novembro de 2017, apenas para fazer o que sabem fazer melhor: um baita show de heavy metal. Mas o show foi gravado, os caras gostaram, então…

“(…) Percebemos que, apesar de alguns pequenos problemas técnicos, tínhamos uma gravação ao vivo mágica nas mãos. Foi um concerto quase perfeito graças a ótima atmosfera na casa e nossa atitude fora de controle, uma vez que não sabíamos que estávamos sendo gravados”, disse John no press release. Curiosamente, reside aí um problema, porque o disco não faz jus ao que é um show do Raven – quem já viu sabe do que estou falando –, por mais que a atitude tenha sido espontânea. A gravação crua, sem uma grande produção, também não ajuda ao esconder o peso que o trio impõe ao repertório. Dá parta sentir isso logo de cara, com Destroy All Monsters, do álbum mais recente, ExtermiNation (2015), uma daquelas canções ideias para dar partida num show.

O 13º disco da banda inglesa contribui com mais uma faixa, Tank Treads (The Blood Runs Red), que mostra por que o trabalho foi um dos melhores lançamentos de heavy metal naquele ano. E ainda ajuda a colocar o trem nos trilhos depois de um desnecessário solo de guitarra, A.N.S.M.M.G.N., e também, veja só você, de um clássico. Rock Until You Drop – faixa-título do álbum de estreia, lançado em 1981 – perde um pouco do gás com algumas enrolações, como aquele lance de colocar a plateia para repetir corinho. Uma coisa é botar o público para cantar o refrão, porque esse tem de cantar mesmo, mas num CD isso se torna maçante, principalmente quando os 55 minutos de duração poderiam ter sido mais bem aproveitados.


Mas estamos falando do Raven, um dos grandes nomes da NWOBHM, e apesar de a banda dos Gallagher ainda merecer muito mais reconhecimento, não faltam clássicos. Rock Until You Drop cede mais uma canção, Hell Patrol, um lindo encontro do heavy metal com o rock’n’roll que, por causa de seu riff sensacional, mostra como Mark é igualmente um subestimado. Quer mais uma grande performance do guitarrista? Ouça o furacão chamado Hung, Drawn and Quartered, com várias texturas de guitarra, o que é mais louvável por se tratar de um registro ao vivo. A música é uma das três de All for One (1983), que cedeu ainda o hino que é a sua faixa-título e Break the Chain, joia que serve também para a banda se divertir enxertando trechos de War Pigs e Sympton of the Universe, do Black Sabbath, e It’s a Long Way to the Top (If You Wanna Rock ‘n’ Roll), do AC/DC – ressalte-se que John continua o ótimo baixista de sempre, além do seu jeito todo particular de cantar, e que Heller mata a pau, tranquilizando banda e fãs depois da saída de Joe Hasselvander, por motivos de saída.

Para completar o curto repertório – apenas dez músicas, excluindo o solo de Mark –, temos o arrasa-quarteirão Faster Than the Speed of Light, de Wiped Out (1982), seguido sem sair de cima pela maravilhosa On and on, do injustiçado Stay Hard (1985). As duas formam o melhor momento de Screaming Murder Death from Above: Live in Aalborg, cujo desfecho é com mais um petardo, Crash Bang Wallop, do homônimo EP lançado em 1982. Com um repertório que passeia pelos quatro primeiros anos de sua discografia, de 1981 a 1985, até chegar ao trabalho mais recente, o Raven lançou um ao vivo para ficar bonito tanto na coleção do fã quanto na do banger que está descobrindo o trio agora. Mas que, a rigor, serve mais para dar vontade de conferir o show ‘in loco’.

Faixas
1. Destroy All Monsters
2. Hell Patrol
3. All for One
4. Hung, Drawn and Quartered
5. Rock Until You Drop
6. A.A.N.S.M.M.G.N.
7. Tank Treads (The Blood Runs Red)
8. Faster Than the Speed of Light
9. On and on
10. Break the Chain
11. Crash Bang Wallop

Banda
John Gallagher – baixo e vocal
Mark Gallagher – guitarra
Mike Heller – bateria

Lançamento: 18/01/2019

Mixagem: Mike Heller

Steve Perry – Traces

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

“I know it’s been a long time comin’ since I saw your face”, canta Steve Perry em No Erasin’, primeiro single e canção que abre Traces, que marca a volta do vocalista depois de Trial By Fire (1996), seu último trabalho com o Journey – lançado dois anos depois de seu segundo disco solo, For the Love of Strange Medicine. Faz muito tempo desde a última vez que escutamos A Voz, e ela voltou tão bonita quanto antes – com a força que os 69 anos de idade permitem – num trabalho com uma beleza que faz justiça a sua história, apesar de o CD carecer de um pouco mais de agito. Mas vamos por partes.

Bonita e elegante como o todo, No Erasin’ nasceu com cara de hit, mas não é exatamente esse o caminho trilhado por Perry em seu terceiro álbum solo – o primeiro, Street Talk (1984), saiu quando o vocalista já estava experimentando os louros do sucesso com sua ex-banda. Pegue, por exemplo, as intimistas In the Rain e We Fly, nas quais ele fica na companhia apenas de piano e orquestração. São um contraponto às levadas blues e hard pop da ótima No More Cryin” e de Sun Shines Gray, respectivamente; e a veia mais pop volta a se fazer presente em Most of All, que carrega também um pouco de soul, e Easy to Love, por sua vez com um groove providencial do gênio Vinnie Colaiuta nas baquetas.


Perry, aliás, se cercou de muitos músicos para dar vida a Traces, no qual começou a trabalhar em 2015, e Colaiuta é um dos grandes nomes presentes. Mas as baquetas também passaram pelas mãos de Josh Freese e Steve Ferrone, enquanto Nathan East e Pino Palladino gravaram alguns baixos – um dos guitarristas, John 5 (Rob Zombie, ex-David Lee Roth e Marilyn Manson) se destaca exatamente em Sun Shines Gray, a qual compôs ao lado de Perry e de Thom Flowers, braço-direito do vocalista na produção do disco (veja a lista de instrumentistas no fim desta resenha).

O clima leve ainda se faz presente em You Belong to Me, com melodias vocais que ressaltam uma das vozes mais preciosas de todos os tempos, e até mesmo na ótima releitura de I Need You, dos Beatles, com uma interessante revelação de Perry: há muitos anos, recebeu a bênção de George Harrison (1943-2001) para fazer uma versão da música que o saudoso integrante dos Fab Four compôs para entrar em Help! (1965). E tem a maravilhosa We’re Still Here, segunda canção de Traces, com seu clima The Flame Still Burns (aquela baita música composta por Mick Jones, do Foreigner, para a banda fictícia Strange Fruit no filme “Ainda Muito Loucos”, de 1999). Ela faz valer um disco especial, mas que só não é melhor por ser basicamente um CD de baladas.


Em tempo: uma edição especial, à venda apenas na rede americana de supermercados Target, traz cinco bônus. Curiosamente, com três faixas que são melhores do que boa parte da edição regular: Blue Jays Fly, um quase gospel de arrepiar com a voz de Perry, e principalmente October in New York e Angel Eyes – a primeira com um clima ‘jazzy’ à la Frank Sinatra, e a segunda numa veia R&B à la Sam Cooke. No entanto, a faixas mais importante de Traces talvez seja Call on Me, um reggae que conta com o amor e as risadas de Kellie Nash – “love and laughter”, exatamente como descrito no encarte. Por quê? Kellie, namorada de Perry, perdeu a luta contra o câncer em dezembro de 2012, e foi ela quem despertou novamente a paixão do vocalista pela música. “Agora eu entendo profundamente o significado de ‘é melhor ter amado e perdido do que nunca ter amado, mesmo”, escreveu Perry. Que esse amor renda mais frutos musicais.

Faixas
1. No Erasin’
2. We’re Still Here
3. Most of All
4. No More Cryin’
5. In the Rain
6. Sun Shines Gray
7. You Belong to Me
8. Easy to Love
9. I Need You
10. We Fly
11. October in New York (faixa bônus, exclusiva EUA)
12. Angel Eyes (faixa bônus, exclusiva EUA)
13. Call on Me (faixa bônus, exclusiva EUA)
14. Could We Be Somethin’ Again (faixa bônus, exclusiva EUA)
15. Blue Jays Fly (faixa bônus, exclusiva EUA)

Steve Perry – vocal, baixo (1, 2, 4, 5, 6, 10 e 13), guitarra (1 e 14), orquestração (2, 4, 5, 7 e 13), sintetizadores (9, 12 e 14) e todos os instrumentos em Blue Jays Fly


Ficha técnica
. Guitarra – Thom Flowers (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10), David Spreng (1), Brian West (2), Dan Wilson (4), John 5 (6), Tim Pierce (12), Devin Hoffman (13 e 14) e Michael Sanford (14)
. Baixo – Devin Hoffman (1, 2, 4, 6 e 14), Nathan East (3 e 12), Travis Carlton (7), Pino Palladino (8 e 9) e Chuck Berghofer (11)
. Bateria – Vinnie Colaiuta (2, 3, 4, 7, 8, 9, 11 e 13), Josh Freese (1 e 6), Brian West (2) e Steve Ferrone (12 e 14)
. Piano – Tommy King (1, 7 e 12), Dallas Kruse (3, 5 e 9), Randy Goodrum (3), Jeff Babko (10) e Tom Ranier (11)
. Hammond – Tommy King (1, 7 e 12), Dallas Kruse (4, 8 e 9) e Booker T. Jones (4)
. Violoncelo – Paula Hochhalter (2, 5, 7 e 11), Steve Richards (2, 3, 5, 7), Suzie Katayama (2, 5 e 7) e Alisha Bauer, Matt Cooker e Tina Soule (11)
. Violino – Michele Richards, Charlie Bisharat e Sara Parkins (2, 5 e 7)
. Contrabaixo acústico com arco – Tim Eckert (faixa 11)
. Viola – Andrew Duckles e Luke Maurer (2, 5 e 7) e Ralph Morrison, Harry Shirinian, Scott Hosfeld, Rodney Wirtz e Ray Tischer (11)
. Orquestração – David Campbell (2, 5 e 7)
. Sintetizadores – Roger Joseph Manning Jr. (1 e 3)
. Metais – Teag Reaves e Dylan Hart (5 e 7) e Douglas Tornquist (7)
. Percussão – Dan Greco (11)
. Vocais de apoio – Sherree Brown e Lynn Mabry (2) e Katie Hampton e Aubrey Logan (12)

Lançamento: 05/10/2018

Produção: Steve Perry
Mixagem: Thom Flowers e Steve Perry

Overkill – The Wings of War

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Cinco discos de estúdio nos anos 2010. Sim, o Overkill vai fechar a década com um CD de inéditas a cada dois anos, média mais que respeitável na era em que o streaming se consolidou como alternativa ao download. Mas nada disso importaria se a banda americana não tivesse lenha para queimar, e The Wings of War é a nova amostra de uma sequência impressionante de grandes trabalhos. É preciso fazer força para lembrar qual foi, guardadas as devidas proporções, o último álbum mais ou menos – ReliXIV (2005), talvez? – mas de Ironbound (2010) para cá todo lançamento é digno de entrar em qualquer lista de melhores do ano.

Sim, é impressionante, ainda mais se levarmos em consideração que o Overkill completa 40 anos em 2020. E sem tirar o pé do freio. É exatamente isso que fica na cara na música que abre o disco, Last Man Standing, porrada das boas com um refrão matador. Coisa linda de ouvir, assim como Believe in the Fight, que vem a seguir com uma melodia vocal feita para funcionar ao vivo, além de uma quebra de andamento sensacional. Pronto. Em dez minutos e 52 segundos, Bobby “Blitz” Ellsworth (vocal), D. D. Verni (baixo), Dave Linsk e Derek Tailer (guitarras) e o novato Jason Bittner (bateria, ex-Shadows Fall e Flotsam and Jetsam) mostram que a banda continua a toda.


O quinteto até reduz a marcha em Head of a Pin, mas a empolgação fica por conta do andamento cavalgado e da caixa de riff aberta por Linsk e Tailer. Aliás, é essa diversidade dentro do próprio disco que torna o thrash metal do grupo ainda mais interessante, afinal, como explicar a deliciosa loucura musica da ótima Bat Shit Crazy? Propositalmente ou não, o título é autoexplicativo. Mas aí vem Distortion, com algo de Iron Maiden no começo que leva o Overkill pelo caminho do heavy metal clássico, e na sequência A Mother’s Prayer, com um baita riff de baixo, dá início a uma nova pancadaria – diga-se mais uma vez, porque você já deve ter lido ou escutado por aí: Verni tem um dos timbres mais bonitos do instrumento no metal.

E se há algo que a banda não abandona é a veia punk, desta vez muito presente em Welcome to the Garden State, um arrasa-quarteirão que sugere um momento para recobrar o fôlego a seguir. Então, a sensacional Where Few Dare to Walk, outra mais cadenciada, atende ao pedido com louvor, principalmente porque é preciso enaltecer o trabalho das guitarras, mais uma vez; de Ellsworth, cuja voz continua maravilhosa e irresistivelmente nervosa; e de Bittner. O batera já vinha massacrando peles e pratos desde o começo, mas aqui recebe definitivamente o cartão de boas-vindas do fã. The Wings of War é o primeiro álbum sem Ron Lipnicki desde ReliXIV, vale ressaltar.


O início acachapante de Out on the Road-Kill, com umas paradinhas muito bem sacadas e novos ótimos riffs, prepara o terreno para o massacre final com Hole in My Soul. A décima faixa faz com que o disco termine como começou: machucando pescoços e apresentando riffs e mais riffs cavalares. Tudo bem que ainda tem a faixa bônus, In Ashes, divertida de tanto que soa descompromissada em relação ao restante do CD – e exatamente por isso talvez seja um extra. The Wings of War fica um pouco abaixo de The Grinding Wheel, cuja primeira audição reservou a ele um lugar cativo na lista de melhores de 2017, mas o 19º disco do Overkill é forte candidato a repetir o feito este ano.

Faixas
1. Last Man Standing
2. Believe in the Fight
3. Head of a Pin
4. Bat Shit Crazy
5. Distortion
6. A Mother’s Prayer
7. Welcome to the Garden State
8. Where Few Dare to Walk
9. Out on the Road-Kill
10. Hole in My Soul
11. In Ashes (faixa bônus)


Banda
Bobby “Blitz” Ellsworth – vocal
Dave Linsk – guitarra
Derek “The Skull” Tailer – guitarra
D. D. Verni – baixo
Jason Bittner – bateria

Lançamento: 22/02/2019

Produção: Overkill
Mixagem: Chris “Zeuss” Harris

Flotsam and Jetsam – The End of Chaos

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

A expectativa era alta depois do autointitulado álbum lançado em 2016, um dos melhores lançamentos daquele ano no mundo do rock pesado, e The End of Chaos não decepcionou. Muito pelo contrário. Com uma mudança na formação – a entrada do experiente Ken Mary (Fifth Angel, ex-Impellitteri, Chastain, Alice Cooper e House of Lords) no lugar de Jason Bittner, hoje no Overkill –, Eric “A.K.” Knutson (vocal), Michael Gilbert e Steve Conley (guitarras) e Michael Spencer (baixo) organizaram mais uma aula de heavy metal. Porque o 13º disco de inéditas do Flotsam and Jetsam transcende os rótulos dados à banda americana, especialmente o thrash metal.

Com uma introdução dentro da própria música, Prisoner of Time abre o CD respirando metal tradicional bem melódico, destacando a linha de baixo e a melodia vocal, porque a pancadaria só começa na faixa seguinte, a ótima Control. E é impossível esconder o sorriso no rosto com o lick inicial de Mary, que começa quebrando tudo, como numa viagem de volta ao tempo de Alice Cooper – mais precisamente de Freedom, de Raise Your Fist and Yell (1987). Como toca esse cara! E é bom demais ver o batera novamente num grupo como o Flotsam and Jetsam, no qual pode inserir doses generosas de fúria em sua técnica apurada.


Mary é, de fato, um show à parte em The End of Chaos. Quer mais uma introdução avassaladora de bateria, desta vez no meio do instrumental? Ouça Good or Bad, que tem uma levada sensacional e ainda presenteia o ouvinte com um baita trabalho de Gilbert, Conley e Spencer nas cordas. Se o dono das baquetas rouba completamente a cena em Snake Eye, no geral ele está muito bem acompanhado, porque em poucos minutos de música rolando você pode notar que os guitarristas estão matando a pau com riffs cortantes e solos, e que o baixista continua tirando um som bonitão do instrumento. Confira Slowly Insane, cuja parte instrumental pula-pula não vai deixá-lo parado.

Aliás, o que não faltam são momentos absolutamente empolgantes no novo trabalho. Primeiro videoclipe extraído do álbum, Demolition Man é um exemplo perfeito, mas a faixa deve ser bem servida ao lado de canções como Recover, que tem novo show de Mary e um refrão simples e espetacular; e Architects of Hate, por sua vez com solos matadores de Gilbert e Conley e, por último, mas não menos importante, uma intepretação raivosa de A.K., para variar marcando território com sua voz inconfundível e uma performance que equilibra muito bem emoção e técnica.


É ele, por exemplo, quem apresenta a combinação de elementos muito bem misturados pelo grupo. Seja no heavy metal de primeira linha de Prepare for Chaos, com uma rifferama das boas, e Survive, que soa ainda mais metal clássico; seja nas rápidas Unwelcome Surprise e The End, esta com um grande refrão. Em tempo: a versão japonesa vem com uma faixa bônus, a ótima Another One, que poderia muito bem resumir o disco: o vocalista guiando um instrumental poderoso, com o baixo pulsante e os riffs e solos precisos, mas com A.K., Gilbert, Conley e Spencer virando para Mary e falando “Faz aí uma daquelas entradas espetaculares para usarmos na música”. E o batera fez ainda melhor…

Faixas
1. Prisoner of Time
2. Control
3. Recover
4. Prepare for Chaos
5. Slowly Insane
6. Architects of Hate
7. Demolition Man
8. Unwelcome Surprise
9. Snake Eye
10. Survive
11. Good or Bad
12. The End


Banda
Eric “A.K.” Knutson – vocal
Michael Gilbert – guitarra
Steve Conley – guitarra
Michael Spencer – baixo
Ken Mary – bateria

Lançamento: 18/01/2019

Produção: Flotsam and Jetsam
Mixagem: Jacob Hansen

Last in Line – II

Por Daniel Dutra | Fotos: Jim Wright/Divulgação

De cover de luxo do DIO à identidade própria. Formado pelos integrantes originais da banda de Ronnie James Dio – Vivian Campbell (guitarra), Jimmy Bain (baixo) e Vinny Appice (bateria) – ao lado do vocalista Andrew Freeman, o Last in Line tem uma linha do tempo não linear, e é isso que pode explicar a diferença entre Heavy Crown (2016) e II. Agora com Phil Soussan (ex-Ozzy Osbourne) no lugar deixado pelo saudoso Bain, falecido em 2016, o quarteto se afastou da proposta inicial também musicalmente, uma vez que o novo material pouco ou nada remete aos clássicos Holy Diver (1983), The Last in Line (1984) e Sacred Heart (1985).

O início com Black Out the Sun, depois da introdução preguiçosamente chamada de Intro, até engana. Lembra aquele lado mais pesado e melódico do DIO, assim como Give Up the Ghost também resgata o peso da primeira metade dos anos 80. A rigor, é isso, porque Sword from the Stone ameaça seguir pelo mesmo caminho, mas seu refrão não tem nenhuma remissão. Pelo contrário, combina com a levada arrastada e ‘bluesy’ da canção. Ou seja, fazendo força, temos três canções respirando o passado. Pouco entre as 12 do CD, menos ainda se considerarmos que o disco de estreia tinha nada menos que seis entre as suas 11 faixas – as mid-tempo The Devil in Me, Burn This House Down e Blame it on Me; e as up-tempo Already Dead, Martyr e I Am the Revolution.


Ponto para o Last in Line, que não reinventou a roda, mas criou um disco agradável ao buscar um rumo só seu. Rumo, aliás, que acerta ao parar para abastecer a sonoridade com um pouco de hard rock. Ouça The Unknown, por exemplo. Ou Landslide, que faz uma bela fusão do hard com o heavy rock e apresenta um dos destaques do álbum: Campbell. Na verdade, o grande mérito do grupo e fazê-lo tocar de verdade, uma vez que no Def Leppard o guitarrista é basicamente peça decorativa. Claro, é por causa da banda britânica que ele paga as contas, mas é bom demais ouvir solos como o de Landslide. Quer mais? Fique com as ótimas Gods and Tyrants, que tem um toque sulista à la Lynyrd Skynyrd, e Love and War, bonita e ligeiramente psicodélica.

Nesse quesito, daria até para destacar Year of the Gun, mas esta peca pelo refrão repetido exaustivamente – algo até comum em II, mas exagerado aqui. Seria uma pena ainda maior se ela fosse a maior performance de Appice, mas o sempre excelente batera brilha também em False Flag, um bom exemplo de como o Last in Line acerta ao pisar no acelerador. Isso vale também para a empolgante Electrified, na qual Freeman é quem brilha mais. O desfecho com The Light mistura todos esses elementos, com o refrão mais cadenciando quebrando o ritmo do instrumental mais rápido. E ainda tem o solo…


II pode ser a prova definitiva de que o Last in Line quer vencer por seus méritos. Por razões óbvias, a banda nunca vai se desvencilhar da sombra de Ronnie James Dio, mas buscar o próprio caminho é tão elogiável quanto a iniciativa de lançar material autoral. Apesar de ainda ser estranho olhar para (e ouvir) Campbell revisitando o passado, justamente por causa das rusgas públicas com Dio – e de o Last in Line ter acontecido não muito depois da morte do maior vocalista da história do heavy metal –, criar é exatamente o que deveria ser um dos pontos de interseção com o Dio Disciples. E talvez seja essa uma das razões das rusgas entre os dois grupos.

Faixas
1. Intro
2. Black Out the Sun
3. Landslide
4. Gods and Tyrants
5. Year of the Gun
6. Give Up the Ghost
7. The Unknown
8. Sword from the Stone
9. Electrified
10. Love and War
11. False Flag
12. The Light


Banda
Andrew Freeman – vocal e piano
Vivian Campbell – guitarra
Phil Soussan – baixo e teclados
Vinny Appice – bateria

Lançamento: 22/02/2019

Produção: Jeff Pilson
Mixagem: Andrew Freeman, Chris Collier e Phil Soussan

Soilwork – Verkligheten

Por Daniel Dutra | Fotos: Stephansdotter Photography/Divulgação

O Soilwork é uma daquelas bandas que precisaram de pouco para entrar no rol de favoritas da casa, mas parecia que Stabbing the Drama (2005) havia fechado um ciclo de grandes trabalhos, aqueles memoráveis. Claro, não dava para cravar que período de ânimo em baixa duraria para sempre, até porque os discos seguintes – Sworn to a Great Divide (2007), The Panic Broadcast (2010) e The Living Infinite (2013) – provaram ser legais. De qualquer maneira, residia aí o problema: são apenas legais, e legal é pouco para o Soilwork. The Ride Majestic (2015) reacendeu o fogo uma década depois, mas foi justamente a parada depois do décimo álbum de estúdio e sua extensa turnê mundial que revigorou a banda sueca.

Verkligheten, a palavra sueca para “realidade”, chega às lojas e ao mundo digital de streaming quase quatro anos depois do CD anterior. Nunca o Soilwork havia levado tanto tempo para lançar um novo trabalho de inéditas, mas o descanso fez mesmo muito bem a Björn “Speed” Strid (vocal), David Andersson e Sylvain Coudret (guitarras), Sven Karlsson (teclados) e Bastian Thusgaard (bateria), obrigado – com a saída de Markus Wibom no fim de 2017, Taylor Nordberg assumiu o baixo nos shows, mas o grupo se manteve oficialmente como um quinteto, com as quatro cordas ficando a cargo de Andersson no estúdio. Revigorado, o grupo lançou um álbum que o mantém olhando para frente e resgata elementos do passado.


Os cinco acertaram de cara com a instrumental faixa-título, cujos toques de western e progressivo relaxam o ouvinte para a pancadaria. Arrival, When the Universe Spoke e Needles and Kin trazem um elemento peculiar do Soilwork: blast beats acompanhados por riffs ou temas de guitarra mais melódicos, invariavelmente com vocais limpos. E o resultado é um belo contraste, até porque as músicas possuem características diferentes: a primeira é mais heavy metal; a segunda descamba para o thrash (com um instrumental riquíssimo e os vocais mais guturais e agressivos de Strid em todo o álbum); e a terceira, com participação de Tomi Joutsen (Amorphis), dá as mãos ao death.

Mas se você quiser ouvir todos esses elementos ao mesmo tempo agora, caia dentro da empolgante Witan, uma canção rápida, brutal e melódica. Ou experimente Bleeder Despoiler, que faz perfeitamente a ponte entre o passado e o presente numa sonoridade 100% Soilwork. Outra característica do DNA da banda se faz presente em alto e bom som: os refrãos bem construídos e grudentos. Ouça The Wolves Are Back in Town, The Ageless Whisper (na qual Strid soa como vários vocalistas num só) e You Aquiver, esta com Dave Sheldon (Exes for Eyes) – a lamentar apenas que as duas primeiras pequem, por assim dizer, em pequenos detalhes: a seção instrumental do solo de The Wolves Are Back in Town é ótima, só que curta; e a intervenção do teclado antes do solo de The Ageless Whisper também poderia ter uma duração mais generosa.


Nada, no entanto, que interfira no resultado final. Até porque três músicas em especial tratariam de deixar o nível muito elevado. Preste atenção na espetacular Full Moon Shoals, levada por um grande trabalho de Thusgaard nos bumbos; em The Nurturing Glance, com um solo matador; e na joia Stålfågel, que bem soa como o Night Flight Orchestra, o maravilhoso projeto paralelo de Strid e Andersson, se enveredando pelo death metal melódico – a faixa ainda tem uma versão com a participação de Alissa White-Gluz exclusiva para o iTunes, mas dá para jurar que se ouve a voz da vocalista do Arch Enemy na que está no CD.

A edição nacional ainda traz as quatro faixas bônus que saíram no digipack europeu e como o EP Underworld no Japão: a rápida e melódica Summerburned and Winterblown, com um ótimo trabalho de guitarras e bateria; In This Master’s Tale, mais metal e com uma interpretação nervosa de Strid; The Undying Eye, com blast beats e um baita refrão melódico, além de mais um solo caprichado; e a versão original de Needles and Kin, sem a presença de Joutsen. Resumo da ópera, Verkligheten é um discaço! Essencial ao fã do Soilwork e também do gênero, o álbum já figura entre os cinco melhores do grupo – a ordem fica a gosto do admirador – e é fortíssimo candidato para entrar na lista de melhores lançamentos de metal de 2019.


Faixas
1. Verkligheten
2. Arrival
3. Bleeder Despoiler
4. Full Moon Shoals
5. The Nurturing Glance
6. When the Universe Spoke
7. Stålfågel
8. The Wolves Are Back in Town
9. Witan
10. The Ageless Whisper
11. Needles and Kin
12. You Aquiver
13. Summerburned and Winterblown (faixa bônus)
14. In This Master’s Tale (faixa bônus)
15. The Undying Eye (faixa bônus)
16. Needles and Kin (versão original) [faixa bônus]


Banda
Björn “Speed” Strid – vocal
Sylvain Coudret – guitarra
David Andersson – guitarra, baixo e piano
Sven Karlsson – teclados
Bastian Thusgaard – bateria

Convidados
Tomi Joutsen – vocal (faixa 11)
Dave Sheldon – vocal (faixa 12)
Åsa-Hanna Carlsson – violoncelo (faixas 2, 3, 4, 6, 10 e 11)

Lançamento: 11/01/2019

Produção e mixagem: Thomas “PLEC” Johansson