O heavy metal vem mantendo sua força junto a um público fiel, que continua crescendo independentemente de o estilo estar longe do êxito comercial do fim dos anos 80 e início dos 90. Afirmar que o rock pesado continua como alvo de preconceito é chover no molhado, pois sempre existirá quem prefira logo falar mal em vez de adquirir conhecimento de causa.
No entanto, provando que nem sempre é menosprezo ao potencial do heavy metal no Brasil, não é à toa que cada vez mais títulos são lançados no país, com gravadoras longe do esquema das majors fazendo um trabalho de primeira linha. E mesmo com tantas subdivisões – muitas delas irrelevantes e que acarretam num sem-número de bandas soando da mesma maneira – há material para todos os gostos. Aqui você tem um resumo de sete CDs recomendados a fãs dos mais variados gostos.
Formado pelos ex-Whitesnake Bernie Marsden, Mick Moody e Neil Murray, o The Company of Snakes lança seu primeiro álbum de estúdio, o ótimo Burst the Bubble, apostando na boa e velha mistura de rock’n’roll com blues, bem próximo dos primeiros discos da eterna banda de David Coverdale. Nada mais óbvio vindo dos guitarristas Marsden e Moody, coautores de clássicos como Walking in the Shadow of the Blues e Fool for your Loving, por exemplo. Com o competente vocal de Stefan Berggren e a providencial ajuda do tecladista Don Airey (hoje substituindo Jon Lord no Deep Purple), é um prazer ouvir músicas do calibre de Labour of Love, Sacrificial Feelings, What Love Can Do, Kinda Wish You Would e All Dressed Up. Agora é esperar que o duplo Here They Go Again Live também pinte em versão nacional.
Com Shadow Zone, o guitarrista alemão Axel Rudi Pell chega ao 13º trabalho – incluindo três coletâneas e um ao vivo – mais uma vez sem fugir do seu eficiente power metal. Apesar de Yngwie Malmsteen ser uma influência assumida, Pell é esperto o suficiente para não passá-la às composições, todas de sua autoria, sem contar o fato de ser mais contido nos solos, uma economia bem agradável aos ouvidos. Como nos últimos dois discos – Oceans of Time e The Masquerade Ball –, o grande destaque é o ótimo vocalista Johnny Gioeli, mas Pell manda ver em riffs e refrãos muito bem sacados. A parceria comprova mais uma vez dar resultado em Coming Home (com um quê de Scorpions), Live for the King e nas excelentes Time of the Truth e Under the Gun.
Com Virgil Donati (bateria, Steve Vai e Planet X), Philip Bynoe (baixo, ex-Steve Vai), George Bellas (guitarra) e Vitalij Kuprij (teclados, Artension), o bom vocalista Mark Boals lidera um time de primeira linha em seu Ring of Fire. E para quem não aguenta mais a mesmice que impera no metal melódico, o álbum de estreia, The Oracle, é um prato cheio. Boals não nega seu passado como membro da banda de Malmsteen, mas leva vantagem sobre o sueco ao adotar passagens bem progressivas, com uma presença maior de teclados e músicas não voltadas apenas para a guitarra. Ao deixar as composições a cargo de Kuprij, acertou em cheio. A bela performance do tecladista enriquece o trabalho, com inspirados solos dobrados junto a Bellas. Confira Circle of Time, Vengeance for Blood, Interlude, Face the Fire e a faixa-título.
Outra grata surpresa é o Rage, que lança o excelente Unity. O trio formado por Peter “Peavy” Wagner (baixo e vocal), Victor Smolski (guitarra e teclados) e Mike Terrana (bateria) fez bom uso dos clichês e gravou um exemplar disco de heavy metal, com doses corretas de virtuosismo num trabalho direto e objetivo. All I Want (que refrão!), Insanity e Down formam uma arrasadora trinca de abertura, mas é impossível não citar Dies Irae, Living My Dream e a ótima instrumental que dá nome ao disco. Por mais que Wagner mostre-se outra vez um talentoso compositor e que Terrana tenha trazido mais qualidade à cozinha da banda, o destaque mesmo é Smolski. Com solos e riffs de extremo bom gosto, ele realiza um trabalho impecável.
Elevado a status de grande promessa do thrash metal em 1989, depois do lançamento do ótimo Alice in Hell, o Annihilator acabou sofrendo com as constantes mudanças de formação, principalmente de vocalistas, e por pouco não se perdeu no meio do caminho. Sorte que Jeff Waters – guitarrista, único compositor e, claro, dono da banda – é um sujeito persistente. Décimo disco do grupo, Waking the Fury não nega o nome: é uma porrada só! E muito bem feita! Ultra-Motion, Torn (bem Judas Priest), My Precious Lunatic Asylum, The Blackest Day e Nothing to Me mesclam passagens rápidas, pesadas e melódicas, mostrando que Waters tem uma mão direita de respeito. O cara despeja uma sequência de grandes riffs e é ajudado pelo vocalista Joe Comeau (ex-guitarrista do Overkill), que repete o ótimo trabalho iniciado em Carnival Diablos.
“We’re taking back the metal!”… Não, a frase não é do novo disco do Manowar, mas do Seven Witches, banda do ex-Savatage Jack Frost. Bom que o álbum Xiled to Infinity and One não demore a fazer esquecer a conotação presunçosa daquela afirmação, porque é mais um trabalho de heavy metal na concepção mais pura do estilo, mesmo que nada traga de novo. Isso, no entanto, cada vez menos pode ser motivo para críticas, já que encontrar alguma novidade no rock está cada vez mais difícil (tente agora Radiohead, System of a Down e Pain of Salvation, ou mais tarde, quem sabe?, o novo CD do Living Colour, aquele que não sai nunca…). Saindo da condição de simples coadjuvante de Chris Caffery no Savatage, Frost revela ser um guitarrista de primeira, menos pelos solos e mais pelas bases, com uma palhetada muito boa. Ouça Metal Tyrant, Incubus, Warmth of Winter, Eyes of an Angel e a faixa-título. E ainda tem Jon Oliva cantando em The Burning e a regravação de See You in Hell, clássico do Grim Reaper. Metal oitentista como pouco se faz hoje em dia.
Para fechar o pacote temos o Arch Enemy, com o lançamento do maravilhoso Wages of Sin. A banda dos irmãos Michael e Christopher Amott dá continuidade ao death metal melódico que tem como referências obrigatórias os álbuns Individual Thought Patterns (Death, 1993) e Heartwork (Carcass, 1994). Natural, pois Michael foi peça importante em determinado período do Carcass. Em Wages of Sin, porém, o estilo chega ao seu melhor momento. Michael e Christopher são responsáveis por um soberbo trabalho de guitarras, enquanto o baixista Sharlee D’Angelo (Mercyful Fate) segura as bases com competência para o excelente batera Daniel Erlandsson. De Enemy Within a Lament of a Mortal Soul, passando por Burning Angel, Heart of Darkness, Ravenous, Dead Bury Their Dead, Web of Lies e Behind the Smile, todas as faixas são simplesmente arrasadoras.
Mas não há como deixar de ficar impressionado com Angela Gossow. Se o instrumental faz corar de vergonha muita banda metida a fazer som pesado e intrincado, Gossow deixa muito marmanjo no chinelo com seus vocais agressivos e guturais. A bela loura canta como se tivesse um alien no estômago. Em tempo: a edição nacional saiu com um CD bônus contendo faixas raras, todas com o ex-vocalista do grupo, Johan Liiva. Vale citar os covers de Starbreaker (Judas Priest), Aces High (Iron Maiden) e, pasmem!, Scream of Anger (Europe). Mais um motivo para Wages of Sin ser presença certa entre os melhores discos do ano.
Matéria publicada na edição 85 do International Magazine, em julho de 2002. Na verdade, uma breve análise de alguns lançamentos, porque à época comecei a receber CDs das gravadoras – hoje em dia os lançamentos vêm com link para streaming ou download dos arquivos digitais, e quem é colecionador fica lamentando. Uma análise bem didática, digamos assim, porque, apesar das portas sempre abertas para o heavy metal, o principal público do jornal não era do estilo.
Por Daniel Dutra | Ilustração: Mario Alberto | Fotos: Guilherme Andrade/Divulgação
Desde o lançamento de Rebirth, em outubro de 2001, que o Angra não para. O grande nome brasileiro na atual cena do heavy metal vem colhendo os frutos do bom momento por que atravessa – merecidamente, diga-se de passagem. Uma bem-sucedida turnê nacional e apresentações na América do Sul (Argentina e Chile) e Europa (Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Itália, Holanda e Suíça) vieram na sequência do disco de ouro, com 50 mil cópias vendidas em pouco mais de um mês no Brasil. Na TV, a banda se apresentou no Musikaos, Altas Horas e Programa do Jô, além de ter gravado uma versão de Pra Frente Brasil – tema da seleção brasileira tricampeã mundial em 1970, no México – para o programa Tá Na Área, do SporTV. Agora é a vez do miniálbum Hunters and Prey, que chegou às lojas há pouco mais de um mês e já foi seguido por uma temporada de shows no Japão. A continuação promete ser ainda mais interessante, com a presença do grupo em festivais no exterior e o lançamento do primeiro DVD. E foi para comentar a ótima fase do Angra que o vocalista Edu Falaschi e o baterista Aquiles Priester concederam uma entrevista ao International Magazine. Em um papo descontraído, os músicos falaram do novo disco, do sucesso e até mesmo de influências pessoais. Aqui você tem os melhores momentos da conversa.
Lançar um EP logo depois de um CD não é novidade para o Angra. A banda já havia feito isso com Evil Warning (1994), Holy Live (1997) e Freedom Call (1996). Há alguma diferença do Hunters and Prey para esses trabalhos? Edu Falaschi: Na verdade, os outros discos foram uma continuação do oficial, tinham menor duração e eram considerados EPs. O Hunters and Prey é um trabalho mais longo, então o chamamos de miniálbum, já que tem oito músicas e uma faixa interativa riquíssima em detalhes. Agora, o mais legal nesse tipo de lançamento é que você pode mostrar outro lado, inovar e colocar algumas coisas inusitadas. Achamos que foi um bom momento para fazer isso, até porque foi um pedido dos fãs.
E no novo trabalho isso fica bem claro. Os ritmos brasileiros estão mais evidentes, já que em Rebirth foram colocados de forma mais tímida, e há até mesmo uma música mais arrastada, Eyes of Christ, que lembra bastante os primeiros trabalhos do Dio. Edu: Exatamente. O que nós quisemos mostrar foi um lado de originalidade, diferenças e variedade. O Rebirth foi um álbum muito bem pensado, o trabalho da provação por causa da mudança de formação na banda. Queríamos gravar algo para mostrar aos fãs que o Angra continuava o mesmo, que nossa essência e som continuavam os mesmos.
Inclusive foi um trabalho que remeteu a Angels Cry (1993). Edu: Nos tínhamos a preocupação e obrigação de provar que o Angra não tinha mudado. Poderíamos ter feito tudo diferente ou continuar com o som que gostamos de fazer, com as origens da banda. Como estamos muito mais consolidados no mercado e, principalmente, com os fãs antigos, com o novo disco pudemos fazer um trabalho mais diferenciado. Com isso, o público brasileiro acabou ficando com quatro inéditas do Angra, pois a balada Bleeding Heart foi bônus da versão japonesa do Rebirth.
A faixa-título, então, foi uma agradável surpresa. O trabalho de percussão é muito bom, dando mais vida aos ritmos nordestinos, e a letra da versão em português encaixou bem. Edu: O Douglas (Las Casas, percussionista) é muito bom, e a transcrição para o português ficou ótima. Tudo encaixou perfeitamente, mesmo, porque a música é bem brasuca, um super baião. É um exemplo da variedade que tivemos no disco, com as músicas novas, as duas faixas acústicas e gravadas em estúdio especialmente neste formato, algo que o Angra também não fazia.
Isso sem falar no cover de Mama, do Genesis. Mas por que uma música da fase Phil Collins, em vez de algo do Peter Gabriel? Edu: Temos mais a ver com a fase do Peter Gabriel, realmente, mas seria muito óbvio, fácil e mais bem aceito. Escolhemos Mama porque é uma música meio sombria e com uma letra muito louca, além de ser de uma época em que o Genesis estava mais popular. E o Phil Collins é um mestre, um grande compositor e músico. No fim, resolvemos tocar essa música para fazer algo diferente, para não cair no lugar-comum.
E por que Kashmir, que a banda gravou para um tributo ao Led Zeppelin, não entrou no Hunters and Prey? Vocês optaram por deixá-la fora do disco ou houve algum problema contratual? Edu: Cara, isso foi muito triste, pois a versão ficou maravilhosa. Dá até dor no coração tocar no assunto (risos). A gravadora espanhola que irá lançar o tributo ao Led pediu que gravássemos uma música, então escolhemos Kashmir. Queríamos colocá-la no miniálbum, mas não pudemos.
O que é uma pena, pois ela combina bem com atual momento musical da banda, em particular com sua voz. Edu: Sem dúvida. Você verá como ficou legal, pois nós fizemos uma versão que ficou bem progressiva. Claro que a base principal foi mantida, mas colocamos algumas percussões, tipo Olodum mesmo, e a música ficou com um peso a mais também por causa das guitarras, com timbres mais modernos (N.R.: Edu refere-se ao avanço tecnológico do instrumento, não ao estilo new metal). Ela será lançada ainda este ano, mas a gravadora não liberou para o Hunters and Prey. Foi uma pena.
Na gravação da bateria, você manteve aquela linha reta do John Bonham ou improvisou algumas coisas como em Perfect Strangers (N.R.: cover do Deep Purple lançado como bônus do CD Inside Your Soul, do Hangar, banda na qual Aquiles Priester tocava antes de entrar para o Angra)? Aquiles Priester: Mantive, mas improvisei algumas coisas. Cheguei a pensar que as pessoas mais familiarizadas com o Led não iriam gostar, mas todos os que ouviram até agora aprovaram, falaram que deu uma cara nova à música, que é um clássico. Tocar algo do John Bonham é uma responsabilidade muito grande, tanto quanto do Ian Paice, por isso não mudei a essência de Kashmir, aquele lance pesado e arrastado. O Bonham conseguia ser, ao mesmo tempo, um batera econômico, de muito bom gosto e bastante pessoal. Você ouve e sabe que quem tocou foi ele.
Em relação a covers, a banda recentemente foi criticada por sempre tocar músicas do Iron Maiden nos shows (N.R.: no caso, The Number of the Beast). O que você pensa disso? Aquiles: Na verdade, já temos material suficiente para não tocar mais nenhum cover. Mas quando fazemos isso, estamos dando um bônus para os fãs. O show do Angra acaba em Carry on, que é sempre a última música do set. Não sei se continuaremos a tocar Iron Maiden ou se voltamos com Painkiller, do Judas Priest, por exemplo, mas sempre faremos algum cover, pois é mais um momento de alegria e descontração com o público.
Tem alguma de outro artista que você gostaria de tocar ao vivo? Aquiles: Se eu fosse escolher? (pensativo) Nossa, isso é difícil. O legal de tocar Iron Maiden é que não importa a música, a galera vai conhecer. The Number of the Beast, por exemplo, nós sequer chegamos a ensaiar. Outra coisa legal é que o Edu canta muito bem as músicas do Iron. O que seria um problema, ter um vocalista com capacidade de levar as músicas, é uma facilidade para nós.
No Hunters and Prey você está bem mais solto, com arranjos mais quebrados. Isso foi proposital? Você segurou mais no Rebirth e agora teve mais liberdade? Aquiles: Antes, talvez por eu ter sido o primeiro a entrar na banda, já que quando o Edu chegou nós já tínhamos quatro músicas prontas (N.R.: Rebirth, Acid Rain, Running Alone e Unholy Wars). Mas quando começamos a pré-produção, vimos que o Dennis Ward (N.R.: produtor do Rebirth e Hunters and Prey) estava mais acostumado a gravar hard rock, coisas mais simples. Ele disse que deveríamos ter um cuidado especial na hora de gravar, pois eu usava muito mais notas do que ele estava acostumado. Enquanto ele descobria a maneira como eu toco, eu aprendia a ser gravado por alguém me dizendo o que fazer, um produtor musical de verdade. O Dennis ajudou muito a definir os arranjos, a colocar os licks e as próprias viradas nos lugares certos. Foi um aprendizado imenso, e posso dizer que minha concepção de arranjos mudou depois de tê-lo conhecido.
E o Angra nunca teve discos tão bem produzidos como os dois últimos. Houve alguma diferença nas gravações dos trabalhos? Aquiles: Gravar o Hunters and Prey no Brasil foi bem diferente. Na Alemanha, onde fizemos o Rebirth, nós ficamos muito isolados, e ainda tinha o fuso horário para complicar. Pensamos que isso não faria diferença, mas fez muita. Imagine ter de tocar todo dia, durante uma semana, num horário ao qual você não está acostumado. Chega uma hora em que você fica arrasado. Aqui foi muito mais solto, até pelo fato de ser um miniálbum e por termos passado pelo teste do primeiro trabalho, de as pessoas terem aprovado o novo Angra em estúdio e ao vivo. Gravamos num clima mais livre, e eu mesmo toquei mais solto. No Rebirth, em função das composições, resolvemos tirar muita coisa que eu achava importante. Agora, todos os arranjos que fiz permaneceram.
Vocês estão indo para o Japão no dia 10 de junho. Mas haverá alguma turnê de divulgação do Hunters and Prey no Brasil, já que recentemente a banda fez alguns shows em cidades do interior? Edu: Estamos indo para um turnê de vinte dias pelo Japão, mas passaremos antes por Taiwan, sendo que o Angra será a primeira banda sul-americana de heavy metal a tocar lá. Faremos alguns shows no interior de São Paulo quando voltarmos e, no fim de julho, iremos para a Europa participar de alguns festivais, como o Rock Machina, na Espanha, e o Wacken, na Alemanha. Na volta será a vez das grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Falando em festivais, em novembro o Angra tocará pela primeira vez no Estados Unidos. Edu: Isso mesmo! Fomos convidados para tocar no Prog Power, que é um grande festival americano. Vamos aproveitar também a passagem pelos EUA para uma turnê com o Blind Guardian, que deve chegar também ao Canadá. Retornando ao Brasil, no fim do ano, começaremos a pensar no novo disco.
Vocês já têm alguma música pronta? Há alguma definição em termos de estilo, já que o Rebirth é basicamente um disco de power metal melódico, mas com o Hunters and Prey já houve uma maior diversificação? Edu: Bom, o próximo trabalho deve ser lançado no início de 2003, mas, na verdade, não estamos pensando muito nisso. Mesmo porque não estamos encontrando tempo (risos).
E depois de a banda ter vivido um ano de incertezas, impossível acontecer algo melhor. Edu: Isso é muito bom. Estamos muito satisfeitos, todos falam que o Angra nunca trabalhou tanto como agora (risos). Em quase dez anos, a banda havia lançado três discos (N.R.: sem contar os três EPs, um deles apenas para o Japão), sendo que em um ano e meio estamos lançando o segundo trabalho, mesmo que um deles seja um miniálbum. Em dois anos já estaremos com o terceiro CD. Isso é um reflexo da alegria que estamos sentindo e do contato constante com os fãs, que é o mais importante.
Prova também que a repercussão não tem sido boa apenas no Brasil, mas também no exterior. Edu: No Japão, então, é impressionante! O Hunters and Prey foi lançado em maio e vendeu quinze mil cópias em menos de vinte dias. Sentimos que estamos tendo uma grande receptividade não apenas porque o Angra tem uma nova formação, o que vira novidade, mas porque os fãs realmente gostaram. Eles perceberam que o Angra não mudou e ainda ganhou com a energia dos novos integrantes.
A boa vendagem do Rebirth, num primeiro momento, poderia até ser associada à nova formação. Mas o fator novidade já passou. Edu: Sem dúvida. Poderia acontecer de os fãs comprarem um disco apenas para saber como as coisas ficaram, então ficaríamos sem sabermos se vendeu bem porque eles gostaram de verdade. Com o Hunters and Prey, tivemos mais uma vez a certeza de que não foi isso, já que na Europa também está vendendo muito bem. No Brasil, a primeira tiragem foi de dez mil cópias e já esta esgotada.
Além de o Angra não ter perdido espaço e estar conquistando uma posição de destaque cada vez maior, você também foi muito bem aceito pelos fãs. A saída do vocalista é sempre um trauma, ainda mais no caso do Andre Matos, um frontman e vocalista carismático e muito respeitado. Mas você até agora não teve problema algum com isso. Edu: Eu só tenho a agradecer, mesmo porque foram os fãs que me colocaram no Angra, mandando muitos e-mails e cartas para o Rafael e o Kiko pedindo que eu fosse o substituto do Andre. Para mim é uma alegria e uma satisfação muita grande estar substituindo alguém bem conceituado, mas eu não comecei ontem. Tenho uma história de quase dez anos no underground (N.R.: com as bandas Mitrium e Symbols), sempre trabalhei muito e nunca tive medo de encarar desafios. Cheguei contando com o apoio de todos e mostrei o que sei fazer, sem querer imitar ou ser melhor que alguém.
Sim, ter um passado dentro do metal nacional foi fundamental para chegar sem ser um desconhecido qualquer. Edu: Claro! Essa proximidade com os fãs ajudou bastante e é algo que gostamos de fazer. Não apenas eu, mas o Aquiles e o Felipe também, independentemente de sermos os novos integrantes do Angra. A banda sempre está em contato com o público, seja pelo nosso site ou durante as turnês. Particularmente, sempre gostei de conversar com os fãs, saber o que pensam, pois são eles que fazem as coisas acontecerem. Não consigo ter uma postura diferente, de pop star, de dar um autógrafo e ir embora. Muita gente me influencia não apenas artisticamente, como o Ronnie James Dio, que é um cara muito humilde.
Sem dúvida. É o maior vocalista do heavy metal em todos os tempos, mas que não tem nada de estrelismo e deixa os fãs tão à vontade que as pernas param de tremer alguns minutos depois que você o conhece (risos). Edu: O cara não é apenas um monstro do rock, mas alguém que faz campanhas beneficentes, que se preocupa com o que acontece no mundo. Não é um idiota qualquer, metido apenas porque canta muito bem. São pessoas como ele, pelo carisma e respeito ao fã, que deveriam ser referência. Todo mundo já foi fã de alguma banda. Eu já fui e sei como é importante ser bem recebido pelo seu ídolo.
Ilustração: Mario Alberto
Kiko Loureiro, Felipe Andreoli, Rafael Bittencourt, Aquiles Priester e Edu Falaschi
Kiko Loureiro, Felipe Andreoli, Aquiles Priester, Rafael Bittencourt e Edu Falaschi
Edu Falaschi, Felipe Andreoli, Aquiles Priester, Rafael Bittencourt (agachado) e Kiko Loureiro
Lembrando que o Dio é uma de suas maiores influências, você tem um estilo bem diferente do Andre Matos, com uma região mais grave, sem utilizar falsetes. Como está sua adaptação às músicas antigas? Edu: Não uso falsete nas músicas que gravo, realmente. Não é muito a minha praia. Só que nas antigas eu tenho de fazer, pois é impossível alcançar os tons com voz normal, e incorporo o falsete para ficar o mais próximo possível do original. Mas é algo que eu nunca faria em estúdio, pois não quero imitar ninguém. E para o fã também ficaria estranho se ao vivo eu fizesse de outra forma. Senti isso no Iron Maiden com o Blaze Bayley, ou seja, assistir a um cara cantar as músicas que você conhece de maneira totalmente diferente. Respeito muito o que os fãs querem ouvir, por isso ao vivo eu procuro cantar como está no disco, com as mesmas notas e agudos. Mas em estúdio eu tenho de mostrar o meu estilo, já que com o passar do tempo será natural o set list ter mais músicas originalmente cantadas por mim, restando apenas os clássicos como Carry on e Nothing to Say, por exemplo.
Você diria que a receptividade em relação aos novos integrantes e o sucesso do Rebirth formam um caso único, já que muita gente vem falando que a atual formação do Angra é tecnicamente melhor que a anterior? Edu: Olha, sou suspeito para falar (risos). Os antigos membros são excelentes músicos, de grande técnica. Mas o que acontece, por exemplo, é que quando você assiste ao Aquiles tocar, percebe que ele tem um lance a mais, é diferenciado. Ele preenche os espaços sem ser exagerado, de uma maneira que poucos bateristas conseguem, tipo Gene Hoglan ou Deen Castronovo, que tocam e você não consegue imaginar o que eles estão fazendo.
Falando nisso, Aquiles, quantas vezes você assistiu à videoaula do Deen Castronovo (N.R.: High Performance Drumming, de 1991)? Aquiles: Pô, descobriu meu segredo! (risos) Comprei o vídeo em 95 e fiz uma cópia para não correr o risco de estragar o original (risos). Deen Castronovo é uma das minhas maiores influências. O primeiro trabalho que ouvi com ele foi o Maximum Security, do Tony MacAlpine, em 94, e eu pirei! Um pouco tarde, pois o disco é de 87 e ele já roubava a cena. Depois ouvi o Infra-Blue (1990), do Joey Tafolla, e fui atrás dos outros trabalhos.
Dá para perceber. No seu solo você chegar a usar um trecho do vídeo, que é aquele trabalho de repetição de caixa e bumbo em sequência. Aquiles: Totalmente! Mdei pouca coisa, mas a ideia veio do lick dele mesmo, que é muito difícil. Para quem ouve pode até parecer simples, mas é bem complicado ficar repetindo uma técnica de rudimento de flam (N.R.: duas notas no bumbo, sendo a segunda mais acentuada. Na videoaula, Castronovo faz variações com outras notas em tempos diferentes).
Você chegou a assistir ao Ozzy Osbourne com o Castronovo em 98, no Monsters of Rock, em São Paulo ou no Rio de Janeiro? Ele foi um show à parte. Aquiles: Cara, eu não fui e quase morri por isso. Tinha de estar lá só para respirar o mesmo ar que ele (risos). Depois eu consegui a fita e pude ver que em músicas completamente retas ele conseguia destruir.
O engraçado é que ele foi demitido por isso. Até na hora de pisar na bola o Ozzy é um mestre. Ele justificou a demissão dizendo que o Castronovo tocava de um jeito muito complexo (risos). Aquiles: O Ozzy perdia direto o tempo das músicas por causa do Castronovo. Menos a banda (N.R.: o baixista Geezer Butler e o guitarrista Joe Holmes), claro, já que ele sempre tem os melhores músicos a seu lado. Tem uma hora em que ele vira para a bateria e pede ao Castronovo para segurar a onda (N.R.: a cena, hilária, aconteceu no show de São Paulo, depois do solo de guitarra em Paranoid).
O próximo lançamento do Angra será um DVD (N.R.: Rebirth World Tour – Live in São Paulo), algo inédito para a banda. Como ele vem sendo trabalhado? Edu: Nós gravamos todo o show do Via Funchal, no dia 15 de dezembro de 2001, e estamos em fase de produção, trabalhando nas cenas de backstage e nos bônus. Vamos incluir trechos de outros shows, inclusive os do Japão, algo mais simples. Não terá a mesma qualidade da atração principal, pois tínhamos sete câmeras e uma superprodução em São Paulo. Será lançado no segundo semestre e será algo muito legal, provando mais uma vez que o negócio do novo Angra é trabalho, mesmo. Não tem essa de ficar três anos sem gravar nada. Estamos trabalhando com bastante satisfação e alegria, fazendo o que mais gostamos: música.
Entrevista realizada no dia 6 junho de 2002, por telefone, e publicada na edição 85 do International Magazine, em julho do mesmo ano. Foi o terceiro número do jornal com material meu, e o papo com Edu Falaschi e Aquiles Priester foi a primeira entrevista que fiz depois que comecei a escrever sobre música – profissionalmente, digamos assim, porque os textos em fanzines do KISS, ainda adolescente, e do fã-clube do Queensrÿche, já na faculdade de jornalismo, obviamente não contam.
Assim como os bons resultados obtidos pela dupla Bob Kulick e Billy Sherwood (confira no International Magazine de junho), no mundo dos tributos a gravadora americana Magna Carta também merece destaque. Com seis trabalhos lançados até o momento, cinco bandas essenciais do rock progressivo já foram homenageadas: Pink Floyd, Genesis, Yes, ELP e Jethro Tull. Completando o time, mas longe de ser caracterizado como membro exclusivo do estilo, o trio canadense Rush.
Os momentos apenas razoáveis em The Moon Revisited – Another Perspective on The Dark Side of the Moon e Supper’s Ready deixaram fãs de Pink Floyd e Genesis, respectivamente, com a sensação de que faltou alguma coisa, ainda mais pela excelência dos dois grupos. Mas os outros trabalhos gradativamente ganharam melhor forma, a começar com a homenagem ao Yes. Em Tales from Yesterday a fórmula dos CDs anteriores – sem a formação de supergrupos – ganhou uma injeção de ânimo. Além de bandas como Magellan e o excelente Shadow Gallery, o álbum tem o reforço dos ex-Yes Peter Banks (Astral Traveler) e Patrick Moraz (Soon).
Mas as participações especiais não param por aí. Steve Morse (Deep Purple e Dixie Dregs) reverencia Steve Howe e dispensa comentários em Mood for a Day e The Clap. Não bastasse ser homenageado, Howe juntou forças com Annie Haslam (a belíssima voz do Renaissance), e o resultado foi Turn of the Century, a melhor gravação do álbum. Curiosidade: Wonderous Stories ficou a cargo do World Trade, banda de Billy Sherwood (sim, ele mesmo!), que mais tarde entraria no Yes e participaria dos discos Open Your Eyes e The Ladder.
Foi com o tributo ao Jethro Tull, To Cry You a Song – A Collection of Tull Tales, que as participações individuais aumentaram. John Wetton, Derek Sherinian, Glenn Hughes e Keith Emerson são quatro dos nomes mais conhecidos do grande público. Infelizmente, o resultado final não condiz com a grandeza da obra de Ian Anderson e companhia. Em 1996, com o lançamento de Working Man, o tributo à música de Alex Lifeson, Geddy Lee e Neil Peart, o jogo estava ganho. À exceção de Natural Science, apenas e tão somente pelos vocais exagerados de Devin Townsend, o CD voltado para o Rush é espetacular. Destaques para Closer to the Heart, com o Fates Warning; La Villa Strangiato, com a cozinha formada por Billy Sheehan e Mike Portnoy (Dream Theater); Anthem, com Lee baixando em Mark Slaughter; e YYZ, com Deen Castronovo conseguindo melhorar o que já nasceu perfeito.
Para terminar, Emerson, Lake & Palmer sendo homenageado com Encores, Legendes & Paradox, o melhor dos seis tributos lançados pela gravadora. Karn Evil 9 (1st Impression), The Barbarian e Tarkus são escolhas óbvias, mas e daí? Ficaram ótimas! Mesmo com Jordan Rudess (Dream Theater) roubando a cena ao encarnar Keith Emerson em Karn Evil 9 (1st Impression) e Hoedown, impossível não destacar John Novello em A Time and a Place, além de Glenn Hughes em Knife Edge e as atuações gerais de Portnoy e Simon Phillips nas baquetas.
Do rock progressivo para o heavy metal. Não bastassem os vários times dos sonhos, vários tributos contendo bandas, consagradas ou não, foram despejados no mercado. É impossível ouvir todos, mas apostaria que o melhor deles seja o duplo Holy Dio – A Tribute to the Voice of Metal, que faz um apanhado da carreira de Ronnie James Dio com Rainbow, Black Sabbath e, claro, sua banda solo. Dio gravou tanta coisa boa que fica complicado estragar alguma coisa, e Gamma Ray (Long Live Rock’n’Roll), Stratovarius (Kill the King) e Hammerfall (Man on the Silver Mountain) não fizeram feio. Méritos não apenas para Ritchie Blackmore (as três músicas citadas são do Rainbow), porque mesmo o Blind Guardian saiu-se muito bem com Don’t Talk to Strangers, provavelmente a melhor coisa que fez até hoje. Ah! Claro, o Fates Warning é responsável pelo grande momento do CD: Sign of the Southern Cross, do Black Sabbath.
Outro medalhão do metal entrou no esquema. Nos dois volumes de Legends of Metal, o Judas Priest esteve representado por nomes da velha e jovem guarda do estilo. O resultado não foi tão bom quanto o de Holy Dio – A Tribute to the Voice of Metal, mas Helloween (The Hellion/Electric Eye), Fates Warning (Saints in Hell), Mercyful Fate (The Ripper), Testament (Rapid Fire), Saxon (You’ve Got Another Thing Comin’) e Overkill (Tyrant) não deixam a peteca cair.
Com seguidores desconhecidos e iniciantes, Rebellion e Warning: Minds of Raging Empires… foram os presentes para o Queensrÿche, pioneiro do progressive metal. Claro que o repertório privilegia até Promised Land (1994), já que a partir daí a banda simplificou seu som e deixou de ser referência. Ao mesmo tempo em que há versões muito boas, como Deliverance (Black Symphony, presente com a mesma música nos dois CDs) e Anybody Listening? (Moon of Steel), encontramos verdadeiros atentados fonográficos, como a versão do Darkside para Someone Else?. A banda brasileira Karma, que teve a foto trocada no encarte, comparece com I Am I, que teria ficado melhor não fosse o desnecessário apelo com berimbau e tudo mais no fim da música. Não combinou.
A ideia acabou se popularizando, e grupos começaram a lançar trabalhos com algumas de suas músicas favoritas de seus artistas prediletos. De Ramones a Helloween, o extremo musical é atestado com o ex-Marillion Fish. E ainda temos Pat Boone (sim! Alguém lembra?), The Jeff Healey Band, Yngwie Malmsteen et cetera. Um pouco mais recente, Renegade (com músicas de Bob Dylan, Rolling Stones, MC5, The Stooges, entre outros) foi o canto dos cisnes de Zack de la Rocha no Rage Against the Machine.
Ao contrário dos estilo Ramones presente em todas as faixas de Acid Eaters, o Helloween equilibrou as influências díspares com versões distintas em Metal Jukebox (1999). Locomotive Breath (Jethro Tull) e He’s a Woman, She’s a Man (Scorpions) ficaram ainda melhores com o excelente trabalho do batera Uli Kusch, enquanto From Out of Nowhere (Faith No More) e Space Oddity (David Bowie) permaneceram intactas. Hocus Pocus (Focus) ficou no meio termo e foi uma agradável surpresa. Para fechar a mistura, All My Love, dos Beatles, ganhou a roupagem da banda alemã que certamente fará os puristas torcerem o nariz.
Em Songs from the Mirror, Fish manteve a alta qualidade de sua carreira solo. Rock progressivo? Sim, em Time and a Word (Yes), Fearless (Pink Floyd) e, claro, I Know What I Like (Genesis). Regravações do Marillion? Apenas nos discos “convencionais” (e não foram poucas, aliás). Outros dois trabalhos bem interessantes são Cover to Cover, da banda de Jeff Healey, e Inspiration, do sueco Yngwie Malmsteen. Bem verdade que o primeiro é mais agradável aos ouvidos. Badge (Cream), Communication Breakdown (Led Zeppelin) e Freedom e Angel (Jimi Hendrix) já valem qualquer álbum, ainda mais com o talento e o feeling de Healey. No entanto, Malmsteen merece respeito (goste-se ou não, é inegável que a história da guitarra é dividida em antes e depois dele – tudo por causa da obra-prima Rising Force, de 1984). Apesar de ter estragado Child in Time (Deep Purple) e Anthem (Rush) – e apenas Jeff Scott Soto consegue salvar Mistreated (também do Purple) –, o guitarrista acerta a mão em Carry on My Wayward Son (Kansas), Gates of Babylon (Rainbow), In the Dead of Night (UK) e The Sails of Charon (Scorpions).
Nessa leva, um trabalho que deveria ser encarado como uma gozação acaba sendo o mais interessante. No More Mr. Nice Guy – In a Metal Mood traz não apenas Pat Boone fazendo pose caricata de roqueiro, mas também versões impagáveis no melhor estilo big band. Ficaram simplesmente irresistíveis as releituras de Smoke on the Water (do Deep Purple, com participação de Ritchie Blackmore), Panama (Van Halen), Enter Sandman (Metallica), Holy Diver (Dio, contando com o próprio) e Crazy Train (Ozzy Osbourne). Esta última, aliás, é o tema de abertura do reality show The Osbournes.
Joe Satriani e Steve Vai tiveram seis de suas músicas divididas em Lords of Karma. Ou quase, pois 50% do material de Vai foi tirado da fase em que ele tocava com o ex-Van Halen (?) David Lee Roth. Não importa muito, pois apenas o desconhecido Toni Janflone Jr. se sobressai, com uma boa regravação de Tender Surrender. Ah, claro, não podemos esquecer-nos de Satriani. Mas quem lembrou melhor do que ninguém foi Bruce Kulick (Grand Funk, ex-KISS), que fez uma belíssima versão acústica de Always With Me, Always With You.
Ao ser dispensado do KISS junto a Kulick em 1996, quando a banda voltou com a formação original, o batera Eric Singer chamou o companheiro para o ESP (Eric Singer Project), ao lado de John Corabi e Karl Cochran. O ótimo CD homônimo é acima de tudo um tributo ao bom e velho rock’n’roll, com Four Day Creep (Humble Pie), Changes e Foxy Lady (Jimi Hendrix), Never Before (Deep Purple) e Won’t Get Fooled Again (The Who), entre outras.
Para fechar com chave de ouro, nada melhor que Jimi Hendrix, o melhor e mais importante e influente guitarrista da história da música (o clichê, quando verdade, é inevitável). Entre vários tributos a Hendrix – Paul Rodgers e o ótimo Hendrix Set, a banda alemã The Hamsters com um surpreendente duplo ao vivo et cetera –, dois merecem destaque: Stone Free e In from the Storm. No primeiro, Eric Clapton (Stone Free), Buddy Guy (Red House), Seal and Jeff Beck (Manic Depression) e Living Colour (Crosstown Traffic) obrigam você a sair correndo atrás do CD.
Mas o prato principal está em In from the Storm. Sem perda de tempo: Have You Ever Been (To Electric Ladyland), com Buddy Miles, Steve Lukather e Stanley Clarke; Spanish Castle Magic, com Santana e, mais uma vez, Clarke no baixo; The Wind Cries Mary, com Sting, John McLaughlin e Vinnie Colaiuta; In from the Storm, com Corey Glover e Billy Cox; Drifting, com Steve Vai e novamente Glover; Bold as Love, com Paul Rodgers e Vai; e a participação da London Metroplitan Orchestra, cujos arranjos enriqueceram o trabalho. Essencial.
Infelizmente, é (quase) impossível ter acesso a todos os tributos, principalmente porque já foram lançados um sem-número deles. E há mesmo espaço para todos: Accept, Dream Theater, Grand Funk, UFO, Thin Lizzy, Helloween, Savatage, Creedence Clearwater e Whitesnake, entre outros, já foram homenageados. Até bandas de black e death metal, em iniciativa da Dwell Records, deixaram fãs de KISS, Rush e Iron Maiden com ânsia de passar um prego nos CDs. O segredo é simples: ouça antes de desembolsar o dinheiro.
Matéria publicada na edição 85 do International Magazine, em julho de 2002. Em três partes, um passeio pelos discos de vários artistas homenageando grandes bandas. Um enorme filão à época e em alguns anos seguintes, por isso pede uma nova trilogia a ser publicada aqui em algum momento de 2018.
Por Daniel Dutra | Fotos: Guilherme Andrade/Divulgação
Lançado no mês de abril, o primeiro home video do Angra, Rebirth World Tour Part 1 – Live in Rio de Janeiro 2001, tem de ser analisado sob a perspectiva do fã. Principalmente dos 1.500 que lotaram o Garden Hall no dia 16 de dezembro, quando assistiram ao único show da turnê do excelente Rebirth na Cidade Maravilhosa. Produzido pelo fã-clube da banda, o trabalho nada mais é que um pirata oficial, com o indispensável “for fans only” na capa. Não poderia ser de outra maneira.
Depois do insosso Fireworks e das dúvidas em relação ao futuro, em consequência da saída de três integrantes, principalmente a do vocalista André Matos, o Angra se recuperou e retomou o posto que é seu por direito – o de umas das melhores bandas de heavy metal melódico do mundo – e certamente merecia algo de melhor qualidade. Mas vá explicar isso para quem colocou a banda no topo em diversas categorias das eleições de melhores do ano passado…
Além de cenas de backstage – algumas hilárias, como Kiko Loureiro imitando a postura de palco de Edu Falaschi –, o video, gravado apenas com uma câmera, com visão do público, vem apenas com músicas do último trabalho – apenas Judgement Day e Visions Prelude ficaram fora. No fim das contas, serve para atestar que poucas bandas hoje em dia têm um time de músicos com a qualidade técnica da atual formação do Angra (goste-se ou não de virtuosismo, há de se convir que é imprescindível para o estilo).
Nas guitarras, Kiko Loureiro mostra o porquê de ser um dos mais respeitados do país, enquanto Rafael Bittencourt evoluiu sensivelmente, atingindo a excelência de suas composições. Com apenas 21 anos, o baixista Felipe Andreoli prova ser o menino-prodígio que todos falavam (pena que seu duelo com Kiko não esteja presente). O vocalista Edu Falaschi, com a pior de todas as missões, cada vez menos precisa provar alguma coisa, e sua grande performance em Heroes of Sand e Millennium Sun é fato comprovado. Quanto a Aquiles Priester, sejamos mais uma vez sinceros: o cara é o clone do Deen Castronovo, e este é um dos maiores elogios que um baterista pode receber. Não há como não ficar impressionado com sua técnica, criatividade e trabalho nos dois bumbos (seu solo consegue arrancar aplausos até dos mais leigos).
Enfim, o vídeo serve mesmo como aperitivo. Agora, o senso crítico aguarda o lançamento do EP Hunters and Prey, marcado para junho e que terá a regravação de Kashmir (Led Zeppelin), e do DVD prometido para o segundo semestre. Este sim será o fiel da balança, já que o Angra teve sua apresentação no Via Funchal, em São Paulo, gravada com equipamento de ponta, e os extras prometem ser saborosos para a fiel legião de fãs da banda.
Resenha publicada na edição 84 do International Magazine, em junho de 2002. Apesar de inserida aqui na seção DVD/Blu-ray, o título foi lançado apenas em VHS, em edição limitada e numerada. Não lembro exatamente quantas cópias foram colocadas à venda, mas a minha é a nº 419 (sim, eu ainda tenho a fita).
Glenn Hughes não para. Desde a sua volta com Blues, de 1992, depois de superar o problema com as drogas, o baixista e vocalista vem desafiando o próprio talento e lançando uma sequência de grandes álbuns quase ano a ano. Isso sem contar com participações em várias outras frentes. Incansável, agora juntou-se ao também vocalista Joe Lynn Turner e formou o Hughes Turner Project, ou simplesmente HTP, despertando o interesse por se tratar de um trabalho envolvendo dois ex-Deep Purple.
E se você está perguntando se há razão de ser, respondo que sim. A banda é nos moldes do Purple de Burn, Stormbringer e Come Taste the Band. Dois atuais companheiros da carreira solo de Hughes, JJ Marsh (guitarra) e Vince Dicola (teclados), integram o grupo, enquanto o ótimo baterista Shane Gaalaas (ex-MSG e Yngwie Malmsteen, entre outros) completa a formação. Só isso já bastaria para valer a aquisição do excelente primeiro CD, HTP.
Curiosamente, a veia do trabalho é mais roqueira, sem muito das influências soul e funk de Hughes, fato possivelmente atribuído à presença de Turner. Independentemente de sua irregular carreira solo – da qual os destaques são os dois volumes de Undercover, álbuns de regravações de vários clássicos do rock – e de alguns momentos infelizes nas bandas que integrou (vide Rainbow, Malmsteen e o próprio Purple, tendo participado do pior disco desta, o horroroso Slaves & Masters), Turner sempre foi um vocalista acima da média. E aqui, como sempre em estúdio, está muito bem.
No entanto, Hughes é mesmo quem dá as cartas. É impressionante o que esse cara canta, e quem teve a oportunidade de assistir ao seu único show solo no Brasil (no Tom Brasil, São Paulo, em 1999) pode atestar. Bem assessorado por Turner, os duelos vocais ficaram de arrasar em Devil’s Road, Missed Your Name, Sister Midnight, Better Man, Run Run Run e On the Ledge. A destacar ainda as participações especiais dos guitarristas Paul Gilbert (ex-Mr. Big) na ótima You Can’t Stop Rock n’ Roll (não, não é a do Twisted Sister) e John Sykes (ex-Whitesnake) na bonita balada Heaven’s Missing an Angel. Indispensável.
Resenha publicada na edição 84 do International Magazine, em junho de 2002.
Depois de quatro dos maiores nomes da história do rock (Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple e KISS) terem sido passados a limpo – superficialmente, claro, pois não há como ser de outra forma –, temos mais um capítulo interessante dos tributos musicais. E este gira em torno de dois personagens: Bob Kulick, veterano guitarrista de estúdio, produtor e irmão mais velho de Bruce Kulick, ex-KISS; e Billy Sherwood, músico com uma passagem recente pelo Yes, tendo participado dos álbuns Open Your Eyes e The Ladder.
Sempre com pelo menos um dos dois à frente da produção, desde 1995 já foram lançados mais de dez trabalhos homenageando bandas e artistas solo. E o mais curioso em todos os CDs é que há poucas mudanças em relação aos participantes. Uma peculiaridade que acabou proporcionando a formação de supergrupos que infelizmente (será?) nunca poderemos ver em cima do palco.
Sherwood foi quem deu o pontapé inicial, com Jeffology – A Guitar Chronicle, para homenagear Jeff Beck. Destaques para as três primeiras faixas do CD: New Ways Train Train, com Warren DeMartini (Ratt); Led Boots, com Vivian Campbell (Def Leppard); e Heart Full of Soul, com Paul Gilbert (ex-Mr. Big). A primeira experiência fez o produtor tomar gosto por celebrar guitarristas. Em seguida, com A Salute to Stevie Ray, foi a vez de Stevie Ray Vaughan, um dos melhores guitarristas de blues em todos os tempos. Nas mãos de Steve Morse (Deep Purple), Travis Walk mostra o porquê, mas há ainda uma ótima turma de alunos e discípulos: Trevor Rabin (ex-Yes), Stanley Jordan, Walter Trout, Steve Stevens e Richie Kotzen (Mr. Big).
Influência de um sem-número de guitarristas de rock, mas num nível abaixo de Beck e Vaughan em excelência técnica, temos Ace Frehley (KISS). O ótimo Spacewalk traz Marty Friedman (ex-Megadeth) em Deuce; Charlie Benante e Scott Ian (Anthrax) em Rip it Out; e Vinnie Paul e Dimebag Darrel (Pantera) fazendo a melhor homenagem do CD ao recriar a belíssima instrumental Fractured Mirror.
Com o fim da seção seis cordas, Sherwood, agora com Kulick no posto de copiloto, iniciou os trabalhos com dois belos cartões de visitas: AC/DC e Queen. No tributo à banda australiana, Thunderbolt, é impossível não destacar Zakk Wylde em Hell Ain’t a Bad Place to Be; a dupla Jake E. Lee (ex-Ozzy e Badlands) e Lemmy Kilmister (Motörhead) em It’s a Long Way to the Top; e o belo time de Shake a Leg: Billy Sheehan (baixo) e Pat Torpey (bateria), a cozinha do Mr. Big; Bob Kulick (guitarra); e o vocalista John Corabi, que mostra por que marcou presença no melhor disco do Mötley Crüe.
Na outra mão, não apenas mais um bom trabalho, mas também uma ação beneficente. Com Dragon Attack, parte do dinheiro arrecadado com as vendas foi – e ainda é – destinada ao Mercury Phoenix Trust, entidade de combate à AIDS. Rodando o CD, encontramos bons momentos em Another One Bites the Dust, com John Petrucci (Dream Theater); Save Me, impecável com Jeff Scott Soto nos vocais e o belo solo de violão de Bruce Kulick; e Tie Your Mother Down, com Lemmy arrasando mais uma vez, escorado por uma das melhores cozinhas do rock: Rudy Sarzo (baixo) e Tommy Aldridge (bateria).
Sherwood sairia de cena provisoriamente depois do primeiro tributo a Freddie Mercury e companhia, em 1997, pois não havia mais como conciliar a produção dos discos com seu trabalho no Yes (do qual, aliás, ele saiu em 2000). No entanto, o Queen mereceu outra homenagem quatro anos depois. Em Stone Cold Queen – com Bruce Bouillet (ex-guitarrista do Racer X) ao lado de Bob Kulick na produção –, a grande novidade é We Will Rock You em versão apresentada ao vivo pelo grupo inglês, ou seja, com pegada mais rock. Ambos os CDs são obrigatórios para os fãs da Rainha, mas cabe um conselho ao ouvir o segundo: para não deixar todo o restante sem graça, deixe Somebody to Love por último, já que a interpretação de Geoff Tate (Queensrÿche), simplesmente emocionante, deixaria Mercury orgulhoso.
Com Humanary Stew, Kulick tomou as rédeas, iniciou a formação de um grupo quase inatingível de músicos e revisou vários clássicos de Alice Cooper. Além de nomes inusitados – como Vinnie Colaiuta, um dos mais requisitados bateras de jazz, músico da banda de Sting por vários anos –, o álbum tem como destaque a performance de três vocalistas: Bruce Dickinson (Iron Maiden) em Black Widow; Ronnie James Dio em Welcome to My Nightmare; e Glenn Hughes em Only Women Bleed.
Com uma estreia tão boa, Kulick quase bobeou no tributo seguinte, Not the Same Old Song and Dance, ao Aerosmith. A salada de músicos, de variados estilos, não caiu bem numa obra com uma veia tão roqueira como a da turma liderada por Steven Tyler e Joe Perry. Earl Slick, Nathan East (Eric Clapton), Albert Lee e Tony Levin (King Crimson, Peter Gabriel, Liquid Tension Experiment et cetera) parecem estranhos no ninho, assim o melhor momento do CD ficou por conta de Dio e Yngwie Malmsteen em Dream on.
Kulick se recuperou com Van Halen e Ozzy Osbourne. Para o primeiro, com o CD MMMM – 2000 em algarismos romanos, uma referência ao MCMLXXXIV na capa de 1984 –, duas constatações óbvias: em primeiro lugar, todas as 11 músicas são da fase com David Lee Roth nos vocais, o que sepulta de uma vez por todas a discussão sobre qual o período criativamente mais fértil da banda; segundo, é também um tributo a Eddie Van Halen. Unchained (Dweezil Zappa, filho de quem você está pensando), So This is Love (Blues Saraceno), Dance the Night Away (Reb Beach), Hot for Teacher (Bruce Kulick) e Running With the Devil (Jake E. Lee) são bons exemplos.
Ozzy foi brindado com Bat Head Soup, com Sherwood na mesa de produção ao lado de Kulick. Apesar de o trabalho ser uniforme, não dá para ficar impassível com Mr. Crowley, mais pelos vocais de Tim “Ripper” Owens (Judas Priest) do que por Malmsteen, cujo ego destruiu o antológico solo de Randy Rhoads; Over the Mountain, com um inspirado Mark Slaughter à frente da bateria destruidora de Eric Singer (KISS); Desire, com Lemmy e Richie Kotzen; Shot in the Dark, perfeita com Jeff Scott Soto no microfone; e Goodbye to Romance, que ganhou uma versão definitiva na voz angelical de Lisa Loeb.
Com o mercado já demonstrando sinais de saturação, com a onda de tributos transformada em febre no meio dos anos 90, o Metallica foi o nome da vez no fim de 2001, com Metallic Assault. Kulick, pela segunda vez com a assistência de Bouillet, manteve a qualidade e apresentou duas grandes novidades em sua seleção de músicos. O exímio Vernon Reid (guitarrista do Living Colour) surpreende em The Unforgiven, e Jon Oliva (mentor do Savatage) faz bonito em Nothing Else Matters. Mas o grande mérito do CD, na verdade, é lembrar como a banda de Hetfield e Ulrich já foi de primeira linha, antes dos erros cometidos em sequência a partir de Load. Battery, Welcome Home (Sanitarium), The Thing That Should Not Be, Seek & Destroy e For Whom the Bell Tolls não foram escolhidas à toa.
Paralelamente ao que você acabou de ler, a gravadora americana Magna Carta, especializada em rock progressivo e progressive metal, também realizava um trabalho digno de elogios. Além disso, como canto do cisne no momento em que o assunto já havia virado moda, bandas e artistas solo resolveram lançar tributos a seus ídolos como parte de sua discografia oficial. No próximo número do International Magazine, a terceira e última parte da série.
Matéria publicada na edição 84 do International Magazine, em junho de 2002. Em três partes, um passeio pelos discos de vários artistas homenageando grandes bandas. Um enorme filão à época e em alguns anos seguintes, por isso pede uma nova trilogia a ser publicada aqui em algum momento de 2018.
Richie Kotzen é um privilegiado. A afirmação pode parecer exagerada, mas isso apenas para quem não conhece o trabalho do guitarrista americano. Descoberto por Mike Varney (hoje um dos donos da Shrapnel Records) no fim dos anos 80, Kotzen era mais um entre os vários guitar heroes da época. Seu primeiro trabalho, homônimo e lançado em 1989, quando tinha 17 anos, não negava o caminho que todos trilhavam: música instrumental com doses maciças de virtuosismo.
Mas a escolha durou pouco. Não demorou para Kotzen assumir também o microfone e buscar outros caminhos, ou seja, desenvolveu um horizonte maior que seus contemporâneos e tornou-se um músico além das várias notas por segundo. Não foi por acaso que Stanley Clarke o convidou para integrar o Vertu – a versão 2000 do Return to Forever – e substituir ninguém menos que Al Di Meola.
Depois de um hiato de quase três anos, período em que esteve no Mr. Big, Kotzen lança seu 12º disco solo, Slow, e mais uma vez dá uma aula de bom gosto. E desta vez o guitarrista resolveu agradar a todos os fãs, mesclando o pop dos dois últimos e ótimos trabalhos – What Is… (1998) e Break it All Down (1999) – com a trinca rock/funk/soul de seus dois CDs mais aclamados – Mother Head’s Family Reunion (1994) e Wave of Emotion (1996).
Mesmo os mais turrões, aqueles que criticam a maior preocupação com as composições em vez do exibicionismo técnico, não terão do que reclamar. Para estes, Kotzen prova na autoexplicativa The Answer e no jazz rock Conflicted que é um dos guitarristas mais inspirados da atualidade. Mas não estão aí os grandes momentos do trabalho.
A bela balada Let’s Say Goodbye, o hit em potencial Don’t Wanna Lie e a sofisticação pop de Come Back (Swear to God) têm tudo para cair no gosto daqueles que adoram Lenny Kravitz, por exemplo. Irresistíveis também são os acentos funk rock das excelentes Scared of You, Gold Digger, Got it Bad,I Can Make You Happy e Rely on Me – notadamente na onda dos anos 70, de Jimi Hendrix (principalmente da fase Band of Gypsys) a Stevie Wonder (de Songs in the Key of Life), mas com sonoridade atual.
Totalmente tocado, composto e produzido por Kotzen, Slow chega no momento certo para comprovar a maturidade musical de um guitarrista de técnica apurada. Com o fim anunciado do Mr. Big, agora só falta que Kotzen consiga maior êxito comercial como artista solo fora do Japão e dos Estados Unidos, principalmente sendo reconhecido também como excelente vocalista e compositor. Talento para isso não falta, mesmo que este primordial fator nem sempre seja o suficiente.
Resenha publicada na edição 84 do International Magazine, em junho de 2002.
Dave Mustaine terá muito tempo para descobrir (ou não) o porquê da falta de sorte. Líder do Megadeth, o guitarrista levou o ano de 2001 para resgatar o crédito da banda, que quase foi para o espaço depois do lançamento do fraquíssimo Risk em 1999. Para a outra guitarra, conseguiu em Al Pitrelli um substituto tecnicamente à altura de Marty Friedman; assinou com a Sanctuary Records e com o lançamento de The World Needs a Hero levou seu grupo de volta ao peso. Apesar de não ter tido o êxito comercial de outrora, o álbum devolveu o sorriso de satisfação e esperança aos fãs.
Para a nova gravadora, o que é importava mesmo era recolocar a banda cada vez mais forte no cenário mundial do heavy metal. O trabalho seguiu com o DVD Behind the Music, contendo a íntegra do ótimo documentário realizado pelo canal a cabo VH1, além dos tradicionais extras (o clip de Moto Psycho, galeria de fotos et cetera). E não foi surpresa o anúncio do primeiro trabalho ao vivo do grupo (descontando o EP Live Traxx, apenas para o mercado japonês), o duplo Rude Awakening, lançado em 19 de março, com o respectivo DVD saindo em 9 de abril. Mas…
No dia 3 de abril, ou seja, ironicamente num período entre os lançamentos, Mustaine anunciou o fim do Megadeth em comunicado oficial à imprensa e no site oficial do grupo. No início do ano, em sua fazenda, no Texas, o músico sofrera um acidente em que um dos nervos de seu braço esquerdo foi afetado, comprometendo os movimentos da mão. Os médicos diagnosticaram uma neuropatia radial (compressão do nervo), e a recuperação não levará menos de um ano – pior, não há certeza se o tratamento terá um resultado 100% positivo. Mustaine agradeceu a todos os fãs pelos “ótimos momentos”, mas afirmou que o problema fez com que ele decidisse se dedicar à família. Uma história de quase 20 anos de bons serviços prestados ao rock pesado chegava ao fim.
Com isso, Rude Awakening ganha status de obra indispensável. Na verdade, nem precisava de uma situação, digamos, dramática. A obrigatoriedade se dá pela qualidade do trabalho. São 24 músicas que passam a limpo a carreira da banda disco a disco, à exceção de Risk (sem bem que valeria a inclusão de Prince of Darkness, apenas e tão somente). Não faltam clássicos – como Wake Up Dead, In My Darkest Hour, Hangar 18, Symphony of Destruction, Peace Sells e Holy Wars – como também algumas boas surpresas – Devil’s Island, Mechanix (se alguém ainda não sabe: The Four Horsemen, do Metallica, mas com outra letra), Tornado of Souls e Ashes in Your Mouth.
Apenas Hook in Mouth soa deslocada, mas não faz com que Rude Awakening soe menos excelente. Composta em 1987, a música foi uma resposta ao PMRC, entidade criada por Tiper Gore (esposa de Al Gore, vice-presidente dos EUA no governo Bill Clinton) para fiscalizar (leia-se tentar proibir) o lançamento de álbuns nos anos 80. À época, a atitude só fez chamar mais atenção paras as bandas de heavy metal, e o resultado prático do policiamento foi apenas o selo “parental advisory: explicit lyrics”, que não impede ninguém em sã consciência de comprar um CD.
Prato principal, por razões óbvias, o DVD faz lamentar o fim do Megadeth ao mesmo tempo em que prende a atenção do primeiro ao último minuto. É nele que percebe-se quão bom era um show da banda, sempre com um repertório de importantes capítulos do heavy metal. Méritos absolutos para Mustaine – guitarrista extremamente competente, vocalista nem tanto, mas um dos melhores compositores do estilo em todos os tempos.
A espera pelos inevitáveis lançamentos caça-níqueis (ou não) ficou mais certa quando Mustaine colocou todo seu equipamento à venda no mês passado. Sintomático? Talvez, mas para muitos ainda resta a esperança de que a carreira de um excelente músico não tenha mesmo chegado ao fim. Do outro lado, Al Pitrelli retornou ao Savatage, e o baixista David Ellefson, fiel escudeiro de Mustaine durante todos esses anos, fundou a Ellefson Music Production, companhia que irá gerenciar bandas novas. Quanto ao exímio Jimmy DeGrasso, um dos bateras mais técnicos e precisos do heavy metal, Alice Cooper o espera.
Resenha publicada na edição 84 do International Magazine, em junho de 2002.
Não é novidade que o mercado fonográfico vem há algum tempo apresentando sinais de queda no gráfico de vendas, mais por seus próprios erros de estratégia que pelo cansaço do consumidor. Muito se discute e pouco se resolve. As gravadoras colocam a culpa na pirataria e têm calafrios ao ouvir o termo MP3, por exemplo, mas nunca levam a sério o (quase sempre) absurdo preço final de um CD. O choro é ainda menos justificável quando lembramos do baixo custo de produção, quando mais de artistas que têm sua obra prensada em larga escala.
No entanto, um filão vem se mantendo firme nos últimos dez anos, apesar de os sinais de saturação estarem aparecendo vez ou outra graças às mudanças no critério de seleção, porque antes o valor histórico falava mais alto. Os tributos a grandes (ou não) artistas tornaram-se uma febre entre os fãs de rock, principalmente de heavy metal e rock progressivo. Neste especial, dividido em três partes, será passado a limpo um pouco de tudo. A começar por quatro bandas essenciais do rock pesado: KISS, Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple.
Não há artista que não tenha homenageado algum de seus ídolos, seja com uma versão num de seus discos ou com um cover durante os shows. Mas o grande responsável pelo surgimento em massa das homenagens prestadas em forma de CD foi o KISS, não à toa um dos grupos mais importantes e idolatrados da história do rock. Com a banda vivendo um momento delicado em sua carreira – após o saudoso batera Eric Carr ter perdido a luta contra o câncer, em 24 de novembro de 1991, mesmo dia em que a música também perdeu Freddie Mercury -, foi lançado, em 1992, o CD Hard to Believe, hoje fora de catálogo e verdadeiro item de colecionador. Contando basicamente com bandas obscuras, o trabalho tinha como principais atrações apenas Melvins e Nirvana, este, bem antes do sucesso mundial, responsável por uma medonha regravação de Do You Love Me. Mas foi o ponto de partida.
A banda de Paul Stanley e Gene Simmons, então, se tornou recordista no assunto. Com tributos proliferando – Kissin’ Time, KISS Tribute in Japan, KISS My Dick Vol. I, KISS My Dick Vol. II et cetera –, o próprio KISS organizou o seu, incluindo-o em sua discografia oficial. O resultado atende por Kiss My Ass – classic kiss regrooved (1994) e é um ótimo trabalho, de Deuce, com Lenny Kravitz e Stevie Wonder (tocando gaita), a Black Diamond, numa belíssima versão da American Symphony Orchestra, regida pelo maestro e multi-instrumentista japonês Yoshiki. Destaques ainda para o subestimado Extreme, que pegou Strutter e embolou com God of Thunder e Shout it Out Loud, e o Toad the Wet Sprocket, responsável pela versão mais surpreendente do CD: Rock and Roll All Nite acústica e em ritmo lento. Um exemplo de bom gosto.
Infelizmente, aquela que para muitos é a melhor banda de rock em todos os tempos – não apenas pelo talento de seus músicos e as grandes composições, mas principalmente pelo amplo horizonte musical – foi a que seu deu pior. O Led Zeppelin, que influenciou uma geração de músicos dos mais variados estilos, sofreu homenagens bem irregulares.
A primeira amostra veio com o fraco Encomium, de 1995. Dentro das performances sofríveis, “destacam-se” 4 Non Blondes (Misty Mountain Hop), Duran Duran (Thank You), Helmet and David You (Custard Pie) e Blind Melon (Out on the Tiles). Mesmo Sheryl Crow, responsável por muitos dos melhores momentos da música pop nos anos 90, errou feio na mão em D’Yer Mak’er, abusando dos sussurros e trejeitos vocais ao tentar soar como uma versão feminina de Robert Plant. Aliás, nem mesmo o vocalista do Led conseguiu se destacar muito ao lado de Tori Amos em Down By the Seaside. Apenas razoável.
A situação melhorou com Stairway to Heaven, de 1997 e lançado apenas no Japão. Neste, o repertório foi escolhido a dedo, priorizando o óbvio: Whole Lotta Love, Rock and Roll, Heartbraker, Stairway to Heaven, The Song Remains the Same et cetara. E o óbvio do Led Zeppelin é tão delicioso que nem o arroz de festa Sebastian Bach, ex-vocalista do Skid Row, conseguiu estragar. Apesar de ser um bom trabalho, fica a impressão de que as pernas dos músicos bambearam ao gravar as músicas. Apenas Zakk Wylde, guitarrista da banda de Ozzy Osbourne, mostra personalidade, em Good Times Bad Times e Going to California, cantando sem tentar soar como Plant.
O Black Sabbath também merecia melhor sorte ou ao menos um trabalho mais uniforme. Mas ao contrário das homenagens ao Led, o pai do heavy metal teve mais pontos positivos do que negativos. Os dois volumes de Nativity in Black (a saber: não é a forma extensa de N.I.B., música do primeiro álbum da banda) trazem ótimos momentos: Biohazard (After Forever), Megadeth (Paranoid e Never Say Die), Sepultura (Sympton of the Universe), Faith No More (War Pigs), Pantera (Electric Funeral), Slayer (Hand of Doom), Ozzy Osbourne with Therapy? (Iron Man) e Primus (N.I.B.). No entanto, 1.000 Homo Dj’s (Supernaut), Static-X (Behind the Wall of Sleep), Hed(Pe) (Sabbra Cadabra) e Type O Negative (Black Sabbath) mereciam ir, digamos, para o paredão.
Entre tantas escorregadelas, foi o Deep Purple que se deu bem. Muito bem. Primeiro com Smoke on the Water, tributo lançado em 1994 e que privilegiou vocalistas e guitarristas, além de trazer o excelente Jens Johansson nos teclados (hoje fazendo sabe-se lá o quê naquela chatice sem fim chamada Stratovarius) e o drummer extraordinaire Deen Castronovo. E temos Kelly Keeling bebendo direto da fonte de Ian Gillan em Speed King, assim com Jeff Scott Soto em Hush. Sem contar Glenn Hughes, ex-baixista e vocalista do próprio Purple, mais uma vez eternizando Stormbringer. Nas seis cordas, entre um desfile de malabarismos, encontramos Richie Kotzen, John Norum, Reb Beach e Russ Parish sem a necessidade de autoafirmação (Ritchie Blackmore, dependendo do estado de espírito, talvez tenha ficado orgulhoso).
Mas é em Black Night – Deep Purple Tribute According to New York (1996) que a coisa ficou ainda mais interessante, resultando num dos melhores tributos lançados na última década. Em vez de se limitar a apenas “coverizar”, a turma de músicos, capitaneada pelo baixista TM Stevens, decidiu trabalhar em cima de várias influências e gravar versões. O resultado ficou excepcional. Child in Time, com o belo vocal de Tony Harnell, descamba para o reggae; Fireball, com os Living Colour Will Calhoun (bateria) e Corey Glover (vocal), ficou uma aula de groove. Idem para Strange Kind of Woman, com Richie Kotzen. Para encerrar um CD nota 10, a arrasadora Burn com a veia funk de Glover e a técnica do guitarrista Lars Loudamp, responsável por um solo de tirar o fôlego.
A ideia iniciada com os dois tributos ao Deep Purple, além do Led Zeppelin com o Stairway to Heaven, tomou proporções gigantescas: a formação de supergrupos é responsável por boa parte dos discos lançados. Bandas e artistas consagrados – Alice Cooper, Rod Stewart, Stevie Ray Vaughan, Aerosmith e Metallica, entre vários outros – são homenageados por músicos de renome no cenário mundial. Na próxima edição do International Magazine você saberá um pouco mais a respeito.
Matéria publicada na edição 83 do International Magazine, em maio de 2002 – a primeira de todas as matérias, diga-se. Em três partes, um passeio pelos discos de vários artistas homenageando grandes bandas. Um enorme filão à época e em alguns anos seguintes, por isso pede uma nova trilogia a ser publicada aqui em algum momento de 2018.