System of a Down – Steal This Album!

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Pode uma banda lançar um disco simplesmente espetacular e as músicas que ficaram fora ainda formarem, pouco mais de um ano depois, outro trabalho de tirar o fôlego? Se o grupo for o System of a Down e se os dois álbuns forem Toxicity (2001) e Steal This Album! (2002), respectivamente, então a resposta é sim. A história é simples: as canções começaram a vazar na internet, e o novo CD chegou às lojas. Mas antes que alguém grite “oportunismo”, é necessário ressaltar que na Grande Rede circulavam as versões demo, e Steal this Album! tem produção sonora perfeita, a cargo de Rick Rubin e do guitarrista Daron Malakian.

O pirata chegou ao mercado na forma do disquinho prateado, mas até aí também não se discute a validade de ter na estante o CD original. Toxic Demos, um dos bootlegs mais conhecidos, tem capa digipack e produção bem bacana, mas basta olhar as músicas para ver quanta diferença. Quinze faixas contra 16, uma em duas versões diferentes – Thetawaves chamada de Waiting for You, com mudanças apenas no refrão e sua melodia vocal –, o restante também com nomes diferentes e duas canções bônus, Virgin Tea e Fortress (Outer Space), que todo mundo já deve ter baixado (menos eu, que paguei por uma cópia de Toxic Demos).

E por que vale a pena comprar Steal this Album!? Porque já é um dos melhores lançamentos do ano e serve de aperitivo para acalmar os ânimos enquanto Malakian, Serj Tankian (vocal), Shavo Odadjian (baixo) e John Dolmayan (bateria) não aprontam o quarto disco, previsto apenas para 2004. Chic ‘n’ Stu abre o CD mostrando o poder de fogo habitual do SOAD e um questionamento: é curioso notar como os descendentes de armênios fazem tanto sucesso com um som pouco (e muitas vezes nada) acessível. Melodia e (muito) peso aliados a partes rápidas, cadenciadas e lentas, com o versátil e ótimo Tankian ora agressivo, ora suave (provavelmente o vocalista mais próximo do excelente Mike Patton).


Na mesma linha estão as ótimas Bubbles, A.D.D., Pictures, Fuck the System, Streamline e Boom – que ganhou videoclipe dirigido por Michael Moore, vencedor do Oscar de Melhor Documentário por “Tiros em Columbine” (2002). Assim como o discurso inflamado de Moore, Boom traz imagens em que George W. Bush, Tony Blair, Osama Bin Laden e Saddam Hussein aparecem todos como farinha do mesmo saco. Além de músicas típicas da banda, há as mais suaves, como Ego Brain e a belíssima Roulette, e as que ficam no meio termo, exemplo de 36 (Tankian mandando muito bem), Highway Song e Nuguns, que tem a participação do percussionista Arto Tuncboyaciyan.

Entre tanta coisa boa, ainda dá para destacar as melhores: Innervision começa igualzinha a Roots Bloody Roots, do Sepultura, depois vira SOAD e se mantém empolgante como as duas bandas; Mr. Jack cresce para virar um verdadeiro arrasa-quarteirão, cortesia do andamento quebrado de Dolmayan com os riffs alucinantes de Malakian; e I-E-A-I-A-I-O tem um dos refrãos mais bacanas do rock nos últimos tempos, com Tankian numa interpretação, digamos, indígena de dar gosto. É ouvir e sair cantando e pulando.

Ah, sim: sabe o bootleg Toxic Demos? Não tem Innervision, Fuck the System, Ego Brain e Roulette. E também não dá para colocar no computador, acessar um site específico e ter acesso a letras e ficha técnica do disco. Steal This Album! não tem nem encarte, mas o que importa? Difícil é encontrar música mais bacana por aí. Não à toa o System of a Down é uma das melhores bandas surgidas nos últimos anos, e o que é ainda mais gratificante: sem a pompa enganosa de salvação ou futuro do rock.

Resenha publicada na edição 95 do International Magazine, em agosto de 2003.

Anthrax

Por Daniel Dutra | Fotos: Andi Buchanan/Divulgação

Há bandas que não precisam estar sempre no auge para ter um lugar de destaque na história. É o caso do Anthrax, um dos ícones do thrash metal e nome dos mais importantes do rock pesado. Responsável por um dos discos essenciais para se entender o estilo nos anos 80 – a obra-prima Among the Living (1987) –, o grupo fez há mais de 15 anos o que hoje muitos acham que é novidade: misturou heavy metal com rap/hip hop. Começou com o EP I’m the Man (1987) e seguiu na parceria com o Public Enemy em Bring the Noise, canção originalmente gravada por Chuck D, Flavor Flav e cia. em 1987, para a trilha sonora do filme “Abaixo de Zero”, mas que ganhou uma nova versão com o Anthrax quatro anos depois. De volta à grande mídia após o fatídico 11 de setembro de 2001 – lembram-se das ameaças com o vírus antraz? –, a banda chegou a anunciar, brincando, que mudaria seu nome para Basket Full of Pupies. Agora é a vez de a música falar mais alto, com o ótimo We’ve Come for You All. Para falar sobre como está o Anthrax hoje, conversamos por telefone, diretamente de Nova York, com o baterista Charlie Benante – John Bush (vocal), Scott Ian e Rob Caggiano (guitarra) e Frank Bello (baixo) completam o time.

Nos últimos dez anos, o Anthrax gravou apenas quatro álbuns, e We’ve Come for You All acabou sendo lançado mais de seis anos depois de Stomp 442 (1995). Por que tanta demora?
Porque nós queríamos dar um tempo. A ideia era fazer algumas coisas fora da banda e depois nos juntarmos, ou seja, voltar a compor quando sentíssemos que era hora de gravar nosso disco mais importante.

E quando vocês decidiram que era o momento certo?
Em junho de 2001, eu acho.

As músicas são todas novas ou há alguma que vocês compuseram antes desse período e resolveram aproveitar agora?
Apenas uma parte de Black Dahlia é sobra do último disco, mas não toda a música.

Você chamou de disco mais importante, mas concorda que We’ve Come for You All é o melhor trabalho do Anthrax com John Bush nos vocais?
Todos nós concordamos, pois trabalhamos duro para isso. Você sabe, não lançávamos um disco há alguns anos, e muita coisa mudou. Seria ótimo se o álbum saísse e vendesse logo umas cem mil cópias, só que é um novo começo para nós nos Estados Unidos, já que na Europa estamos muito melhores. Gostaríamos que tudo acontecesse mais rapidamente, mas sabemos que será um processo lento.


Já que tocou no assunto, você acredita que o new metal tem alguma parcela de responsabilidade no que está acontecendo nos EUA?
(N.R.: pensativo) Bem, acho que o estilo é o que mais se aproxima do heavy metal, mas não é metal. Eles têm de rotular essas bandas de alguma maneira. Na verdade, eu não me importo com Linkin Park ou Limp Bizkit, por exemplo. São apenas boy bands ou bandas pop com guitarras pesadas (risos).

O new metal é bastante popular no Brasil, mas o heavy metal cresceu bastante e de forma consistente nos últimos anos no país. Assim, parece que os EUA estão dando as costas ao estilo que ajudou a crescer.
Com certeza. Na Europa, o heavy metal e o hard rock são levados muito a sério. Diferentemente dos EUA, onde o que importa é a moda, onde muita merda é empurrada todo dia às pessoas. Veja o que aconteceu com a MTV… Para ser honesto, os últimos cinco ou seis anos não foram bons para a música nos EUA. No caso do Anthrax, os meios de divulgação para a nossa música são restritos.

Vocês tentaram uma volta ao som básico com o novo álbum? Quer dizer, as canções continuam não soando simples, mas estão mais diretas e objetivas, sejam as mais agressivas, como What Doesn’t Die e Black Dahlia, ou as mais pesadas, como Refuse to Be Denied e Cadillac Rock Box.
Sim. Preocupamo-nos em trabalhar música por música, e demorou uma seis ou sete para termos uma ideia da forma que o disco estava tomando. A primeira canção que escrevemos foi Superhero, e o álbum seria totalmente diferente se ela fosse, digamos, nosso padrão. Eu não sei como definir Cadillac Rock Box, por exemplo, mas se encaixa no contexto.

Any Place But Here, Nobody Knows Anything e Taking the Music Back têm refrãos empolgantes, perfeitas para levar os fãs à loucura nos shows. Elas estão no set list? Aliás, há alguma no disco que você pode dizer ser a sua preferida?
Obrigado. Sim, estamos tocando essas músicas, mas é difícil dizer de qual eu gosto mais. Na verdade, eu não tenho uma favorita.

A arte da capa foi feita por Alex Ross, que é autor de algumas obras brilhantes publicadas pela Marvel Comics. Como vocês entraram em contato com ele?
Foi um webmaster chamado Brent Thompson que o indicou para nós, quando dissemos que queríamos algo forte e diferente. Na mesma hora achamos uma ótima ideia, e ele mandou um e-mail para o agente do Alex. Começamos a trabalhar a partir daí.

E ele, por acaso, é fã do Anthrax?
Eu não diria que ele é um grande fã, mas conhecia muito material nosso. Então, acredito que seja um pouco fã, sim (risos).

Parece que agora vocês realmente acharam um substituto para o Dan Spitz, já que Rob Caggiano está nos créditos e chegou a produzir o disco, ou seja, tem um papel muito maior que ex-guitarrista Paul Crook.
A química tem de funcionar. Paul é uma ótima pessoa, e nós o adoramos, mas isso não acontecia com ele. Rob provou ser a pessoa certa quando vimos que o relacionamento pessoal estava muito bom, sem contar que é um ótimo guitarrista. Para completar, ele tem uma ideia clara de como o Anthrax deve soar, é parte importante do processo.


Vocês mandaram algumas cópias do single Safe Home para as rádios, mas sem especificar na capa que era um CD do Anthrax. Por quê?
Foi uma tentativa para que não houvesse algum tipo de preconceito. Queremos apenas que as pessoas escutem a música antes de fazer algum julgamento.

Safe Home, aliás, tem umas melodias que lembram Thin Lizzy. Foi intencional?
Não, aconteceu naturalmente. É uma música que surgiu do nada e ficou perfeita. Sinceramente, todas essas bandas de grande sucesso nos EUA não têm uma canção que seja melhor que Safe Home.

Depois de 11 de setembro, o problema com o vírus antraz trouxe alguma atenção à banda. Houve alguma lição tirada do que poderia ter sido uma propaganda negativa?
Acredite, não foi ruim como as pessoas imaginam. Estamos acostumados desde o início com as dificuldades que o nome sempre pode trazer, mas aí aparecem uns imbecis para propagar o terrorismo e assustar as pessoas. O legal foi que não houve nenhuma associação negativa ou maldosa. Anthrax é apenas o nome da banda, não algo ruim como o vírus.

Eu não sei se você é um grande fã do KISS como o Scott Ian…
(N.R.: interrompendo) Como o Scott? Não, não! Corrija isso, por favor. Provavelmente, sou muito mais fã do que ele! (risos)

Ótimo, porque a pergunta era para ele e agora vai para você. O que acha da decisão de colocar Tommy Thayer no lugar de Ace Frehley, inclusive com a maquiagem?
Devo confessor que fiquei meio puto, como todo fã de verdade. Mas depois percebi que isso não importa. Seria melhor se o Ace estivesse lá, mas nada irá impedir Gene e Paul de continuar com a banda e ganhar mais dinheiro com ela (risos).

Ano passado, entrevistei o Dan Lilker (N.R.: baixista do Nuclear Assault), e ele me disse que Billy Milano foi a causa do fim do SOD, inclusive por causa do relacionamento com você e o Scott. Foi isso mesmo?
Absolutamente. Ele tem alguns problemas… (N.R.: pensativo) É difícil lidar com ele.


A primeira e única vez que o Anthrax tocou no Brasil foi em 1994. Quais as lembranças e quando a banda voltará?
Nós adoramos aqueles shows! Foi excitante como a primeira vez (risos). Havia bastante energia, e foi gratificante ver e ouvir os fãs cantando nossas músicas, só que no momento não há planos para retornar. Mas é claro que isso pode mudar.

Vocês tiveram alguns problemas com gravadoras no passado. Como está o relacionamento com a Sanctuary?
A questão principal com as gravadoras é que não é possível ficar 100% satisfeito com o que elas fazem. Sempre há problemas, por isso agora nós tentamos identificá-los e consertá-los antes que se tornem realmente um problema.

No Brasil, alguns artistas já lançam seus CDs de maneira independente, colocando-os à venda em livrarias e bancas de jornal. Você acredita que é possível acontecer isso nos EUA?
Sinceramente, não. Quando estou em turnê, o que faço é visitar todas as lojas possíveis. Confiro se o CD está à venda, se a divulgação é boa e se o preço é acessível. É o que dá para fazer. Infelizmente, não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mas tentamos manter o controle da situação.

Bom, obrigado pela entrevista e boa sorte com o novo disco e a turnê.
Obrigado a você também, e espero vê-lo em nosso show. Se o Anthrax for ao Brasil, claro (risos).

Entrevista publicada na edição 95 do International Magazine, em agosto de 2003.

Helloween – Rabbit Don’t Come Easy

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Helloween criou e ensinou, mas os alunos não aprenderam. Alguns até se saem razoavelmente bem, mas a maioria fez com que o metal melódico se tornasse uma subdivisão extremamente maçante dentro do rock pesado. Então, não surpreende que os alemães não apenas sejam referência, como também se mantenham entre os grandes do estilo. E o excelente Rabbit Don’t Come Easy é a prova cabal disso. “O ‘Happy Happy Helloween’ está de volta”, diz o vocalista Andi Deris, em entrevista para divulgar o décimo ‘full-length’ do quinteto. “Nós tínhamos de colocar a banda de volta aos trilhos. The Dark Ride (2000) foi apenas uma experiência, mas agora é diferente, pois estamos num ótimo momento. Muitas respostas estão no novo trabalho, e dá para entender por que certas pessoas não estão mais conosco.”

Deris não tem meias palavras e mostra-se bastante sincero ao comentar os problemas que culminaram com a saída em 2001 do baterista Uli Kusch e do guitarrista Roland Grapow, alvos da indireta acima. “O problema com Roland começou três anos e meio antes. Eu e Uli estávamos querendo tirá-lo da banda, mas Weiki (N.R.: o mentor e guitarrista Michael Weikath) deu uma segunda chance a ele. Não adiantou muita coisa. Uli acabou mudando de lado, e a situação se inverteu, por isso tivemos de fazer algo, pois cedo ou tarde eles precisariam sair. Naquelas circunstâncias, as coisas já não funcionavam mais, a química havia ido para o inferno. Depois do show no México (N.R.: no início de agosto de 2001, quando Deris ficou bastante gripado e algumas apresentações foram cancelados), decidimos que o Helloween deveria ser uma banda feliz novamente.”

Os dois ex-integrantes formaram o Masterplan – que lançou no fim de 2002 um ótimo disco homônimo –, e Andi não esconde uma, digamos, antipatia por Roland. “Eu precisei de dois anos para perceber que ele e Weiki não gostavam um do outro, afinal, nunca ensaiavam juntos, não se encontravam ou se falavam direito. Roland estava sempre interessado apenas no que ele compunha, ou seja, uma ou duas canções. E não era culpa nossa, mas apenas o fato de que ele não trazia à banda mais do que isso”, lembra o vocalista, que dá um exemplo concreto. “Durante a pré-produção de Better than Raw (1997), ele apareceu com apenas um riff e esperava que dele nós fizéssemos uma música. Eu simplesmente disse que trabalharia em algo que eu escrevi, não numa ideia que havia sobrado de seu disco solo.”


Sascha Gerstner (ex-Freedom Call) assumiu as seis cordas e tornou-se o orgulho do Helloween. “Ele tem 26 anos e cresceu ouvindo Helloween e minha ex-banda, o Pink Cream 69. Sascha é incrível, o melhor guitarrista que já ouvi. Você pode perceber tudo isso quando ele toca, e não digo isso porque ele está tocando comigo, mesmo porque nunca me referi ao Roland dessa maneira. Estou realmente feliz por tê-lo na banda, principalmente porque gostamos dele como pessoa, e ele se deu muito bem com o Weiki. Parecem até mesmo um casal (risos).” Para o lugar de Uli foi chamado o ex-Metalium Mark Cross, que contraiu uma doença chamada mononucleose, causada pelo vírus Epstein-Barr, e acabou sendo substituído por Stefan Schwarzmann (ex-Accept, UDO e Running Wild). No entanto, foi o magistral Mikkey Dee (Motörhead) quem assumiu as baquetas nas gravações. “Concordo com você. Ele é fantástico! Chegou ao estúdio sem a menor ideia do que teria pela frente, pegou as músicas com muita rapidez e fez um trabalho impressionante.”

E o disco? Vale a pena repetir: Rabbit Don’t Come Easy é arrasador, simplesmente o melhor trabalho do Helloween desde Master of the Rings (1994). Just a Little Sign, primeiro single e música que abre o álbum, diz tudo: levada empolgante, aquelas guitarras características (e únicas) e um refrão que você sai cantando sem precisar ouvir uma segunda vez. Tudo remete ao que o Helloween criou há mais de 15 anos. Exemplos? As ótimas The Tune, Hell Was Made in Heaven e Do You Feel Good; a balada Don’t Stop Being Crazy e Never Be a Star, faixa com acento mais hard; e as excelentes Sun 4 the World e Listen to the Flies (com um belíssimo solo de Gerstner).

Quer músicas mais pesadas? Escute Back Against the Wall e a espetacular Liar (com um dos muitos shows de Dee ao longo do disco). Uma para justificar estas linhas? A perfeita Nothing to Say. Pouco mais de oito minutos de riffs sensacionais (sem esconder a admiração de Weikath pelo ex-Deep Purple Ritchie Blackmore) e várias mudanças de andamento, incluindo uma passagem reggae como ponte para o excelente refrão e também uma parte lenta/instrumental belíssima no meio da canção. Resumo da ópera: Nothing to Say é o sinônimo de Rabbit Don’t Come Easy.

Resenha publicada na edição 93 do International Magazine, em junho de 2003.

Queensrÿche: a MK I ainda vive

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Vinte anos de história, 15 deles registrados nos sete CDs que a Capitol Records relançou em maio nos Estados Unidos: chegou a vez de o Queensrÿche ganhar a inevitável série remasterizada, com faixas extras, encartes com liner notes e fotos novas e/ou inéditas. O trabalho (muito bem) caprichado da gravadora dá as caras logo no primeiro lançamento, a demo tape que virou o EP simplesmente intitulado Queensrÿche (1983). O autor do texto histórico é ninguém menos que Paul Suter, editor da conceituada Kerrang! e um dos grandes responsáveis pelo sucesso inicial da banda. Ao receber uma fita dos então empresários do grupo, Kim e Diana Harris, Suter rasgou seda numa edição da revista inglesa – “o futuro do heavy metal”, disse ele –, e o resultado foi avassalador: as quatro músicas (Queen of the Reich, Nightrider, Blinded e The Lady Wore Black) se transformaram em vinil 12″ (do selo independente e próprio do grupo, 206 Records), 60 mil cópias foram vendidas e um contrato com a EMI foi assinado sem que Geoff Tate (vocal), Michael Wilton e Chris DeGarmo (guitarras), Scott Rockenfield (bateria) e Eddie Jackson (baixo) tivessem feito show algum.


O bônus do CD é simplesmente delicioso, pois se trata da íntegra do maravilhoso vídeo Live in Tokyo (1985), ou seja, as canções do EP e seis do primeiro álbum, The Warning, lançado em setembro de 1984. Produzido por James Guthrie (Pink Floyd), este é um trabalho essencial à discoteca de qualquer metalhead que se preze. E um dos melhores exemplos do que o metal dos anos 80 tem de melhor. Nada do hard rock americano que despontava (não à toa o Queensrÿche era frequentemente associado à Inglaterra), mas um som pesado e já preocupado com a qualidade instrumental, ratificada na presença de Michael Kamen, responsável pelas partes orquestradas. Fora isso, letras inteligentes e uma postura séria. Tudo isso fica latente em músicas como Warning, NM156, o clássico Take Hold of the Flame e a épica Roads to Madness. De presente, a reedição traz versões ao vivo de The Lady Wore Black e Take Hold of the Flame, além de Prophecy – que, diga-se de passagem, foi bônus do EP quando lançado em CD em 1988. Trata-se de uma das primeiras composições da banda, mas a gravação foi realizada durante as sessões de Rage for Order.

E vamos ao segundo disco, que mostra a banda à frente de seu tempo. Rage for Order chegou às lojas em 1986 e foi criticado por boa parte da imprensa e dos fãs, mas foi necessário pouco tempo para que todos se rendessem a um trabalho visionário. Duvida? Vale lembrar que não é exagero dizer que grupos como Fates Warning e Dream Theater não estariam fazendo o que fazem hoje não fosse este álbum. Há 17 anos, o Queensrÿche dava o ponto de partida no prog metal: apesar de as músicas não passarem de quatro ou cinco minutos, a influência de rock progressivo é sentida não apenas no maior uso dos teclados, mas nos efeitos sonoros e arranjos. Além disso, o soberbo instrumental fugia do lugar-comum. Excelentes riffs (muitas vezes dois diferentes tocados paralelamente numa mesma música), harmonias, arranjos e solos belíssimos, estes invariavelmente alternados e dobrados.


Walk in the Shadows, I Dream in Infra Red, London e Screaming in Digital são perfeitas, mas The Whisper merece menção especial graças ao genial Scott Rockenfield. De andamento 4/4, a música se transforma numa de 12/8 por causa de uma quiáltera no contratempo. Inteligência e bom gosto de um batera de talento e criatividade ímpares. Os bônus do CD são de dar água na boca, apesar de a versão alternativa para Gonna Get Close to You destoar de todo o restante (faça-se o registro, é uma composição da canadense Lisa Dal Bello): temos registros ao vivo de The Killing Words e Walk in the Shadows e um belíssimo remix acústico de I Dream in Infra Red. O melhor, no entanto, ainda estava por vir. Em 1988 saiu a obra-prima Operation: Mindcrime, o melhor disco conceitual de heavy metal em todos os tempos. O enredo trazia uma evolução da influência do escritor George Orwell – principalmente da obra “1984” – nas letras do Queensrÿche, algo que já se mostrara presente em The Warning.

A trama não é tão simples, mas cabe aqui um resumo: líder de uma organização criminosa e movimento revolucionário, Dr. X acredita que pode dominar o mundo com métodos violentos. Ele tem no viciado Nikki o seu homem de confiança para assassinar políticos e líderes religiosos. Ao mesmo tempo, a prostituta Mary é tirada das ruas e transformada numa freira para vigiar os passos de Nikki, mas o relacionamento de ambos fica mais sério que o planejado. Dr. X ordena que Mary seja assassinada, enquanto o garoto pede que as mortes cessem e se recusa a fazer o trabalho. Ao voltar para a igreja, Nikki a encontra morta, e daí para frente a sequência dos acontecimentos leva o fã à dúvida, já que a história deixa margem para três interpretações sobre quem pode ser o assassino: Dr. X, o próprio Nikki (alucinado por causa do efeito das drogas) e Padre William, outro membro da organização (e minha aposta, diga-se de passagem).


Musicalmente, Operation: Mindcrime é brilhante do primeiro ao último segundo: Revolution Calling, a faixa-título, Spreading the Disease, as maravilhosas The Mission e Suite Sister Mary, Breaking the Silence, I Don’t Believe in Love e Eyes of a Stranger são um verdadeiro bálsamo. Como bônus, The Mission e uma linda releitura de My Empty Room, ambas ao vivo. Sucesso de crítica, com Geoff Tate elevado ao status de uma das melhores vozes do rock, o Queensrÿche experimentaria o sucesso comercial com Empire, lançado em setembro de 1990. Oito milhões de cópias vendidas apenas nos EUA, quatro discos duplos de platina, seis singles e premiações no Billboard Music Awards e MTV Music Awards em 1991 (com a belíssima balada Silent Lucidity escolhida a música do ano pelo público).

Bem diferente do álbum anterior, menos pesado e mais detalhista e técnico, Empire foi a prova de que a banda não tinha limites criativos, já que cada disco era totalmente diferente do anterior. Pérolas como The Thin Line, Jet City Woman, Della Brown e Empire garantem a excelência do álbum, enriquecido com Last Time in Paris (gravada para a trilha sonora do filme “As Aventuras de Ford Fairlane”, de 1990), Scarborough Fair (cover de Simon & Garfunkel) e Dirty Lil’ Secret (lançada como lado B de single). Mas depois de uma turnê de quase dois anos, que trouxe a banda pela primeira vez ao Brasil, para o segundo Rock in Rio, o Queensrÿche foi na contramão do sucesso e sumiu de cena para um longo período de férias.


O silêncio foi quebrado em outubro de 1994, com o lançamento de Promised Land, simplesmente a terceira obra-prima seguida, sem nenhum resquício do último trabalho. Introspectivo, com letras pessoais, repletas de questionamentos e reflexões maniqueístas sobre a vida, o CD traz músicas geniais e nada acessíveis, como I Am I, Damaged, Out of Mind, Disconnected, Lady Jane e Somenone Else? (apenas piano e voz… Impossível descrever exatamente sua beleza). A exceção não-comercial fica por conta de Bridge, linda, com vários trechos acústicos e especial para Chris DeGarmo (a letra fala do relacionamento com seu pai, que abandonou a família quando o guitarrista era pequeno e faleceu durante as gravações do disco). Os extras ficam por conta de Someone Else? numa versão de sete minutos e com toda a banda, Damaged ao vivo e a excepcional Real World (ao vivo e em estúdio), música composta para a trilha sonora de “O Último Grande Herói” (1993), de Arnold Schwarzenegger.

Hear in the Now Frontier, de 1997, marca o fim e o início de um ciclo para o Queensrÿche. Conhecido e exaltado pela complexidade e riqueza dos detalhes nas músicas, o grupo lançou seu trabalho mais simples, o que gerou comentários que havia se rendido ao grunge – uma besteira sem tamanho, convenhamos. O disco não abandona o cuidado com os arranjos e não abre mão da qualidade, como é comprovado em Sign of the Times (belíssimo refrão e uma grande letra), The Voice Inside, You, Some People Fly (perfeita em todos os aspectos), Hero (linda), Reach (riff de guitarra, refrão e bateria de absoluto bom gosto) e sp00L (se alguma banda da safra grunge tivesse escrito uma música como esta, o traje com bermuda rasgada, coturno e camisa de flanela amarrada na cintura não teria sido tão ridículo).


No entanto, há ressalvas: All I Want (cantada por DeGarmo), Cuckoo’s Nest e Anytime/Anywhere nem de longe fazem justiça à banda. Quatro músicas entram de brinde no relançamento: a bela Chasing Blue Sky (que saiu como bônus na edição japonesa) e as versões do MTV Unplugged para Silent Lucidity, The Killing Words e I Will Remember. Mas a EMI America faliu no meio da turnê, e o Queensrÿche ficou órfão. A Virgin assumiu o trabalho de divulgação, mas os shows acabaram resumidos aos Estados Unidos e a uma curta passagem pela América do Sul (Brasil e Argentina). Em janeiro de 1998, um anúncio pegou todos os fãs de surpresa: Chris DeGarmo estava fora da banda. Meses e muitos rumores depois, Kelly Gray (companheiro de Tate no The Myth, no início dos anos 80) ocupou o posto e com ele foram lançados dois discos: Q2k (1999) e o duplo ao vivo Live Evolution (2001).

Apesar de ter feito um bom trabalho no Queensrÿche, como músico e mesmo como produtor, Gray foi posto para fora em maio de 2002, e em fevereiro de 2003 aconteceu o que todos esperavam: DeGarmo estava de volta. Com a formação original, a banda compôs e gravou as dez músicas que farão parte do novo disco, Tribe, a ser lançado em 22 de julho. No entanto, no fim de abril foi anunciado que, “por motivos de agenda”, o guitarrista não participará dos shows na Europa e nos EUA. Enquanto a casa não fica em ordem, muitos fãs já apostam que esta será a última turnê da banda.


Artigo publicado na edição 93 do International Magazine, em junho de 2003.

Grand Funk Railroad: remasterizado e essencial

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Você consegue imaginar uma banda lançando quatro discos em pouco mais de um ano, e sem perder a qualidade? Difícil se acostumar à ideia quando, hoje em dia, muitas bandas não conseguem nem chegar a ter o mesmo número de álbuns no currículo. Pegando uma carona no túnel do tempo, de 25 de agosto de 1969 a 3 de novembro de 1970, o Grand Funk Railroad colocou na praça as suas quatro primeiras obras – On Time (1969), Grand Funk (1969), Closer to Home (1970) e Live Album (1970) –, todas recentemente relançadas em versões remasterizadas, incluindo as tradicionais faixas bônus (remixes, demos e versões ao vivo) apenas para os trabalhos de estúdio. Os 12 primeiros discos são parte do pacote, aqui esmiuçado num especial em duas partes.

Parte I

On Time foi o primeiro passo para o fenômeno que se tornaria a banda, apesar de a crítica não ter morrido de amores à época. Birras à parte, o álbum tem em Are You Ready, T.N.U.C. e Heartbreaker clássicos instantâneos e deu ao grupo o primeiro Disco de Ouro. Não bastasse isso, o sucesso fez com que fosse criada a Grand Funk Enterprises, responsável por administrar o dinheiro gerado por Mark Farner (guitarra, vocal e teclados), Don Brewer (bateria e vocal) e Mel Schacher (baixo). Os três, aliás, eram espetaculares ao vivo, algo que o Led Zeppelin pôde comprovar no fim de 1969, em Detroit. Diante da performance avassaladora do power trio, o empresário do Led, Peter Grant, simplesmente o expulsou do palco durante Inside Looking Out, que depois entrou no segundo trabalho da banda.

Grand Funk chegou às lojas em 29 de dezembro, repetindo o desempenho do álbum de estreia. Sucesso de público, Disco de Ouro e criticado pela imprensa (curiosamente, assim como com várias outras bandas, os “críticos experts” acabariam dando o braço a torcer). Mais bem produzido, o trabalho mantém o nível e apresenta um punhado de ótimas canções: Got This Thing on the Move, Mr. Limousine Driver, Winter and My Soul e Paranoid, além da já citada Inside Looking Out, presença obrigatória nos shows durante os anos seguintes. O power trio conseguira sua primeira turnê como headliner pelos EUA, mas foi com Closer to Home, lançado em junho de 1970, que mostrou por que é um dos melhores grupos de rock que o mundo já viu.

A bateria poderosa de Brewer, o groove e as linhas de baixo de Schacher, Farner mostrando não apenas ser um guitarrista de primeira linha, mas principalmente um grande vocalista. Todos estes elementos, somados à musicalidade das composições, transformaram Closer to Home num disco essencial a todos que gostam de rock. Aimless Lady, Mean Mistreater, I Don’t Have to Sing the Blues e I’m Your Captain dispensam adjetivos. Adicionando novos elementos ao som – como violão, Fender Rhodes e orquestra –, o Grand Funk tinha em mãos sua primeira obra-prima.

Três discos foram lançados em apenas dez meses, e a popularidade crescera de maneira impressionante. Para comemorar tanto sucesso, aconteceu o óbvio. Era hora do primeiro álbum ao vivo, e o duplo Live Album, de novembro de 1970, acabou sendo um presente aos fãs, vendido por US$ 5,98 e alçado à Disco de Platina duplo. Curiosamente, I’m Your Captain, maior hit escrito pela banda, ficou fora do álbum, mas Are You Ready, Paranoid, Heartbreaker, Mean Mistreater, T.N.U.C. e Inside Looking Out mostram toda a energia do Grand Funk Railroad. A lamentar, apenas a mixagem do álbum, por causa do irritante aumento do som da plateia durante as músicas.

Os bônus:
. On TimeHigh on a Horse e Heartbreaker (versões originais)
. Grand FunkNothing is the Same (demo) e Mr. Limousine Driver (versão original)
. Closer to HomeMean Mistreater (ao vivo e remix), In Need e Heartbreaker (ao vivo)


Parte II

Nesta segunda e última parte, são passados a limpo os oito álbuns seguintes, que fecham o pacote, a começar pelo excelente Survival, original de abril de 1971. No embalo do sucesso conquistado gradativamente nos dois anos anteriores, o trabalho chegou às lojas com um milhão de cópias vendidas, rendeu dois singles – Feelin’ Alright, de Dave Mason, e I Want Freedom – e uma releitura de Gimme Shelter, dos Rolling Stones, infinitamente superior à versão original. Curiosamente, a banda havia cortado aqui o “Railroad” do nome, passando a atender somente por Grand Funk até All the Girls in the World Beware!!! (1974), inclusive.

A popularidade do Grand Funk nos Estados Unidos à época era tão impressionante que foi durante a turnê de Survival que o grupo quebrou um recorde dos Beatles: os 55 mil ingressos para a antológica apresentação no Shea Stadium, em Nova York, no dia 9 de julho, foram vendidos em apenas três dias. Os Fab Four precisaram de um mês e 20 dias para vender a mesma quantidade em 1966. Sem perder tempo, Mark Farner (guitarra, voz e teclados), Mel Schacher (baixo) e Don Brewer (bateria e voz) voltaram para o estúdio em setembro – lembrem-se: o ano ainda é 1971 – para gravar a obra-prima E Pluribus Funk, o famoso “disco da moeda”, graças à capa do vinil na cor prata e em forma moeda. A reedição deste álbum é das mais interessantes, com quatro bônus muito bem escolhidos: I’m Your Captain/Closer to Home, Hooked on Love, Get it Together e Mark Say’s Alright, todas ao vivo.

Em 1972, com a banda no auge, surgiram os problemas com o produtor e empresário Terry Knight. Desconfiados, os músicos passaram a questionar a administração da GFR Enterprises e o contrato firmado com a Capital Records em 1969 (Knight recebia 16% de comissão em cima da vendagem dos álbuns, não os 6% previamente acordados). Uma auditoria foi feita – a cargo de John Eastman Jr., cunhado de Paul McCartney –, e a separação não foi amigável, levando a uma briga judicial que durou anos. Com novo empresário, o tour manager Andy Cavaliere, o Grand Funk assumiu as rédeas da produção e lançou mais um grande disco, Phoenix, mas que não alcançou os números anteriores de venda. Rock ‘n Roll Soul, primeiro single, é o grande destaque do trabalho, que traz ainda a participação do tecladista Craig Frost em algumas faixas e Farner falando abertamente de religião em So You Won’t Have to Die.

O Grand Funk entraria em nova fase, com Frost sendo confirmado como membro efetivo, e a sequência da briga com Knight – que conseguira no fim do ano, respaldado por um mandado da Justiça, confiscar todo o equipamento da banda. Sob a batuta do produtor Todd Rundgren, We’re an American Band foi lançado em julho de 1972 e chegou ao segundo lugar nos EUA, a mais alta posição que o grupo alcançara até então. A nova versão do álbum traz as “inéditas” Hooray e The End – aspas porque elas viram a luz do dia em 1999, no espetacular box set 30 Years of Funk: 1969-1999 –, além de clássicos como a faixa-título, Stop Lookin’ Back, Black Licorice e The Railroad.


Novamente com Rundgren pilotando a mesa – e tocando guitarra em Carry Me Through –, Shinin’ on saiu do forno em março de 1974 e, além da excelente música que dá nome ao disco, rendeu à banda um single por duas semanas no primeiro lugar da parada americana: The Loco-Motion, hit gravado por Little Eva em 1962. Ao mesmo tempo em que seguia em frente, o Grand Funk foi obrigado a pagar US$ 284 mil a Knight, que cobrava US$ 73 milhões e alegara ter recebido US$ 2,7 milhões, o que foi desmentido publicamente por Cavaliere. O disco seguinte – o único de estúdio do pacote que não ganhou bônus – foi All the Girls in the World Beware!!!, produzido por Jimmy Ienner e lançado em dezembro. O álbum trazia o grupo menos rock e mais soul, e Some Kind of Wonderful, cover do Soul Brothers Six and Fantastic Johnny C, tornou-se o grande hit.

O segundo single, Bad Time, deu a Farner o certificado de reconhecimento da BMI pela música mais executada nas rádios dos EUA em 1975. Curiosamente, foi a última canção do grupo a constar no Top 20 americano. No mesmo ano foi lançado Caught in the Act (chamar-se-ia Live 75), excelente registro ao vivo da turnê mais recente, apesar de Are You Ready, que abria os shows, ter ficado fora. O relançamento em CD, aliás, acabou sendo o grande vacilo da série em vez de consertar um erro antigo: deveria ser duplo, como o vinil, sem as edições como o corte na introdução e no solo de Brewer – o que, diga-se de passagem, já havia deixado o batera puto da vida.

O irregular Born to Die, último do pacote, traz Bare Naked Woman e Genevie como extras em versões inéditas, mas foi o disco que fracassou em 1976 e causou o primeiro (e muito rápido) fim do Grand Funk Railroad. No mesmo ano, saiu o ótimo Good Singin’ Good Playin’, com a produção de Frank Zappa. O disco não faz parte dos relançamentos porque em 1999 havia chegado às lojas pela primeira vez em CD, remasterizado e com duas faixas a mais: Goin’ for the Pastor e Rubberneck. O Grand Funk ainda está na ativa hoje em dia, mas sem Farner. Ao lado de Schacher e Brewer estão o guitarrista Bruce Kulick (ex-KISS), o vocalista/guitarrista Max Carl e o tecladista Tim Cashion.


Live the 1971 Tour, mais uma pérola do Grand Funk

Uma banda que já lançou três trabalhos ao vivo precisa de mais algum? Se for o Grand Funk Railroad – responsável por discos como Live Album (1970), Caught in the Act (1975) e Bosnia (1997) –, a resposta é sim, e com louvor! No momento em que sua discografia vem sendo relançada, remasterizada em 24 bits e com faixas bônus, chega também à praça o excepcional Live: The 1971 Tour.

O álbum é uma compilação inédita da turnê americana no ano em que a banda lançou a obra-prima E Pluribus Funk e o excelente Survival. À época, o Grand Funk era “apenas” Mark Farner (guitarra, vocal e teclados), Don Brewer (bateria e vocal) e Mel Schacher (baixo), e o que esses três faziam em cima de um palco era covardia. Are You Ready, Footstompin’ Music, I’m Your Captain/Closer to Home, Hooked on Love, Get it Together, T.N.U.C. e Inside Looking Out estão simplesmente arrasadoras.

Para completar, Gimme Shelter aparece em sua versão definitiva – sejamos sinceros, muito melhor que a original, dos Rolling Stones. É uma das quatro faixas tiradas do show realizado no Shea Stadium, em Nova York, no dia 9 de julho, quando o Grand Funk igualou o recorde de público do local, pertencente aos Beatles, mas com todos os ingressos vendidos em 72 horas – Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr precisaram de 50 dias. Compre correndo.

A primeira parte do artigo “Grand Funk: remasterizado e essencial” foi publicado na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003, e a segunda, na edição 93, em junho. As duas partes foram adaptadas para formar aqui uma única matéria, com a adição do texto sobre o álbum Live: The 1971 Tour, publicado na seção Curtas & Rasteiras da edição 88, em outubro de 2002.

Dream Evil

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Não há dúvida de que o Dream Evil é um dos melhores nomes do heavy metal na atualidade. Apesar do pouco tempo de vida, a banda conquistou um sem-número de fãs e deixou a imprensa especializada de queixo caído com seu álbum de estreia, o maravilhoso DragonSlayer (2002). Depois de shows bastante elogiados, incluindo uma apresentação já considerada antológica no Wacken Open Air, na Alemanha, o grupo voltou ao estúdio para gravar o excelente e ainda mais pesado Evilized, lançado este ano pela Century Media (incluindo o Brasil). Considerado revelação de 2002 na grande maiorias das revistas e sites de metal, além de ter DragonSlayer incluindo entre os melhores discos do ano, o grupo sueco segue para se manter no topo. Contando com os experientes Snowy Shaw (bateria) e Fredrik Nördstrom (guitarrista, além de produtor de bandas como Arch Enemy, HammarFall, Soilwork e In Flames), o quinteto ainda tem os talentos de Peter Stålfors (baixo), Niklas Isfeldt (vocal) e Gus G. (guitarra). E foi com o novo maestro das seis cordas que conversamos para conferir como anda a nova turnê e falar um pouco sobre o passado e futuro do grupo.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não me lembro da última vez que uma banda me impressionou tanto, principalmente com um disco de estreia. Isso também aconteceu com muita gente, e o Dream Evil acabou sendo apontado como o grande novo nome do metal em 2002. Vocês esperavam por isso em tão pouco tempo?
Não esperávamos mesmo tamanho sucesso com nosso primeiro trabalho. Claro, DragonSlayer é um ótimo álbum, mas algumas coisas que aconteceram ano passado foram além de nossas expectativas. É ótimo ter o reconhecimento que conquistamos.

Evilized foi lançado não muito tempo depois. Como foi o trabalho nesse intervalo de tempo? Foram usadas sobras, quero dizer, as ideias já existiam ou o processo de composição aconteceu na estrada mesmo?
DragonSlayer foi gravado no início de 2001, mas só foi lançado no meio de 2002 porque ficamos bastante tempo negociando com gravadoras. Assim, sentimos que era a hora certa quando começamos a gravar Evilized, porque dois anos já haviam passado até voltarmos ao estúdio para criar e gravar novas músicas.

Uma das coisas que mais gosto no Dream Evil é o sentimento bem anos 80, já que hoje a grande maiorias das bandas segue a linha do metal melódico. A música passou a ter poucos riffs de guitarra, muitos teclados e canções com dois bumbos o tempo inteiro, mais rápidas que a velocidade da luz. Para vocês, a velha escola surgiu naturalmente? Vocês tentaram evitar esses elementos mais novos e modernos?
Bem, realmente procuramos nos afastar desses estúpidos clichês que boa parte das bandas de power metal usa. O que nós queremos são os clichês de alta qualidade (risos). E como somos todos fãs de bandas como o Scorpions, incorporamos elementos dos anos dourados do rock’n’roll em nossa música.

Evilized mostra um trabalho de composição mais coletivo. Stålfors escreveu a faixa-título, Shaw veio com três músicas, e você, Nördstrom e Isfeldt continuaram o trabalho realizado em DragonSlayer. Como vocês trabalham na hora de juntar as ieéias, como uma linha vocal de Isfeldt numa canção sua, por exemplo?
Se eu tenho uma música pronta, Niklas praticamente trabalha suas partes vocais em cima da melodia que eu apresento. Obviamente, ele faz um trabalho bem melhor do que eu nesse sentido (risos). Alguém também pode ter apenas um riff e Niklas aparece com a melodia vocal. Em outra situação, ele pode vir com uma canção inteiramente pronta. Como você pode ver, nós trabalhamos de uma maneira pouco ortodoxa na hora de compor. Todos estão um pouco envolvidos no trabalho do outro (risos).

DragonSlayer é um álbum conceitual, o que explica as letras sobre dragões e afins. Em Evilized, além de as músicas estarem ainda mais pesadas e diretas, as letras tratam de assuntos mais concretos. Isso já estava planejado?
Não, nós não tínhamos ideia de como seriam as letras para o novo álbum. Elas surgem do nada, e todas as vinte músicas que escrevemos para fazer Evilized têm assuntos completamente diferentes dos que estão no primeiro disco. Entretanto, há três ou quatro canções que partilham de ideias e conceitos gerais sobre pesadelos e sonhos malignos.

A música Children of the Night é um tributo ao Scorpions? Porque, intencionalmente ou não, lembra a segunda grande fase da banda alemã, ou seja, os primeiros anos da década de 80.
Você está certo. No começo, Children of the Night já era uma canção de rock muito legal e melódica. Depois, com a ponte escrita pelo Snowy, ela começou a soar como Scorpions, e o refrão é espetacular. Fiz aquela introdução de guitarra intencionalmente, com uma homenagem ao Scorpions. Sei que muita gente tem associado a música a grandes canções como Rock You Like a Hurricane e Big City Nights.


Outro lance clássico do Dream Evil são as baladas, e Losing You e Forevermore são ótimas. As bandas de metal escrevem baladas muito melhores que as dos grupos pop, então não é o curioso que muita gente tenha preconceito em relação ao estilo, mas ao mesmo tempo adore suas baladas, inclusive as rádios que as tocam bastante?
Sim, concordo com você. Parece que as baladas do metal podem ser mais mainstream que o próprio mainstream (risos). No nosso caso, Fredrik é o grande responsável por isso no Dream Evil. Ele tem toneladas de baladas ao piano (risos), e todas têm uma boa resposta. As baladas já viraram uma marca registrada em cada álbum que fazemos.

Assim como o Dream Evil, Niklas também foi uma grande surpresa. Ele se sobressai na atual cena não apenas por possuir uma ótima voz, mas por saber explorá-la muito bem, sem apelar a todo instante para aqueles agudinhos irritantes?
Niklas normalmente canta em tons bem altos, mas tem uma voz tão forte e cristalina que não precisa de agudos. Acredito que ele tem qualidades que são muito difíceis de encontrar nos dias de hoje.

Obviamente, todos na banda têm suas pró´rias influências. Mas quais são os grupos e guitarristas que você mais gosta, aqueles que você cresceu ouvindo?
Minha banda favorita é o Scorpions, e os guitarristas, Michael Schenker, Uli Jon Roth e Yngwie Malmsteen. Não costumo ouvir muita coisa mais atual, na verdade, mas o novo disco do Impelliteri, System X (2002), é muito bom. Bom, também curto algumas novas bandas como Pagan’s Mind e Lost Horizon.

Fredrik é um produtor renomado e um nome bem conhecido na cena metal. Snowy é um dos melhores bateristas do rock pesado e tem bastante experiência. Como tem sido para você trabalhar com músicos como eles?
Devo dizer que tem sido bastante educativo. Tenho aprendido muitas coisas, e eles têm me ajudado bastante em minha carreira. Sou agradecido por isso.

Você vem sendo considerado um novo guitar hero, e sei que não é muito fácil responder de maneira pessoal, mas você concorda que é um dos guitarristas mais talentosos na nova geração?
(risos) É mesmo uma pergunta difícil. Bom, sei que as pessoas têm se referido a mim como um jovem guitar hero. É muito legal que, ao redor do mundo, exista quem aprecie e entenda o que eu faço. Há muitos músicos talentosos por aí, e acredito que sou um deles. Entretanto, sempre me dizem que existe algo especial na minha música e na maneira como eu toco guitarra. Não sei exatamente o que é, mas estou me sentindo muito bem com isso (risos)

Tenho o primeiro disco do Firewind, Between Heaven and Hell (2002), e, para ser honesto, o comprei depois de conhecer o Dream Evil, porque fiquei interessado no seu trabalho. Para as duas bandas você escreve riffs muito bons, mas no Firewind seu estilo é muito mais virtuoso. É intencional?
Você tem razão, porque o Firewind é uma banda mais orientada pela guitarra, além de ser mais pesada e rápida que o Dream Evil. Escrevo todas as músicas, por isso tenho a possibilidade de tocar um instrumental mais técnico. Honestamente, não penso muito nisso. Sempre tento usar as notas certas quando faço um solo ou uma melodia. De qualquer maneira, sempre acabo tocando com um pouco mais de técnica e velocidade no Firewind.

Como surgiu a oportunidade de tocar com o Old Man’s Child e o Dies Irae? Houve alguma participação especial depois dessas?
Quando o Dies Irae estava gravando o Naïve (2001) no Studio Fredman (N.E.: de propriedade de Fredrik Nördstrom), recebi um convite para fazer um solo e apareci apenas para fazer isso. Com o Old Man’s Child foi diferente. Soube que eles estavam indo gravar no mesmo estúdio e pedi ao Fredrik para avisar que, se precisassem de qualquer ajuda com os solos, eu estava à disposição. Os caras da banda acharam uma boa ideia e me chamaram para tocar em algumas músicas. O novo disco deles, In Defiance of Existance (2003), é muito bom, e eu sou grande fã da música do Galder. Foi uma honra ter tocado com músicos como ele e Nick Barker. Fora isso, recentemente participei com um solo no novo trabalho do Rob Rock, o que também foi uma experiência única, pois pude tocar com um dos melhores vocalistas do metal e ainda trabalhar com o Roy Z.

O Dream Evil fez poucos shows depois do lançamento do primeiro disco, mas as resenhas foram positivas. Foi consenso que parecia um grupo veterano no palco. Agora, como está sendo a turnê, incluindo as apresentação com o HammerFall e o Masterplan? Como vocês têm escolhido o set list?
Obrigado pelas palavras gentis. Na turnê HammerFall/Masterplan nós tivemos de encurtar o set, já que tínhamos apenas trinta e cinco minutos no palco. Incluímos algumas coisas músicas do Evilized, como Children of the Night, Fight You Till the End e Made of Metal, e o restante foi do DragonSlayer: Chosen Ones, The Prophecy, Heavy Metal in the Night e Chasing the Dragon.

O escritório sul-americano da Century Media vem fazendo um ótimo trabalho no Brasil, onde também lançou os dois CDs do Dream Evil. Como ambos rapidamente entraram na lista de favoritos dos fãs e da imprensa, há planos para um turnê brasileira?
Ainda não recebemos nenhuma oferta para tocar no Brasil, mas adoraríamos tocar no seu país. Seria incrível, porque sempre recebemos muitas mensagens dos fãs brasileiros.

Obrigado por responder a essas perguntas, Gus, e espero ver o Dream Evil em breve no Brasil. Sinta-se à vontade para deixar um recado aos fãs daqui.
Obrigado a todos pelas mensagens, carinho e apoio. Vocês são os escolhidos. (N.E.: o guitarrista faz referência à música Chosen Ones, do álbum de estreia). Espero realmente vê-los nesta turnê. Stay Evil.

Uma das várias entrevistas publicadas para o site Disconnected, esta com Gus G. foi feita em maio de 2003, mas por e-mail, uma vez que os slots disponíveis para fazer por telefone não batiam com o meu tempo livre. O Dream Evil estava promovendo o seu segundo álbum, Evilized, e já era uma das favoritas da casa, então quis fazer mesmo que tivesse como retorno respostas lacônicas. Felizmente, não foi o caso. Originalmente, mantive os “Hahaha”, os emoticons e a exclamações do guitarrista, mas desta vez fiz uma nova edição, substituindo o primeiro recurso e excluindo os dois últimos.

Helloween

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Poucas bandas conseguem, hoje em dia, ser consideradas referências de um estilo ao mesmo tempo em que ainda se destacam no cenário heavy metal. Uma delas, sem sombra de dúvida, chama-se Helloween. Não apenas o pai do que chamamos de metal melódico – e 90% das bandas do estilo não aprenderam a lição –, o grupo é um dos melhores do rock pesado. Há muitos anos, diga-se de passagem. Responsáveis por clássicos absolutos, como as duas partes de Keeper of the Seven Keys, os alemães já passaram por poucas e boas em quase 20 anos de carreira. Há aproximadamente dois anos, o guitarrista Roland Grapow e o baterista Uli Kusch foram demitidos, e assim começou a novela sobre os substitutos. Henjo Richter (Gamma Ray) disse não, e as seis cordas foram parar nas mãos de Sascha Gerstner (ex-Freedom Call), mas as baquetas foram a principal dor de cabeça. Mark Cross (ex-Metalium) foi anunciado como novo batera, mas uma doença chamada mononucleose, causada pelo vírus Epstein-Barr, o deixou impossibilitado de continuar as gravações do novo álbum, Rabbit Don’t Come Easy. Mikkey Dee foi chamado para ajudar, gravou dez das 12 faixas do disco e seguiu dando sequência à sua carreira ao lado de Lemmy e Phil Campbell no Motörhead. Ainda em recuperação e sem previsão de alta, Mark perdeu o posto para Stefan Schwarzmann (ex-Accept, UDO e Running Wild), que chegou para gravar b-sides e acabou ficando definitivamente.

No início de abril, o vocalista Andi Deris e o guitarrista Michael Weikath estiveram em São Paulo para divulgar Rabbit Don’t Come Easy, que tem lançamento mundial para 5 de maio – Markus Grosskopf (baixo) completa a atual formação. Tivemos a oportunidade de bater um ótimo papo por telefone com Deris, que se mostrou bastante sincero – uma qualidade que para muitos chega a ser um defeito – e não deixou assunto algum sem esclarecimento: rasgou elogios a Gerstner, falou (e muito!) dos problemas com Grapow e Kusch, lembrou-se de Michael Kiske e enalteceu a volta do Helloween a seu estilo único e consagrado, entre outros assuntos. Divirtam-se.


Olá, Andi. Como estão sendo os dias no Brasil?
Bastante corridos. Estou cansado, mas com um belo copo de café brasileiro à minha frente. Isso torna as coisas mais fáceis (risos).

Então, vamos às perguntas. Depois dos problemas nos últimos dois anos, como podemos dizer que o Helloween está hoje? O que mudou do disco anterior, The Dark Ride (2000), até o novo trabalho, Rabbit Don’t Come Easy?
Exatamente o que prometemos aos nossos fãs. The Dark Ride foi uma experiência. Depois de seu lançamento, fizemos questão de dizer que o Helloween voltaria a ser a banda que todos conhecem. O “Happy Happy Helloween” está de volta (risos), e com um guitarrista sensacional. Tenho de admitir que sou um grande fã do Sascha Gerstner.

E como vocês chegaram até ele?
Na verdade, foi uma recomendação do Charlie Bauerfeind, nosso produtor. Ele trabalhou com o Freedom Call, banda em que o Sascha tocava, e nos disse que tínhamos de chamá-lo, pois trata-se de um guitarrista extraordinário, uma grande pessoa e que se encaixaria perfeitamente no Helloween. Ele é bem mais novo que nós (N.R.: tem 26 anos), passou dez dias de experiência conosco na Alemanha e provou ser a escolha certa.

E Sascha compôs três músicas (N.R.: Open Your Life, Sun 4 the World e Listen to the Flies) para o novo disco, o que significa que vocês o deixaram bem à vontade e confiante. Isso também fez como que ele desse um novo gás ao Helloween?
O Sascha é dez anos mais novo que eu e o Markus e tem 14 anos a menos que o Weiki. Isso significa que ele cresceu ouvindo Helloween e minha ex-banda, Pink Cream 69, então você realmente pode colocar dessa maneira. Quer dizer, não foi nem o caso de ser um novo sopro na banda, mas uma verdadeira tempestade (risos). Ele adora nossa música e veio com toneladas de ideias. Chegamos até mesmo a botar um freio nele, pois estava prestes a explodir (risos). Sascha é incrível, e você pode perceber tudo isso quando ele toca. É o melhor guitarrista que já ouvi, e é isso que estávamos precisando. Não digo isso porque ele está tocando comigo, até porque nunca me referi ao Roland dessa maneira. Tenho certeza de que, estando ou não no Helloween, seu futuro e carreira serão brilhantes. Estou realmente feliz por tê-lo na banda, principalmente porque gostamos dele como pessoa, e ele se deu muito bem com o Weiki. Parecem até mesmo um casal (risos).

Isso é importante, sem dúvida. Não apenas porque é preciso haver uma boa química numa dupla de guitarristas, mas também porque estamos falando de Michael Weikath.
E agora eu realmente sei disso. Quando entrei no Helloween, fiquei maravilhado ao fazer parte de uma banda com dois guitarristas. Pensei: “É isso mesmo!”, pois no Pink Cream 69 havia apenas um guitarrista (N.R.: Alfred Koffler). Apesar de eu gravar as partes de violão quando necessário, não éramos exatamente uma dupla. No Helloween eu precisei de dois anos para perceber que Roland e Weiki não gostavam um do outro, afinal, nunca ensaiavam juntos, não se encontravam ou se falavam direito.

É surpreendente que Michael e Roland tenham ficado tanto tempo numa mesma banda (N.R.: aproximadamente 11 anos).
Sim, definitivamente era muito estranho. Muita gente ficava surpresa depois de perguntar quem havia tocado guitarra nessa ou naquela música, pois eu respondia “eu e o Weiki”. Perguntavam como era possível se eu sou apenas o vocalista, aí eu explicava que éramos nós que escrevíamos as músicas, assim, quem mais então poderia tocar? Roland estava sempre interessado apenas no que ele compunha, ou seja, uma ou duas canções. E não era culpa nossa, mas apenas o fato de que ele não trazia à banda mais do que isso.


A situação piorou quando Roland gravou seus dois discos solos (N.R.: The Four Seasons of Life, em 1997, e Kaleidoscope, 1999)?
O que era exceção virou regra durante a pré-produção de Better Than Raw (1997), quando Roland apareceu com apenas um riff e esperava que dele nós fizéssemos uma música. Eu simplesmente disse que trabalharia em algo que eu escrevi, não numa ideia que havia sobrado de seu disco solo. A minha música entraria no álbum, pois eu não construiria nada tendo como ponto de partida alguma sobra do que ele estava fazendo.

Por isso o título do novo álbum é bem explicativo, tendo em vista os problemas que vocês tiveram com Roland e Uli. O processo que culminou com a saída deles começou antes ou depois da última turnê?
Na verdade, o problema com Roland começou há três anos e meio. Para ser sincero, eu e Uli estávamos querendo tirá-lo da banda naquela época, mas foi o Weiki quem deu a ele uma segunda chance. Só que não adiantou muita coisa, e, para piorar, Uli ainda foi para o lado do Roland. A situação acabou se invertendo, e tivemos de fazer algo, pois cedo ou tarde eles precisariam sair. Naquelas circunstâncias, as coisas já não funcionavam mais, a química havia ido para o inferno. Depois do show no México (N.R.: no início de agosto de 2001, quando Deris ficou bastante gripado e algumas apresentações foram canceladas), decidimos que o Helloween deveria ser uma banda feliz novamente. Eu não quero jogar toda a responsabilidade em cima dos dois, mesmo porque há sempre os dois lados da moeda. Simplesmente não estava mais dando certo.

Então, o ambiente conturbado internamente influiu para que The Dark Ride fosse um disco mais, digamos, pesado e sombrio?
Honestamente, nós tínhamos de colocar a banda de volta aos trilhos. E havíamos sido bem claros quando dissemos que o álbum anterior seria apenas uma experiência. Naquela época sentimos que era necessário lançar um álbum mais sombrio. Além disso, havia muita gente reclamando e perguntando por que fazíamos sempre o mesmo estilo de música, ou seja, provamos que isso é besteira. Agora é diferente, pois estamos num ótimo momento, e você está certo: o título do diz tudo, pois foi bem difícil tirar o coelho da cartola (risos). O novo disco mostra a todos que o “Happy Happy Helloween” está de volta e definitivamente não tem nada a ver com The Dark Ride. É possível perceber isso logo ao olhar para a capa.


Voltando ao Sascha, o vocalista do Freedom Call, Chris Bay, deu uma versão no mínimo curiosa para a saída dele da banda. O principal motivo teria sido a falta de vontade de ficar muito tempo excursionando, além de o metal não mais atraí-lo mais, então Sascha cortou o cabelo e começou uma banda pop. Como vocês lidam com esse tipo de comentário?
(N.R.: rindo) Ele não deve saber que o Sascha foi uma recomendação do Charlie. Se pudesse imaginar que hoje seu ex-guitarrista está tocando no Helloween, acredito que não teria falado uma merda como essa. A maior prova de que isso é besteira está justamente no Charlie, que conhece todo mundo no Freedom Call e nos mostrou que Sascha é totalmente apaixonado por metal. Chris Bay disse uma grande mentira (N.R.: na edição de setembro de 2002 da revista Roadie Crew), afinal, nosso produtor sabe o que é melhor para nós.

Com a doença de Mark Cross, Mikkey Dee teve de completar o álbum. Ele vem fazendo um trabalho relativamente simples nos últimos dez anos, com o Motörhead, mas todos sabem que ele é um baterista extraordinário, e acredito que ele se encaixaria muito bem no Helloween. Vocês chegaram a pensar em convidá-lo para ser um membro efetivo? Ou mesmo chegaram a fazê-lo?
Não, apenas aconteceu de nós conhecermos o Mikkey há bastante tempo. Você sabe, o Motörhead e o Helloween já tocaram em mesmos festivais (N.R.: incluindo o Monsters of Rock de 1996, em São Paulo). Tínhamos perdido cinco semanas e meia por causa do problema com o Mark, então precisávamos de um baterista que pudesse gravar rapidamente e que fizesse um grande trabalho, por isso ligamos para ele. Foi na base da amizade, mesmo. O Mikkey se juntar ao Helloween nunca foi colocado em questão. Resolvemos chamá-lo porque era a decisão mais acertada, diplomaticamente falando. Primeiramente, porque ele é um fã da nossa música. Segundo, ele toca numa banda que é, no mínimo, tão grande quanto o Helloween. Assim, por que ele sairia do Motörhead?

E vocês não esconderam que ele apenas estava ajudando…
De jeito algum. Não sabíamos se o Mark iria se recuperar a tempo, pois ele havia gravado apenas duas músicas, Listen to the Flies e Don’t Stop Being Crazy. Mikkey chegou, gravou cinco e ainda ficamos com sete para terminar. Depois disso, Mark foi para casa para tentar se recuperar, sendo que depois de um mês ele deveria voltar e tentar finalizar o álbum. Obviamente, isso não aconteceu, e tivemos de ligar novamente para o Mikkey, porque não queríamos usar um baterista desconhecido. Foi uma situação complicada, e sabíamos que fazendo isso as especulações sobre o novo baterista do Helloween começariam, ainda mais porque à época o Mark não estava fora. De qualquer maneira, eu concordo com você: ele é fantástico. Mikkey chegou ao estúdio sem a menor ideia do que teria pela frente, mas pegou as músicas com muita rapidez e fez um trabalho impressionante.

E como vocês acharam o Stefan Schwarzmann?
Acidentalmente (risos). Nós temos uma tradição de gravar b-sides (N.R.: músicas que entram apenas nos singles ou são usadas como bônus) e precisávamos de alguém para tocar bateria, já que o Mikkey estava no Japão com o Motörhead, assim não poderíamos contar com ele para isso. Weiki queria gravar Fast as a Shark, do Accept, e Markus sugeriu que chamássemos o Stefan, já que ele tocou na banda. Ligamos para ver se havia interesse, e ele acabou gravando suas partes no estúdio caseiro do Markus, que, por sua vez, nos lembrou que ele estava sem nenhuma banda no momento.

A “culpa” de tudo foi do Markus, então? (risos)
Sim, foi. Na verdade, Stefan estava para sair de uma banda chamada Skew Siskin, ou havia acabado de sair, eu não sei… Enfim, Markus soube disso e fez o convite, e ele disse que adoraria ter uma oportunidade de se juntar ao Helloween. Passamos um tempo juntos, e o resultado foi óbvio: Stefan é o novo baterista.


Tenho uma pergunta um pouco difícil e entenderei se você não quiser respondê-la. Em uma entrevista recente, Roland disse algumas desagradáveis a seu respeito. Além de acusá-lo de ser a principal razão por que ele e Kusch foram demitidos, afirmou que o Helloween não toca músicas mais antigas porque você não é capaz de cantá-las…
(N.R.: interrompendo)… Eu não consigo entender isso. Nós tocamos muitas músicas antigas, algumas que as pessoas consideram difíceis de cantar. Infelizmente, não dá para agradar a todos. Estou na banda há quase dez anos e já gravei cinco álbuns (N.R.: Deris não inclui o duplo ao vivo, High Live, de 1999, e o disco de covers, Metal Jukebox, de 1999), então temos muita coisa para tocar de todas as fases.

E por que todo mundo que sai do Helloween sempre fala que houve problemas de relacionamento com o Michael Weikath. É tão difícil assim trabalhar com ele?
Se é complicado lidar com o Weiki, deve ser porque ele quer manter o Helloween vivo. Não é difícil, e eu nunca tive problemas com ele, isso porque eu me esforço para cumprir minha tarefa como um fã da banda. Eu adoro o Helloween que está em Rabbit Don’t Come Easy, e será fácil entender os motivos quando você escutar o novo álbum. Muitas respostas estão nele, e dá para entender o motivo por que certas pessoas não estão mais conosco (N.R.: Deris refere-se a Kusch e Grapow). Pode confiar em mim, é fato que voltamos ao “Happy Happy Helloween” como nunca antes.

Há alguma música no novo álbum que sintetize isso? Alguma preferida ou que você ache que ao vivo transmitirá esse sentimento?
(N.R.: pensativo) Essa é uma pergunta difícil, porque é como ter de dizer qual filho eu mais amo (risos). Depende do meu estado de espírito, se estou a fim de ouvir algo mais heavy metal, speed, thrash ou melódico. Particularmente, acho que todas as músicas trazem os elementos típicos do Helloween. Digo isso respaldado pela opinião de todos que já ouviram o disco, pois os comentários têm sido extremamente positivos. Tenho certeza de que você irá adorar o novo trabalho.

Para falar a verdade, o único álbum que eu realmente não gosto é o Chamaleon. Mesmo o The Dark Ride, que não agradou a muitos fãs e até mesmo a vocês, eu acho um grande disco.
Mas foi divertido fazer o The Dark Ride, apesar de ser um trabalho que não deveria mesmo ter continuidade. Infelizmente, algumas pessoas (N.R.: Deris novamente se refere Kusch e Grapow) não estavam dispostas a colocar o Helloween em seu lugar de direito, por isso eu entendo os motivos de Weiki e Markus quando decidiram dar um basta na situação. O curioso é que eu não participei da decisão final justamente porque estava me recuperando de uma gripe para podermos cumprir os shows no México e na Colômbia. Claro, fiquei sabendo das discussões e, honestamente, não posso imaginar com exatidão como aconteceu. Em minha opinião, foi uma situação de dois contra dois, e chegou a um ponto em que Weiki disse que sairia da banda.

Mas ele é sinônimo de Helloween, não dá para imaginar a banda sem ele.
Você está certo, é o que também penso. Encontrei o Uli depois de um tempo, e ele veio com aquele papo de que eu não disse nada, não fiquei do lado deles. Minha resposta foi simples: “Não posso evitar nada a partir do momento em que se discute a saída do Weiki. Sinceramente, assim não havia como vocês ficarem”. Vamos falar sério, o Helloween sem o Weiki é uma piada de mau gosto. A situação é simples: havia quatro membros originais. Um está morto (N.R.: Ingo Schwichtenberg, que teve sérios problemas de depressão e acabou cometendo suicídio em 8 de março de 1995), e o outro é o líder do Gamma Ray (N.R.: Kai Hansen). Assim, dois ainda estão na banda, sendo que Weiki é extremamente importante, e todos nós sabemos disso. Ele é capaz de pegar uma música minha, da época do Pink Cream 69, e transformá-la numa do Helloween apenas porque está tocando guitarra nela.

Sem dúvida, ele e Kai Hansen criaram algo único.
Exatamente! E é o que devemos guardar, por isso não entendo essas discussões, assim como não entendo o motivo por que tanta gente ainda faz comparações com Michael Kiske.

O assunto certamente deveria ter morrido com o passar dos anos, mas agora acredito que ganhará força com a volta definitiva de Kiske à música, não?
Sim, mas o máximo que podemos fazer é respeitá-lo no que diz respeito a isso. Ele não quer mais fazer heavy metal, mas música pop. Eu não entendo por que as pessoas se importam tanto com o que Michael Kiske está fazendo ou não. Ele é um grande cantor e faz pop rock, e isso não é ruim. É apenas a decisão dele. No entanto, as pessoas têm de entender que o Helloween voltou a ser uma banda de metal em 1994…

… Você já vai antecipar a minha próxima pergunta (risos). Como foi entrar no Helloween num momento tão difícil, ou seja, com a banda tendo sido demitida da EMI depois do fracasso comercial do Chamaleon (1993)?
Vamos colocar da seguinte maneira: quando ouço alguns fãs mais antigos dizendo que gostariam que o Michael voltasse, eu apenas pergunto onde eles estavam quando o Chamaleon fracassou. Se houvesse tantos fãs naquela época, o disco teria sido bem-sucedido. Tenho de ser honesto com você e admitir que eu gosto do álbum, mas não sob o nome Helloween. Há músicas muito boas, algumas que fariam muito sucesso com o Bon Jovi (risos). Mas eu pergunto: onde estavam os fãs? Hoje, eles não podem dizer “Ah, nós adoramos o Chamaleon e fizemos com que vendesse milhões”. Não, eles sumiram na época, e o disco vendeu praticamente nada.

Sempre digo que foi o pior momento da história do Helloween.
Sim, a banda estava morta. Depois de oito anos, posso dizer àqueles que querem saber a verdade: o Helloween estava falido. Veja bem, o Pink Cream 69 era a banda revelação na Alemanha e estava vendendo bastante, fazendo muito dinheiro quando eu decidi sair para apostar minhas fichas numa banda que estava falida. Depois de tanto tempo eu posso falar isso.


Master of the Rings (1994) é um disco espetacular, lançado realmente quando as pessoas não acreditavam mais no Helloween. Com tudo isso que conversamos, sendo você um compositor extremamente ativo, podemos dizer que você tem uma grande parcela de crédito na volta da banda aos bons tempos?
Eu espero que as pessoas realmente pensem assim. Sei que definitivamente tenho uma parte importante dos méritos nesse processo, e fico feliz que a maioria dos fãs goste do que fazemos hoje, não do que a banda fazia na época do Chamaleon. Mas às vezes penso: “O que esses caras estão falando?”, pois se alguns fãs querem o Michael de volta, tudo bem, então eles querem o Helloween fazendo pop rock. Na verdade, eu não dou a mínima para esse assunto, pois o Helloween é meu hobby. Eu amo a banda, é o que eu mais gosto de fazer na vida, mas minha máquina de dinheiro não é o Helloween, mas minhas empresas (N.R.: como o estúdio Mi Sueno, em Tenerife, na Espanha, onde foram gravados The Dark Ride e Rabbit Don’t Come Easy, além de várias sessões de Better Than Raw e Metal Jukebox).

E qual seu disco favorito do Helloween?
Nossa, isso é difícil. (N.R.: pensativo) Definitivamente, Keeper of the Seven Keys Part II (1988), Time of the Oath (1996) e Rabbit Don’t Come Easy. Bom, no momento minha resposta é 100% o novo disco (risos), pois ele é um pouco de cada um dos discos que eu falei.

E como estão os planos para a turnê? Quando veremos o Helloween novamente no Brasil?
Pelo que eu sei até o momento, em agosto estaremos em alguns países do Leste Europeu e depois viremos ao Brasil. A turnê sul-americana já está marcada para setembro.

Isso é ótimo. Não sei se você soube, mas ontem (N.R.: 6 de abril) o Shaman tocou no Rio de Janeiro, e um dos momentos mais aguardados do show era sua presença e a do Michael Weikath em Eagle Fly Free. Como vocês não puderam ir, por causa dos vários compromissos de divulgação, os fãs cariocas ficaram um pouco desapontados.
Não fiquem! Certamente tocaremos no Rio, não há dúvida disso, pois nós realmente queremos. Eu amo Copacabana e água de coco! (risos). Peço desculpas aos fãs, mesmo porque a participação em São Paulo foi acidental. Quer dizer, foi uma experiência ótima, mas não estava em nossa agenda, então imagine os outros shows com o Shaman… Foi coincidência estarmos na cidade no mesmo dia. A banda estava gravando um DVD e nos convidou, por isso apenas dissemos “Sim, vamos nos divertir”. Como eu estava muito bêbado, foi realmente o que fiz (risos).

Sobre sua carreira solo, você lançou dois álbuns (N.R.: Come in from the Rain, de 1997, e Done By Mirrors, 1999) e parou por aí. Tem planos para mais algum?
Na verdade, não. Tenho andado muito preguiçoso para isso, além de estar bastante ocupado com meu estúdio em Tenerife e minha companhia de vídeo. Fora isso, hoje minha atenção está voltada principalmente ao Helloween, não sei se conseguiria arranjar tempo para gravar um novo disco solo. Eu nem tenho muita vontade também, mas se um dia voltar a fazer, gostaria de gravar com Mikkey Dee e Warren DeMartini (N.R.: guitarrista do Ratt e agora também no DIO). Esse seria um projeto interessante.

Nos seus dois discos as músicas não têm nada a ver com o Helloween, o que é ótimo, afinal, não faria sentido lançar algo fora da banda. Enfim, que tipo de música você costuma ouvir nos dias de folga, em casa?
Sempre as coisas clássicas, de KISS a Judas Priest e Aerosmith. Hoje em dia, gosto muito do Spiritual Beggars (N.R.: banda de Michael Amott, guitarrista do Arch Enemy e ex-Carcass). Fiquei assustado quando ouvi a banda pela primeira vez, há dois anos. Fiquei pensando “Opa, eles estão fazendo algo muito à frente do seu tempo”, mas hoje fico feliz que o som esteja sendo aceito com mais facilidade.


Para terminar, gostaria de citar alguns vocalistas e ter sua opinião a respeito de cada um. Pode ser?
Sem problema. Vamos lá!

Paul Stanley, já que você é um grande fã de KISS.
(N.R.: rindo) Eu diria que ele está muito bem. Como sempre.

Ronnie James Dio.
(N.R.: rindo bastante) Meu Deus, onde eu estava com a cabeça na hora em que você perguntou o que eu costumo ouvir? (risos) Ronnie é um dos meus favoritos em todos os tempos, seja no Rainbow, no Black Sabbath ou em sua própria banda.

Ian Gillan (Deep Purple).
Algumas vezes ele é ótimo. Em outras não.

Geoff Tate (Queensrÿche).
Sempre ótimo.

Bruce Dickinson (Iron Maiden).
Eu poderia dizer que às vezes ele está muito bem, algumas vezes não. Mas isso seria mentira (risos). Bruce nunca está mal, pode ter dias apenas razoáveis (risos). Eu adoro Iron Maiden, cresci ouvindo a banda.

Robert Plant (Led Zeppelin).
Absolutamente bom no passado, mas não gosto muito dele hoje em dia.

Ray Gillen (ex-Badlands e Black Sabbath).
Era para ter sido um grande vocalista, mas se perdeu no meio do caminho. Não sei por que motivos. Enfim, não entendo por que ele não foi adiante na carreira. Uma pena que tenha morrido antes de alcançar o reconhecimento e sucesso que merecia. Era uma promessa.

Jeff Scott Soto (Talisman).
Nunca fui muito fã dele, mas é definitivamente um grande músico.

Muito obrigado pela entrevista, Andi, e espero vê-los em setembro no Brasil.
Sim, e eu é que agradeço. Gostaria de dizer que se você realmente ama o Helloween, do jeito que a banda tem de ser, tem minha palavra que irá adorar o novo álbum. Os fãs brasileiros foram os responsáveis pela recepção mais calorosa que tive em toda a minha carreira, e isso não foi há muito tempo, mas em 1996, quando tocamos pela primeira vez no Brasil (N.R.: no Monsters of Rock). Eu lamento por não sabermos, antes disso, da legião de fãs que temos no país. Tenho de admitir que é uma vergonha, mas, agora que sabemos, iremos tocar aqui sempre que pudermos.

Mãos à obra, Scott Rockenfield

Por Daniel Dutra | Fotos: DBAR Productions e Divulgação

O ano de 2002 não foi dos melhores para o Queensrÿche. Depois do anúncio da saída do guitarrista Kelly Gray, o que se viu ou leu foram rumores, trocas de farpa, dúvidas sobre o novo trabalho e incerteza quanto ao futuro da banda. A ausência nos palcos só foi quebrada no dia 31 de dezembro, numa apresentação especial de réveillon em Anchorage, no Alaska. O anúncio da volta de Chris DeGarmo em fevereiro deste ano começou a colocar a casa em ordem, precedendo uma sequência de boas notícias. A confirmação de shows em alguns festivais de verão na Europa, o CD chegando às lojas em julho e a tour de force que era o sonho de nove em dez fãs de progressive metal: Queensrÿche, Dream Theater e Fates Warning juntos numa turnê que, a princípio, será um privilégio apenas dos americanos.

As peças estão se encaixando, mas antes disso Scott Rockenfield não ficou de braços cruzados. Foi o integrante mais ativo do Queensrÿche durante todo o ano. Experiência solo não faltava, principalmente depois dos dois bem-sucedidos trabalhos ao lado do guitarrista Paul Speer: TeleVøid (1998), trilha sonora de um curta de animação gráfica que valeu aos dois uma indicação ao Grammy, e Hells Canyon (2000), obra instrumental de rock progressivo.

Slave to the System, o melhor do rock’n’roll

O primeiro passo surgiu com o Slave to the System, uma iniciativa de Kelly Gray e do vocalista/guitarrista Damon Johnson (Brother Caine). Rockenfield comprou a ideia, que acabou se transformado em mais do que um projeto com as chegadas do baixista Roman Glick (também do Brother Cane) e de Scott Heard (guitarrista/vocalista do Sweaty Nipples). Lançado de forma independente, Slave to the System é um excelente disco de rock, pesado e acessível na medida exata.

Stigmata, Ruby Wednesday, Desinfected, Zero e a excelente faixa-título dão conta do recado e comprovam o alto astral do disco, com ótimas linhas vocais, refrãos de extrema competência e riffs e levadas absolutamente empolgantes. Com o mesmo salto de qualidade, Leaves mostra uma faceta groove, Gone Today e Walk the Line têm um imenso potencial radiofônico, e as baladas trazem um belo trabalho na forma de Will You Be There, Love this Life e Abyss (as duas últimas muito, muito bonitas).

O hiato no Queensrÿche propiciou ao grupo espaço na agenda para algumas apresentações, que se tornaram um aquecimento para o próximo disco. Sem Glick, com o baixo a cargo de Johnson nas gravações, o Slave to the System vem passando um bom tempo num estúdio em Seattle preparando o segundo álbum. É uma das bandas de rock mais legais surgidas nos últimos dois anos.

Decepção progressiva

Primeiro trabalho inteiramente solo, The X Chapters – Theatre of the Mind é a prova da paixão de Rockenfield pelo rock progressivo. A satisfação fica ao gosto do freguês, mas infelizmente o batera se espelhou no que há de mais chato no estilo. Há bons momentos, como em Opening Title, Theatre of Mind e September (que faz menção à belíssima Chasing Blue Sky, gravado pelo Queensrÿche como bônus da versão japonesa de Hear in the Now Frontier, de 1997), mas as maiores influências são o chatíssimo Mike Oldfield, responsável pelo quase sonolento Tubular Bells (exceção feita ao tema que virou trilha sonora de “O Exorcista”), e o não menos chato Tangerine Dream.

Totalmente composto, arranjado e tocado por Rockenfield, The X Chapters – Theatre of the Mind é uma verdadeira decepção. Melhor ficar com o disco duplo e interativo Performance Series Drum Loop CD, uma coletânea de seus mais famosos licks e arranjos de bateria para a música do Queensrÿche. É a prova de que, entre (muitos) acertos e (poucos) erros, Scott Rockenfield sempre foi um baterista de técnica e criatividade excepcionais.

Artigo publicado na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.

Jimi Hendrix – Blue Wild Angel

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Falar o que Jimi Hendrix representou para a música é ser óbvio, porém verdadeiro. Foi um gênio, alguém muito à frente de seu tempo, o maior guitarrista que o mundo pôde ver. Gravou apenas quatro discos em vida, incluindo um ao vivo (Band of Gypsys, de 1970) apenas com canções inéditas e um duplo de estúdio (Electric Ladyland, de 1968) que continua atual e referência 35 anos depois de chegar às lojas pela primeira vez. Mais que guitarrista e músico, Jimi Hendrix foi um artista brilhante e incomparável. Sorte nossa que sua obra vem ganhando o tratamento que merece nas mãos da Experience Hendrix, por mais que Janie Hendrix seja acusada de estar fazendo fortuna à custa do legado do irmão. Podemos até mesmo poupar seu pai, Al, falecido não tem muito tempo. A verdade é que eles nos fizeram um favor.

A quantidade de CDs e LPs lançados com o nome Jimi Hendrix é incalculável, em sua maioria piratas ou trabalhos obscuros e de qualidade sonora duvidosa, sem contar péssimos acabamentos gráficos. Desde que pai e irmã ganharam na Justiça o direito de administrar o espólio de Hendrix, a discografia do guitarrista foi relançada de maneira decente. O disco que Hendrix gravava quando morreu ganhou uma versão digna e um nome de acordo com sua vontade (First Rays of New Rising Sun, em 1997), além de um bom lote de material ao vivo ter ficado mais acessível. Quem não se interessou pela íntegra dos dois shows com a Band of Gypsys (no duplo Live at Fillmore East, em 1999), o festival de Woodstock (Live at Woodstock, no mesmo ano) e o maravilhoso BBC Sessions (1998)?

Depois do espetacular box set com quatro CDs lançado em 2000, outra amostra de material inédito convivendo com arquivos raros, no fim de 2002 chegou a vez de o festival da Ilha de Wight chegar às lojas completo, em CD duplo e DVD – no Brasil, o CD foi lançado em março deste ano na versão simples, com sete músicas a menos. Blue Wild Angel: Live at the Isle of Wight traz o último registro ao vivo de Hendrix (ao menos, é o que todos sabemos até agora), gravado em 30 de agosto de 1970 – pouco antes do fatídico 18 de setembro. Ele ainda chegaria a se apresentar em alguns outros poucos países europeus – Suécia, Dinamarca e Alemanha – antes de voltar a Londres acompanhando Billy Cox, que involuntariamente bebera ponche com ácido na passagem pela Holanda e, como consequência, tivera sérios problemas.


Em Wight, quis o destino que Hendrix subisse ao palco às três da madrugada, pegando um público cansado e ao mesmo tempo ansioso para ver o guitarrista, que não tocava na Inglaterra havia quase dois anos. Ao lado de Cox e do espetacular baterista Mitch Mitchell, ele entrou incendiando com sua versão para God Save the Queen, em seguida emendando Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Foi a estratégia para acordar o público, mas o próprio guitarrista estava num momento atípico. Não dormia há horas e passara o dia dando entrevistas, isso com a cabeça voltada ao imbróglio jurídico que tinha com o ex-empresário Ed Chalpin.

Mesmo com tantos problemas e acontecimentos fora do comum – alguns momentos de dispersão mental, como Mitchell perdendo o tempo duas vezes em Machine Gun –, Hendrix ainda tinha espírito para provocar o público, fazendo piadas por causa do horário e do cansaço. Tudo isso só ressalta que Blue Wild Angel: Live at the Isle of Wight é, na verdade, mais uma aula de feeling, coisa de arrancar lágrimas. Spanish Castle Magic, Voodoo Child (Slight Return), Red House, Foxey Lady, Hey Joe, Purple Haze, Freedom, Message to Love, Hey Baby (New Rising Sun), In From the Storm… Hendrix mostrava que não tinha limites, em qualquer momento de sua curta carreira. Faça um favor a você mesmo e adquira o CD – o importado ainda vem em edição de luxo, em versão digipack – e o DVD – na íntegra e com a sequência original do show, mais alguns bônus que você só verá depois de assistir ao show algumas muitas vezes (apesar do ‘cameraman’ que deve ter bebido além da conta).

Resenha publicada na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.